Prescrito para mulheres no período da pós-menopausa, o suplemento de estrogênio tem um poder de proteção contra a infecção urinária até então nunca plenamente compreendido ou confirmado pela comunidade científica. Dessa forma, os riscos e os benefícios desse uso combinado também não podiam ser mensurados. Em um artigo publicado hoje na revista Science Translational Medicine, pesquisadores do Hospital Universitário do Instituto Karolinska, em Estocolmo, desvendaram o mecanismo de ação desse hormônio na bexiga de mulheres com ciclos menstruais ativos e das que já passaram pela menopausa. Os cientistas confirmam os benefícios e sugerem o tratamento para as que sofrem com o mal pelo menos três vezes ao ano e não têm mais a capacidade reprodutiva. Antes disso, o excesso do hormônio pode favorecer a absorção da bactéria.
O principal objetivo do grupo sueco era definir qual seria o período de vida da mulher com maior risco em desenvolver infecções urinárias. Muitas pesquisas indicavam, até então, que o problema surgia mais entre as mais jovens e aquelas com queda natural da produção hormonal. A equipe liderada por Petra Lüthje, do Departamento de Microbiologia e Biologia Celular e Tumoral do Instituto Karolinska, sugere que ambos os resultados podem estar corretos. Os autores examinaram as células do revestimento do trato urinário (urotélio) de mulheres com o ciclo ativo e participantes em pós-menopausa, sendo que as últimas foram avaliadas antes e depois de um tratamento de suplementação hormonal de duas semanas. A urina e o tecido de revestimento da bexiga das participantes foram analisados.
Para determinar o mecanismo de base para as observações, os cientistas estudaram as células do tecido do trato urinário em camundongos que sofreram queda na produção de hormônios. As células coletadas das cobaias e das participantes in vitro possibilitaram a identificação de dois mecanismos de defesa do epitélio modulados pela ação do estrogênio. O hormônio foi capaz de estimular a produção de substâncias antimicrobianas geradas pelo próprio organismo, além de fortalecer a ligação entre as células do local. A queda hormonal das mulheres em pós-menopausa pode fazer com que elas tenham maior dificuldade na luta contra infecções, já que a redução de estrogênio leva à diminuição da produção de antimicrobianos e da integridade da mucosa urotelial.
Curiosamente, os pesquisadores também notaram que o estrogênio aumentou a quantidade de bactérias absorvidas no interior das células uroteliais. Com isso, concluíram que há o risco de a suplementação ter um efeito inverso em mulheres jovens. Submetidas ao tratamento, elas podem ter uma maior incidência de infecções do trato urinário. Lüthje relata que também têm sido discutidas as mudanças na microflora e o aumento do pH vaginais, e a consequente maior suscetibilidade para a infecção do trato urinário após a menopausa. “Por exemplo, em camundongos fêmeas férteis, a suplementação de estrogênio modulou a colonização da bexiga pelas bactérias não só diretamente, mas também indiretamente ao afetar a flora do epitélio vaginal”, detalha. Esse seria um outro efeito da prescrição do hormônio.
Prevenção
Lüthje considera que estudos adicionais com seres humanos e animais serão necessários para compreender melhor o mecanismo molecular dos efeitos do estrogênio no urotélio e entendido o que determina o equilíbrio entre os seus efeitos pró e anti-infecciosos. “Essa linha de pesquisa nos faz chegar mais perto de compreender e eventualmente ajudar a prevenir o problema das infecções urinárias, tão recorrentes em mulheres.”
Para o ginecologista e obstetra do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Pupo, o trabalho chama a atenção por analisar os efeitos do estrogênio em um tecido que não é primariamente hormonal, mas do revestimento do sistema urinário. “Há algum tempo, sabemos que existe uma ação do estrogênio no tecido do trato urinário e esse trabalho confirma o que é feito na clínica.”
Pupo afirma que o trabalho deverá ter um impacto, mesmo que pequeno, na prática clínica, pois traz uma série de respostas interessantes com relação ao mecanismo de defesa e à ação do estrogênio na região dos genitais. “As bactérias aproveitam-se de machucados no epitélio para causar a infecção. Imagine que ele recobre o trato urinário como se fosse um monte de tijolos colocados lado a lado e unidos por uma ‘argamassa’. As bactérias que causam a infecção conseguem conter essa ‘argamassa’ e se enfiar entre as células”, explica. A ação do estrogênio ajudaria a reforçar essa “cola” entre as células e, com isso, dificultaria a passagem dos patógenos.
