A explicação para esse efeito está exatamente na densa superfície óssea não mineralizada formada a partir da deficiência. Segundo Michael Amling, um dos autores da pesquisa e professor do Departamento de Osteologia e Biomecânica do Centro Médico Universitário de Hamburg-Eppendorf, na Alemanha, os ossos são continuamente remodelados pela ação orquestrada do tecido ósseo. A remodelação funciona como a reforma das paredes envelhecidas de uma casa. Pedreiros especializados, no caso as células chamadas osteoclastos, utilizam enzimas e ácido clorídrico para remover a área desgastada. Outra equipe, os osteoblastos, deposita o material novo, recuperando a “parede”. A remodelação dura de cinco a 10 dias e deixa o ambiente pronto para a mineralização óssea.
Por meio desse processo, um esqueleto humano está completamente renovado a cada sete anos. “Assim, estamos protegidos de fraturas por insuficiência. No entanto, se o osso é coberto por osteoide, ele não pode ser removido, já que as únicas células capazes de destruí-lo, os osteoclastos, não conseguem fazer esse trabalho.” O impedimento acontece porque a camada de tecido ósseo não mineralizado está muito densa devido à falta de vitamina D, atrapalhando que as células de remoção se liguem à superfície. “Assim, o osso abaixo do osteoide envelhece mais ao longo dos tempos e fica mais frágil.”
Barreira de colágeno
O estudo, divulgado hoje na revista Science Translational Medicine, contou com a participação de 30 indivíduos, sendo que metade deles tinha deficiência de vitamina D. Os resultados foram possíveis pelo uso de uma tecnologia capaz de medir o desenvolvimento de fissuras ósseas em tempo real e a resistência do tecido a essas fissuras. A avaliação também mostrou que as “ilhas” de osso altamente mineralizado estavam cercadas por uma barreira de colágeno — outro obstáculo para a remodelação óssea e para o suprimento de cálcio.
Segundo o professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense Paulo Roberto Gonçalves de Souza, há algum tempo se sabe que a vitamina D é um fator importante para a mineralização do tecido osteoide — a base colágena óssea. O tecido ósseo jovem é formado por tecido colágeno, que oferece a elasticidade, e tecido mineralizado, que confere a rigidez. “A pesquisa mostra que a vitamina D é importante não só para a mineralização do osso, mas para a manutenção do tecido colágeno, cuidando da estrutura como um todo. Essa constatação é importante porque mostra que a vitamina D age para harmonizar mineral e colágeno”, descreve.
Ainda assim, Souza não acredita que a pesquisa alemã cause um impacto clínico imediato no tratamento de doenças como a osteoporose. O estudo viria como mais uma confirmação de quão imprescindível a vitamina D é ao organismo. “Ela é indispensável para a formação do tecido ósseo na infância, pois previne o raquitismo; na juventude, para evitar a osteomalácea; e na idade avançada, tentando manter a estrutura óssea o mais próximo possível da normalidade.” O ortopedista alerta ainda que, embora as vitaminas sejam de uso popular, elas também são medicamentos e devem ser prescritas por médicos.
Segundo o professor, a saúde óssea não está dissociada do organismo como um todo, e o cálcio, as vitaminas, o fósforo, a fosfatase alcalina e os hormônios devem ser dosados. Ao especialista competiria analisar esses fatores e administrá-los conforme as necessidades fisiológicas de cada paciente. O pesquisador alemão Amling acrescenta ainda que normalizar a vitamina D é um importante marco para a mineralização e a renovação do osso. “Assim, a vitamina D é um pré-requisito do osso saudável e, sem níveis normais de vitamina D, não há nenhum benefício provocado por qualquer medicação baseada em remodelação para os ossos.” Segundo os especialistas, a melhor fonte dessa vitamina ainda é a luz solar.