O circo-escola TrupeTralha, criado há 16 anos e atualmente com sede no bairro da Graça, em Belo Horizonte, oferece três cursos: infantil, livre e de formação. O curso livre tem foco no condicionamento físico integral por meio da ginástica circense.
De acordo com o fundador da escola, Jailton Persan, as aulas trabalham todos os músculos do corpo, desenvolvem a força e aperfeiçoam a agilidade da visão e da audição. “Exercitando a coordenação motora, o circo desenvolve também a capacidade que cada um tem de organizar todas essas informações, tornando o aluno mais apto a superar desafios. A evolução é constante. Por sentir que esse crescimento vem de dentro, o aluno aprende de forma prazerosa”, explica Jaílton, ou Jajá, como é chamado por todos.
Para ele, o principal atrativo do circo é mostrar que o corpo do adulto pode continuar aprendendo e evoluindo. Mas nem por isso as crianças ficam de fora, pelo contrário: o curso infantil oferece a atividade física de uma maneira que as crianças sabem aproveitar muito bem. “Algumas pessoas ainda têm preconceitos: 'não levo meu filho para o circo porque não quero que ele faça malabares no sinal': já ouvi muito isso. E perdem a oportunidade de conhecer os benefícios físicos, motores e para o tratamento das crianças com transtorno de déficit de atenção”, ressalva o professor.
O curso de formação, que leva de dois anos e meio a três anos, destina-se à formação de professores e artistas. Na formatura, cada aluno deve montar, individualmente ou em grupo, um número que possa ser apresentado no teatro, na própria escola ou na rua. O estudante de direito Edson Alves Cordeiro foi um dos que optou por levar o circo a sério. Ele conheceu a trupe quando o Projeto Social Calazans visitou o bairro em que morava em Santa Luzia. Hoje, ele é instrutor da escola e garante: uma semana de aula equivale a um mês de academia. “As aulas recebem todos os níveis de alunos, desde o iniciante até o avançado, e o atendimento é personalizado”, explica.
Os mais sarados, mas em família
A vendedora Cristiane Curi chegou ao circo-escola há um ano, por indicação de uma amiga. Ela já tinha feito dança do ventre, balé, musculação e aeróbica, mas se encontrou no circo. “É a atividade física que deixa o corpo mais bonito em menos tempo. Posso comer de tudo, sem me preocupar com uma dieta muito restritiva, e ainda assim continuo em forma”, revela.
Frequentando as aulas há um ano, ela aponta ainda outra vantagem. “Para quem é mãe e tem pouco tempo, o circo permite unir pais e filhos na atividade física. Faço a aula para adultos, enquanto os meninos ficam na infantil. Fazer uma atividade física junto com as crianças é muito gratificante”, define ela, que é mãe de Arthur (11), Camila (12) e Clara (5). Todos vão às aulas duas vezes por semana. “Percebo que as crianças ficaram mais animadas e criativas. Nas nossas conversas, eles demonstram mais vontade de inventar brincadeiras. E isso acontece de forma leve e alegre, sem que eles percebam”, detalha a aluna.
E ela completa: às vezes, quando não está se sentindo muito bem, basta uma aula para mudar o humor e a disposição. “Amo o circo e indico para todos, sem exceção. O benefício estético e psicológico é incontestável”, resume Cristiane.
A engenheira Andréia – aquela das piadinhas - frequenta as aulas há três anos, desde quando a escola era no Aglomerado da Serra. “É viciante. Meus filhos, antes mesmo de aprenderem a andar, já estarão no circo”, conta ela, empolgada. Mas nem sempre foi assim. “Quando a escola estava na Região Metropolitana de BH, minha mãe achava que era perigoso, que eu chegava tarde. Ela propôs, inclusive, aulas particulares, no prédio em que morávamos. E resolveu fazer algumas aulas comigo, para tentar formar uma turma. Foi o suficiente”, conta.
Após as primeiras aulas, Solange Faleiro se apaixonou. Aos 51 anos, agora é aluna assídua da TrupeTralha. “O circo é uma atividade segura e completa. Tem que experimentar e enfrentar o medo”, ensina. “Quando comecei, me sentia muito pesada, não consegui nem fazer estrela. Mas o processo de evolução é rápido e, ao mesmo tempo, imperceptível”, revela a aluna.
Guinada na vida
A turismóloga e estudante de educação física Luciana Ribeiro Nogueira sempre foi ligada em esportes, como a capoeira e a musculação. Em viagem a um resort, teve seu primeiro contato com a atividade circense, nas oficinas oferecidas dentro da programação turística. Quando retornou a Belo Horizonte, procurou a escola e começou a fazer como hobby/atividade física. “Mas isso era pouco, queria me dedicar mais. Por isso resolvei fazer educação física e comecei a fazer estágio em uma das principais academias de Belo Horizonte. Mas aquilo não era também o que eu queria. Ao mesmo tempo, tinha medo de não conseguir viver do circo”, conta Luciana, que hoje é professora da Trupetralha.
