Saúde

Sexo maduro e sem tabus: entrevista com Isabel Allende

Isabel Allende acaba de lançar o livro 'Amor' e aproveita a reprodução das cenas eróticas que escreveu em seus muitos livros para falar, sem constrangimentos, da própria vida sexual

Flávia Duarte

Para ela, sexo é importante, ainda que com a serenidade dos 70 anos de idade
"A rotina mata o erotismo, especialmente na maturidade. Nós não temos idade para acrobacias sexuais, mas Willie e eu cuidamos do amor e procuramos cercá-lo de conforto, romance, beleza e prazer. Nossos encontros amorosos são sagrados"


Isabel Allende acaba de lançar o livro 'Amor' e aproveita a reprodução das cenas eróticas que escreveu em seus muitos livros para falar, sem constrangimentos, da própria vida sexual. Em entrevista à Revista do Correio, ela deixa claro que, para ela, sexo é importante, ainda que com a serenidade dos 70 anos de idade.

No livro Amor você diz: “(...) Ali me liberei finalmente, comecei a prestar atenção ao meu corpo e descobri que sou uma criatura sensual. Tinha 33 anos”. Você acha que sua educação mais repressora, como você conta no livro, tem a ver com isso? Você acredita que os valores sexuais aprendidos durante a infância e a adolescência vão definir a forma de a pessoa encarar o sexo na maturidade?

Eu pertenço a uma geração de chilenos criados com rígidas regras sociais, culturais e religiosas. O sexo não era discutido, não havia aulas de educação sexual na escola. Recebíamos apenas o mínimo de informações científicas sobre a reprodução dos mamíferos. Para a maioria de nós, esses valores — ou melhor, essa ignorância — foi uma séria desvantagem para o romance, o erotismo e o conhecimento de nossos próprios corpos e das nossas necessidades.

“Livre de amarrações, me dispus a viver bons momentos, com a esperança de que, na minha idade, ainda pudesse seduzir alguns varões distraídos” (*). Você acredita que, com a idade, tenha se tornado mais ou menos interessante?
Tenho várias amigas 10 anos mais jovem do que eu que estão sem um parceiro, não é uma falta de interesse, mas porque os homens da idade delas querem as mulheres 20 ou 30 anos mais jovens. Para esses homens, não importa em nada a experiência de uma mulher madura. O que eles querem é uma menina bonita, que os faça se sentir mais jovens e, se possível, que cause inveja nos outros homens. As mulheres são mais tolerantes com a idade dos homens e apreciam a experiência amorosa, mas a verdade é que a maioria dos velhos carecem de experiência e de vigor. Os anos não significam mais conhecimento. O refinamento erótico é aprendido, e o primeiro passo dessa aprendizagem é preocupar-se mais em dar prazer do que receber.

A idade ou o tempo de relacionamento esfriam o tesão, o fogo da paixão, na sua opinião?
Eu não posso falar por outras pessoas. Só posso dizer que a minha paixão não esfriou e eu ainda sou capaz de fazer loucuras pela luxúria.

“Outros casais da nossa idade exaltam os méritos da ternura e do companherismo, que substituem o alvoroço da paixão, mas já avisei a Willie que não pretendo substituir a sensualidade por aquilo que já tenho com a minha cachorra.” A idade, de fato, modifica a libido e a maneira de encarar o sexo com o parceiro de muitos anos?
O sexo entre seres humanos é complicado porque tem a interferência de outros fatores, além da necessidade biológica de reprodução. A libido depende da mente, dos hormônios, da cultura, da saúde, da idade, da autoestima e de mil variantes. Aos 70 anos, os hormônios, a saúde e a autoestima têm diminuído consideravelmente. Além disso, não é aceitável que os velhos tenham relações sexuais. A mente, porém, ainda está ativa. Na minha idade, eu posso imaginar cenas eróticas com a mesma facilidade com que fazia 50 anos atrás.

Em 'La suma de los días' você também faz alguma referência a uma roupa e a um jantar especial que você preparou para seu marido. Você acha importante criar situações a dois para que o sexo nunca seja deixado de lado?
A rotina mata o erotismo, especialmente na maturidade. Nós não temos idade para acrobacias sexuais, mas Willie e eu cuidamos do amor e procuramos cercá-lo de conforto, romance, beleza e prazer. Nossos encontros amorosos são sagrados.

“(...) a imaginação conta mais do que a memória: escrevo o que eu gostaria de experimentar. A magia do meu ofício me permite viver a vida dos meus protagonistas, e o prazer de descrever lenta e cuidadosamente um encontro erótico supera de sobra o prazer de vivê-lo”. Você realmente realizou muitas de suas fantasias por meio de seus personagens?
Todos os romancistas vivem suas fantasias nas páginas que escrevem. Em quase todas as cenas eróticas que escrevi, as mulheres têm um papel ativo, elas tomam a iniciativa, seduzem, possuem. A submissão feminina me parece muito chata.

Em um dos trechos do livro, você brinca que, se olhando nus no espelho, você e seu marido querem descobrir quem são os “velhinhos intrusos” no banheiro de vocês. Como você aceitou as mudanças físicas e estéticas do seu corpo, e as de seu marido, que são inevitáveis com a idade?
Os homens não se angustiam muito com o envelhecimento de seus corpos, mas, em geral, nós mulheres somos vítimas de uma cultura que sempre nos faz sentirmos inadequadas. Em torno de 45, 50 anos, as mulheres passam a ser invisíveis sexualmente: a sociedade nos descartada como inúteis. Temos que fazer um grande esforço para manter a autoestima quando o corpo mostra sinais de envelhecimento. Creio que Willie ainda me considera atraente, mas é porque sua vista já não está tão boa.

“Faz alguns anos que já não fantasio com algum ator de cinema repousando nu em uma banheira cheia de arroz com leite, mas sim com algo mais realista, por exemplo, Willie ao meu lado na cama, vendo televisão com a cachorrinha ao ossos pés.” O sexo passa a ocupar, depois de certa idade, um local coadjuvante na relação, em que o amor e o companherismo passam a ser mais importantes?
Para um boa relação na velhice, acho que deve haver equilíbrio entre amor e companheirismo, mas eu não gostaria que Willie se tornasse meu melhor amigo. Prefiro que ela seja meu amante. n

(*) Trechos do livro Amor, de Isabel Allende, editora Bertrand Brasil