A diretora de Pesquisa da Funed, Esther Margarida Bastos, diz que, inicialmente, o trabalho vai ter foco na terapia definitiva para o diabetes. “Essa doença faz mais vítimas que o câncer de mama e o HIV juntos, mas também pretendemos tratar outras patologias no futuro.” O objetivo, segundo Bastos, é que, com a validação do laboratório, as descobertas possam ser usadas para tratamentos do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo a pesquisadora responsável pelo projeto, Alessandra Matavel, quando a célula-tronco é colocada de volta no tecido, outras iguais são geradas. Porém, no caso do diabetes, se o material for injetado no pâncreas (lesado pela doença), pode surgir uma pancreatite. “A ideia é fazer uma diferenciação in vitro para as células produtoras de insulina”, comenta Matavel. O estudo será iniciado com ratos, e o objetivo é testar se as células-tronco conseguem controlar a glicemia (nível de açúcar no sangue).
De acordo com a pesquisadora, células-tronco do tecido adiposo podem ser encontradas em qualquer fase da vida, e seu uso não está associado a questões éticas e religiosas. Outra vantagem é que o procedimento pode ser autólogo, ou seja, são usadas estruturas do próprio paciente. “Elas podem ser facilmente retiradas do corpo, por meio de lipoaspiração ou cirurgia abdominal, sendo imediatamente disponíveis para utilização no próprio paciente ou para a diferenciação in vitro”, destaca. Segundo ela, estudos também demonstram que essas células são capazes de inibir o processo de rejeição pelo organismo, além de modular o processo inflamatório, propiciando uma melhor cicatrização.
Doutora em bioquímica e pós-doutora em pesquisas com células embrionárias, Alessandra Matavel detalha que as células-tronco ainda não são usadas no tratamento de diabetes. “Precisamos de um ponto de partida e acredito que o diabetes é uma das doenças crônicas que mais oneram o SUS”, acredita. O tratamento convencional com injeção de insulina demanda seu uso pelo resto da vida, e a alternativa do transplante de ilhotas encontra barreiras na escassez de doadores e na utilização de imunossupressores para evitar o risco de rejeição.
“O tratamento com células-tronco do próprio paciente, transformadas em ilhotas produtoras de insulina e com nenhum risco de rejeição, aumentaria enormemente a qualidade de vida dessas pessoas, além de reduzir o custo para o sistema de saúde. Seria uma terapia definitiva”, afirma Matavel.
O projeto conta com o apoio do Hospital Vila da Serra, do Banco do Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (BDMG) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). A empresa GID Brasil vai fornecer para a Funed os equipamentos de laboratório para a realização das pesquisas. As células serão retiradas e processadas no Vila da Serra por meio de uma cirurgia de lipoaspiração; em seguida, o material será encaminhado para a Funed, onde será realizado o processo de caracterização e diferenciação em células produtoras de insulina.
Segundo Esther Bastos, a plataforma que será disponibilizada já é usada em outros países para terapias de reconstrução corporal pós-trauma ou câncer, para cicatrizar feridas complexas causadas por diabetes e radioterapias, queimaduras, artrites e rejuvenescimento, entre outros procedimentos. O diretor médico da GID Brasil, Sérgio Duval de Barros Vieira, destaca que a gordura é um dos maiores reservatórios de células-tronco do organismo, e que, de acordo com estudos já realizados no exterior, 1g do tecido produz aproximadamente 250 mil células, quantidade muito superior ao número isolado a partir de outras fontes do corpo humano. “Aproximadamente, 220 mil cirurgias estéticas de lipoaspiração são realizadas no Brasil a cada ano, produzindo rotineiramente grandes volumes de valiosos tecidos”, cita.
Palavra de especialista: Cuidados éticos
“Toda pesquisa que envolve ser humano precisa de alto conhecimento de quem está envolvido. É preciso que haja a assinatura de um termo de consentimento esclarecido. A pessoa precisa saber qual é o objetivo da pesquisa e não pode existir a possibilidade de que tenha uma finalidade negativa. A regra é que o paciente conheça todos os detalhes do procedimento. A expectativa em estudos com células-tronco é grande, e muitas pessoas pensam que vai ocorrer um milagre. É preciso passar muita informação. Os cuidados não inviabilizam a pesquisa e são fundamentais para o desenvolvimento da ciência.”
João Batista Gomes Soares,
presidente do Conselho Regional de Medicina/MG