Em poucos meses, ela já estava ganhando o dobro do que ganhava antes e agora desenvolve um trabalho específico com alunos de dois colégios particulares. Mas a busca pelo circo não foi apenas profissional. “Nunca vi corpos tão bonitos como aqui e o resultado é muito rápido. Não tem essa coisa de 'estou velho' ou 'não consigo'. Hoje tenho orgulho de dizer que minha profissão é professora de circo”, afirma Luciana. Ela aponta ainda uma outra vantagem. “Para quem não consegue ter muita disciplina, é uma ótima opção. Embora o circo exija, sim, compromisso dos alunos, isso acontece de forma lúdica. Brincar com um bambolê ou imitar um sapo são coisas que você não associa à chatice”, explica.
A pedagoga Juliana Prochnow dos Anjos, que também é aluna da TrupeTralha há um ano, ‘sofre’ do mesmo fascínio. “O circo permite sentir na pele como nosso corpo é capaz de aprender. Saltos, giros, exercícios de equilíbrio: nunca achei que fosse capaz de nada disso”, conta. Mas o envolvimento dela com o circo-escola vai além: ela está ajudando Jaílton a sistematizar a metodologia de ensino. “É um conhecimento que já existe, fruto de observação, experiência, veia artística e atuação social. A sistematização dessas informações contribui para formalizar e dar visibilidade ao ensino da artes circenses”, explica Juliana.
Segurança e equipamentos padronizados
Jaílton é um porta-voz dessa visibilidade. Já trabalhou com administração, futsal, ginástica olímpica e teatro de rua. Com o teatro, vieram as pernas de pau, os malabares e, junto com o amigo Rubens Xavier, formou uma trupe de palhaços, que se apresenta até hoje, principalmente na periferia de Belo Horizonte. O investimento no ensino das artes circenses teve foco inicial na inserção social em escolas públicas e contou com pesquisas realizadas em países como Espanha, França e Argentina.
Até hoje, quando a escola completa 16 anos, o lado social da TrupeTralha permanece. No último mês de junho, mais de 600 alunos do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) visitaram a escola e puderam ter contato com arte, educação, condicionamento físico integral e formação de artistas.
Uma das teclas mais batidas pelo fundador é a da segurança. Como vários exercícios são feitos em altura, os equipamentos são instalado de acordo com as normas das federações nacionais de ginástica federação, além de usar material antiderrapante, colchões com espuma própria e cordas de acordo com o padrão do Corpo de Bombeiros. Outra garantia é a experiência dos professores, a consultoria de engenheiros e a presença de uma enfermeira. Resultado: índice zero de acidente em quase duas décadas.
Jaílton define: para praticar a arte circense, você tem que procurar o lugar certo, com o professor certo e os equipamentos certos. “O interesse por esse tipo de atividade está crescendo muito e já estamos formando profissionais, mas é preciso avaliar com cuidado a escola antes de se matricular”, alerta Jaílton. Ele reforça que o tipo de aluno mais perigoso é aquele que não tem medo. “Ter dúvida é normal e saudável. Isso vai fazer com que você tenha cuidado”, explica o experiente professor.
Cada um na sua
Se um aluno não se sentir bem em acrobacias aéreas, ele pode fazer malabares, por exemplo. Para cada objetivo, os professores desenvolvem atividades que consideram níveis diferentes de aparelhos, intensidade e carga. “A aula é personalizada. Caso a avaliação médica – exigida para matrícula – indique alguma lesão, é possível adaptar os exercícios. É por isso que conseguimos ter, na mesma turma, alunos iniciantes, de nível intermediário e avançado”, explica o fundador da TrupeTralha.
Quem quer perder peso vai fazer mais atividades aeróbicas no solo e na cama elástica, por exemplo. “A maioria dos alunos chega aqui completamente travada. Mas como percebem que o clima da aula é de brincadeira e que ele não é exposto ao ridículo, a motivação vem naturalmente”, define o professor. “O circo é uma ferramenta que traz um profundo sentimento de satisfação para a alma. A aula é feita para a pessoa relaxar, se abrir e se entregar. E a confiança, cada vez mais rara entre nós, faz parte do nosso desenvolvimento. O professor não trabalha só com os músculos do aluno, mas também com a alma e o afeto”, resume Jaílton.
Jaílton acredita que, dado o fortalecimento do circo na última década, com a popularização do Cirque de Soleil e sua disseminação em projetos sociais, e até mesmo com as recentes vitórias do Brasil na ginástica, como a medalha de ouro de Arthur Zanetti nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, em breve será possível tornar o circo uma graduação como as outras, e até montar uma universidade própria. Ele já foi chamado para palestras e aulas-espetáculo em universidades locais e aposta no crescimento da profissão. “O circo tem uma dimensão popular, humana e social indissociável, mas hoje atrai também médicos, advogados, engenheiros”, finaliza.
