De acordo com o chefe do setor de fiscalização do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG), Messias Francisco Lôbo Junior, antes da publicação da Resolução nº 877/08, a caudectomia era somente contra-indicada pelo conselho, ficando a cabo do próprio médico a decisão de realizar ou não o corte da cauda.
Messias acredita que a proibição sozinha não seja o suficiente para mudar os hábitos ou a preferência estética de criadores e da sociedade em relação a animais cujas raças já são identificadas pela ausência de cauda. “O fim da prática não só da caudectomia, como também das outras cirurgias estéticas, só ocorrerá quando as pessoas forem instruídas e se conscientizarem da desnecessidade da adoção de tal procedimento. Ao cão, ter sua cauda amputada, nada lhe acrescenta em afetividade, companheirismo e carinho”, destaca.
Ainda que considere a resolução benéfica, a presidente da ONG SOS Bichos Carla Roberta Magnani acredita que se ela não vier acompanhada de informação para a sociedade, as práticas ainda irão demorar a cair em desuso. “Toda mudança de comportamento demanda tempo e nesse caso não vai ser diferente. O tempo que vai levar vai depender da forma como isso será divulgado. Cabe aos veterinários e ao conselho regional condenarem-na e às ONGs divulgarem informações sobre isso”, diz. “Na SOS Bichos vamos fazer uma divulgação ampla para informar as pessoas de que essas práticas são abusivas e cruéis”, completa.
Segundo ela, muitas pessoas não sabem que é possível adotar animais ou comprá-los sem esses tipos “mutilações”. “Temos que embutir na cabeça das pessoas que o animal não vai deixar de ser bonito porque a orelha ou o rabo dele é comprido”, ressalta.
Mesmo sendo um conceito de beleza comum, a Confederação Brasileira de Cinofilia - órgão que cuida das regras e normas para criação, registro, emissão de pedigrees e exibição de raças de cães no Brasil - afirma que não obriga que os animais participantes de competições tenham as caudas amputadas. Para o árbitro, criador e veterinário, Mauro Anselmo Alves, a proibição deveria ter sido antecedida por um movimento cultural contra as amputações em busca de mudar a compreensão estética da sociedade, para somente então lançar uma proibição. “A canetada ajuda. O que eu não concordo é criminalizar isso, porque assim você cria um mercado negro, paralelo”, pontua.
Criador da raça cocker spaniel há 30 anos, Mauro conta que foi o primeiro a trazer para o Brasil, há 15 anos, cães da raça sem as caudas amputadas. Os animais vieram da Suécia e inspiraram que o veterinário abolisse a prática em seus cães. No entanto, ele diz que ainda esbarra, frequentemente, com clientes que se recusam a comprar filhotes com cauda. “Na verdade não tem sentido cortar o rabo, mas primeiro isso tem que entrar na cabeça das pessoas”.
“Mutilantes”
Assim como a proibição do corte de cauda e orelha, que tem caráter meramente estético, também não poderão ser realizados os procedimentos de corte das cordas vocais em cachorros e a remoção de unhas em gatos. “Essas são cirurgias mutilantes, desumanas e que interferem drasticamente no comportamento natural, socialização e bem estar desses animais”, destaca a professora do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da Escola de Veterinária da UFMG, Christina Malm.
Se no corte de cauda e orelha os argumentos são estéticos, no caso da remoção das cordas vocais e das unhas as justificativas dos donos são outras. Nos casos dos felinos, a procura se deve, na maioria das vezes, para evitar danos especialmente em móveis, causadas pelo comportamento habitual de gatos de arranhar e escalar objetos. Além de remover as unhas, a cirurgia também retira a falange distal, os 'dedos' do gato.
Já as cordectomias, retirada das cordas vocais, são geralmente procuradas sob a justificativa de que os cães latem excessivamente. “É importante esclarecer que um cão que late exageradamente, certamente está sob alguma condição patológica como dor, doença ou ainda sob alguma condição de maus tratos ou negligência por parte do proprietário”, destaca a professora. “Tanto a onicectomia em gatos como a cordectomia em cães levam a alterações no comportamento desses animais mutilados levando-os à comportamentos agressivos, depressivos, tristeza, estresse. Essas cirurgias, incluindo a caudectomia e conchectomia - corte das orelhas - dependendo da condição como são realizadas e dependendo da competência do profissional envolvido podem levar a hemorragia, infecção, inflamação, muita dor, ou até mesmo à morte, além de levar o animal a uma condição mutilante irreversível”, diz.
Carla Magnani é categórica em sua defesa à proibição: “É um absurdo você tirar a unha de um bicho como o gato, em que ela é muito importante, só para ele não estragar um bem material. Isso é absurdo e medieval. Quando nos deparamos com animal assim, isso é um caso de maus tratos e que priva ele do que ele precisa para ter uma vida saudável e natural”. Ela ainda lembra que para a legislação valer na prática, a sociedade terá de colaborar denunciando criadores que continuarem realizando os procedimentos.
De acordo com o representante do Conselho Regional de Medicina Veterinária, há algum tempo a prática do corte de cauda por motivos estéticos tem sido desencorajada. “Existe o movimento, encabeçado por vários segmentos da sociedade, em vários países do mundo, que luta pelos direitos e bem estar dos animais. Desta forma, existem sim muitos médicos veterinários que, reconhecendo os riscos de procedimentos cirúrgicos entendem ser desnecessárias cirurgias estéticas”. Ele ainda ressalta que esse tipo de cirurgia “atende a um padrão visual e não mais funcional como pode ter sido na constituição de determinada raça”.
Entre especialistas, há quem quem entenda que a cauda auxilia no equilíbrio do animal, contudo não há consenso sobre os danos físicos que o corte dela podem causar. O que a maioria entende, e essa seria uma das justificativas da proibição, é que a remoção tem sido realizada de forma indiscriminada em todo o país e muitos procedimentos são danosos e desnecessários, o que fere o bem-estar dos animais.
Decisão
A medida atende pedido feito pelo Ministério Público do Estado (MPE) de São Paulo ao CNMV. Os veterinários que realizarem o procedimento correm risco de ter o registro suspenso pelo conselho. O pedido do Ministério Público surgiu após uma representação feita à entidade por grupos ligados à proteção dos animais. De acordo com o promotor Carlos Henrique Prestes Camargo, do Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento Irregular do Solo (Gecap), os promotores pediram estudos técnicos para verificar se o procedimento poderia ser descrito como “maus-tratos” aos cães.
“O corte da cauda causa desequilíbrio para os cães. A cauda é usada por eles para se comunicar com outros cães e até com os donos”, disse. O laudo descreveu a cirurgia como uma “mutilação”. A recomendação foi aceita pelo CNMV, que elaborou a resolução proibindo a prática no dia 10. Além da caudectomia, o texto também proíbe o corte de orelhas (comum nos cães pitbull e dobermann), de cordas vocais e, nos gatos, das unhas.
A resolução aplica-se apenas a médicos-veterinários. Entretanto, é comum criadores de cães e gatos fazerem os procedimentos por conta própria (o corte do rabo de poodles, por exemplo, é feito pelos próprios criadores). Camargo afirma que, embora eles não possam ser punidos pelo conselho, há legislação específica tornando a prática ilegal.
“O artigo 39 da Lei de Crimes Ambientais proíbe maus-tratos aos animais, o que inclui a mutilação deles. Quem for flagrado cometendo esses atos poderá responder processo.” A pena prevista na Lei de Crimes Ambientais para a prática desses delitos é de detenção de três meses a um ano e multa. (Com informações da Agência Estado)