Estudos em seres humanos mostram alterações fisiológicas durante a infecção gripal que propiciam um ambiente mais favorável à instalação do tipo de bactéria que causa a pneumonia, podendo, inclusive, torná-la mais grave. O artigo publicado hoje apresenta um modelo computacional de transmissão da pneumonia após analisar diversas hipóteses sobre os possíveis efeitos de uma infecção anterior de influenza — vírus mais comum causador da gripe. Os integrantes do estudo analisaram relatórios epidemiológicos de hospitalizações por pneumonia e registros semanais de pacientes infectados com a influenza. Os dados foram coletados em Illinois, no centro-oeste dos Estados Unidos, entre 1989 e 2009, e possibilitaram a classificação de hipóteses que associavam a transmissão de ambas as doenças.
A hipótese destacada pelo modelo matemático é conhecida como impacto de suscetibilidade. Isto é, aqueles infectados com a influenza são mais suscetíveis à pneumonia pneumocócica. No pico da “estação da gripe”, a equipe de Silva afirma que a interação da infecção viral e por pneumococo chega a 40%. Anualmente, isso significa que entre 2% e 10% das pessoas infectadas com a gripe tiveram esse fator como uma predisposição ao desenvolvimento da pneumonia posteriormente. Esse dado seria capaz de justificar porque ainda não tinha sido possível mensurar essa interação que, em termos anuais, é bastante sutil.
Dois processos
Segundo o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, quando a pessoa está gripada, existem alterações estruturais e imunológicas nas células do pulmão que favorecem a infecção bacteriana. O pulmão desenvolve uma pneumonite viral, um processo inflamatório que promove modificações nos alvéolos — a unidade de funcionamento do pulmão onde se dão as trocas gasosas. “São dois processos, um inflamatório e outro componente chamado vasculite, que é uma alteração inflamatória dos vasos, elevando o risco de sangramento e promovendo o acúmulo de secreção local, o que favorece o desenvolvimento de processos infecciosos bacterianos”, detalha Gorinchteyn.
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Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Renato Seligman lembra dados importantes que puderam ser percebidos durante a última grande epidemia gripal no Brasil, em 2009. “Vimos que pessoas gripadas tratadas com o antiviral tinham menos complicações, se internavam menos, iam menos para a UTI, usavam menos respiração mecânica e menos hemodiálise do que as pessoas que não tratavam (a gripe)”, conta.
Segundo Seligman, é bastante comum, nessa situação, encontrar pessoas que desenvolvem também a otite e a sinusite bacteriana. Isso porque as alterações celulares e anatômicas provocadas pela infecção viral dificultam o combate de infecções bacterianas. Um exemplo é a obstrução nasal e o consequente acúmulo de secreção nos seios da face, que ficam com uma drenagem insuficiente, aumentando a chance de sinusite bacteriana. O comprometimento da drenagem da secreção no ouvido é o que aumenta o risco de otite.
Para evitar a infecção inicial, a recomendação básica é a vacinação contra a influenza, ressalta Seligman. “Ela não é 100%, pois o vírus sofre muitas mutações no mundo inteiro, mas, a princípio, a vacina dá uma proteção epidemiológica de 80%.” Quando há a população vacinada, o número de casos de influenza cai, assim como as consequências posteriores à infecção viral.