Lá estou eu, de cabeça para baixo, pendurada pelas pernas no trapézio e ouço a pergunta fatídica: “Cadê o glamour?”. Olha, precisa estar em um dia muito ruim para não responder com um sorriso. E foi o que eu fiz. Jajá é um cara alegre, super em forma, carismático e cuidadoso. Muito atento a tudo que os alunos estão fazendo na aula, mesmo quando conversa comigo.
Todas as pessoas entrevistadas para esta matéria responderam à minha primeira pergunta com um “você fez a aula?”, e é fácil concluir o porquê. Eles têm certeza de que basta ter a experiência para entender tudo. Depois de quase duas horas, eu estava com as mãos imundas, dores no corpo (que pioraram no dia seguinte, principalmente nas pernas e braços) e absolutamente satisfeita por não ter visto o tempo passar.
A aula começa com intenso aquecimento ao som de música agitada. Depois, um belo alongamento. Em seguida, fiz coisas que haviam ficado perdidas na infância, como cambalhotas e estrelas (que nunca consegui fazer bem e era uma frustração, diga-se de passagem). Pulei na cama elástica, escalei o tecido e subi no trapézio. Tentei (e consegui) me equilibrar no rola-rola (prancha colocada sobre um cilindro). O grande diferencial da aula é não ser monótona em momento algum. A metodologia lúdica se vale do desafio constante.
É fácil observar também porque o circo é uma atividade tão familiar. A escola recebe pais e filhos, avôs e netos. Até mesmo por causa da relação de confiança. Se você vai se jogar de um trapézio, espera que do outro lado haja alguém em que você confie. E também porque, na aula, os pais aprendem com os filhos. E os mais jovens se colocam no lugar dos mais velhos, ampliando a conexão com eles.
Outro fator que aumenta o fascínio é perceber que o circo é uma manifestação cultural tão rica - acrobacias de origem oriental, técnicas indianas de equilíbrio, palhaçadas europeias – e, ao mesmo tempo, universalmente compreendida. A linguagem é única.
Apesar de o professor dizer que não há contraindicações, o efeito colateral do circo é criar super-homens ou mulheres-maravilhas. Você acaba descobrindo que é capaz de tudo que deseja. Basta estar aberto. Convidada para subir no famoso “arame”, instalado a 5 metros do chão, percebo que ele tem razão quando diz que “o aluno mais perigoso é aquele que não tem medo”. Subi, ainda sem saber que estava fazendo algo ‘avançado’ - apenas professores e alunos com mais de dois anos de curso têm autorização para subir.
Apenas me deixei guiar pelo experiente professor. Sem tirar os olhos dele, calçando uma botinha especial para andar no cabo de aço, segurando na corda acima da minha cabeça, recebo a sugestão: ‘tire uma das mãos’. Dessa vez não, Jaílton, mas quem sabe na próxima?
Quando estava indo embora, a turma das 20h chegou. Um pai com seus 50 e poucos anos e dois filhos - um adolescente e outro já formado na faculdade - , várias crianças, senhoras, mulheres jovens. É, assim como em suas origens na Europa do século XVIII, o circo é mesmo coisa de família.
Quer ir também?
O quê? Aulas de Circo
Onde? Circo-escola TrupeTralha - Rua São Roque, 66 – Bairro da Graça (próximo à Av. Cristiano Machado) (31) 3467-3139 / (31) 9636-0344
Preço? Duas vezes por semana, com duas horas de aula em cada dia, R$200 (para adultos). O curso infantil varia de R$80 a R$200, de acordo com a carga horária. Há turmas às 8, 10, 12, 14, 16, 18h e 20h, em dias alternados.
Investimento em equipamentos? Nenhum. É importante ir com roupa de ginástica. A maior parte da aula é feita de meia ou descalço.
Pré-requisitos: Não tem.
Contraindicações: Inicialmente, nenhuma, mas a escola pede que seja feita uma avaliação médica antes de iniciar.
Dicas: Esteja sempre aberto à troca, não só com o professor, mas também com os colegas - uma vez que muitos exercícios são feitos em dupla – e sem-vergonha, de preferência.
Avaliação final: Na aula de circo encontrei uma das turmas mais heterogêneas entre as atividades apresentadas na série até agora. E também foi a aula mais frenética, pesada, e que passou mais depressa. Monotonia fica da porta para fora. Da porta para dentro, corpão e diversão.
A série Manual do Iniciante vai fazer um 'test drive' de atividades ligadas à saúde e ao bem-estar. Se você quiser sugerir um tema, mande uma mensagem para saudeplenauai@gmail.com