Palavra de especialista
Inimigos mais resistentes
“Milhões de mulheres sofrem de infecções do trato urinário, para as quais estratégias eficazes de gestão clínicas são extremamente carentes. Esse fator — com o recente surgimento global da Escherichia coli uropatogênica multirresistente — torna imperativo que nós persigamos alvo, alternativas, estratégias não antibióticas para prevenir as infecções. Esse estudo de Lüthje apoia o uso de estrogênio vaginal como uma terapia profilática contra as infecções urinárias em mulheres na pós-menopausa não apenas pelo efeito sobre a microbiota urogenital e pela baixa resistência uretral contra patógenos, mas porque o estrogênio parece aumentar diretamente a resistência da bexiga. Os dados de translação de mulheres na pós-menopausa submetidas a suplementação vaginal de estrogênio são a verdadeira força desse estudo, e essa abordagem deve ser usada para estudar a expressão de outros fatores importantes para a defesa da mucosa nas infecções do trato urinário.”
Scott J. Hultgren, professor do Centro para Pesquisa de Doenças Femininas Infecciosas da Universidade de Washington
Ação também contra o ebola
Além de tratar a infertilidade feminina e o câncer de mama, medicamentos conhecidos como moduladores seletivos dos receptores de estrogênio podem ser usados contra a infecção pelo ebola. A conclusão é de um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) e do Instituto de Pesquisa Médica de Doenças Infecciosas do Exército Americano. As descobertas foram publicadas hoje na revista Science Translational Medicine.
Não há uma maneira de prevenir ou tratar a infecção pelo ebola. Ao fazer a triagem em uma biblioteca com mais de 2 mil medicamentos, pesquisadores liderados por Lisa Johansen descobriram dois remédios com potencial para bloquear a infecção pelo vírus: o citrato de clomifeno e o citrato de toremifeno. As drogas são utilizadas para ajustar a sinalização do receptor de estrogênio em tecidos específicos, podendo promover ou bloquear a produção do hormônio e a absorção dele pelas células. Um tratamento feito em camundongos infectados bloqueou a proliferação e a reprodução do vírus.
Os remédios impediram a entrada do vírus nas células hospedeiras e inibiram interações com o receptor de estrogênio. Os pesquisadores acreditam que os resultados promovam mais testes para o tratamento contra o ebola. A utilização do vírus como uma arma biológica preocupa especialistas.
O principal objetivo do grupo sueco era definir qual seria o período de vida da mulher com maior risco em desenvolver infecções urinárias. Muitas pesquisas indicavam, até então, que o problema surgia mais entre as mais jovens e aquelas com queda natural da produção hormonal. A equipe liderada por Petra Lüthje, do Departamento de Microbiologia e Biologia Celular e Tumoral do Instituto Karolinska, sugere que ambos os resultados podem estar corretos. Os autores examinaram as células do revestimento do trato urinário (urotélio) de mulheres com o ciclo ativo e participantes em pós-menopausa, sendo que as últimas foram avaliadas antes e depois de um tratamento de suplementação hormonal de duas semanas. A urina e o tecido de revestimento da bexiga das participantes foram analisados.
Para determinar o mecanismo de base para as observações, os cientistas estudaram as células do tecido do trato urinário em camundongos que sofreram queda na produção de hormônios. As células coletadas das cobaias e das participantes in vitro possibilitaram a identificação de dois mecanismos de defesa do epitélio modulados pela ação do estrogênio. O hormônio foi capaz de estimular a produção de substâncias antimicrobianas geradas pelo próprio organismo, além de fortalecer a ligação entre as células do local. A queda hormonal das mulheres em pós-menopausa pode fazer com que elas tenham maior dificuldade na luta contra infecções, já que a redução de estrogênio leva à diminuição da produção de antimicrobianos e da integridade da mucosa urotelial.
Curiosamente, os pesquisadores também notaram que o estrogênio aumentou a quantidade de bactérias absorvidas no interior das células uroteliais. Com isso, concluíram que há o risco de a suplementação ter um efeito inverso em mulheres jovens. Submetidas ao tratamento, elas podem ter uma maior incidência de infecções do trato urinário. Lüthje relata que também têm sido discutidas as mudanças na microflora e o aumento do pH vaginais, e a consequente maior suscetibilidade para a infecção do trato urinário após a menopausa. “Por exemplo, em camundongos fêmeas férteis, a suplementação de estrogênio modulou a colonização da bexiga pelas bactérias não só diretamente, mas também indiretamente ao afetar a flora do epitélio vaginal”, detalha. Esse seria um outro efeito da prescrição do hormônio.
Prevenção
Lüthje considera que estudos adicionais com seres humanos e animais serão necessários para compreender melhor o mecanismo molecular dos efeitos do estrogênio no urotélio e entendido o que determina o equilíbrio entre os seus efeitos pró e anti-infecciosos. “Essa linha de pesquisa nos faz chegar mais perto de compreender e eventualmente ajudar a prevenir o problema das infecções urinárias, tão recorrentes em mulheres.”
Para o ginecologista e obstetra do Hospital Sírio-Libanês Alexandre Pupo, o trabalho chama a atenção por analisar os efeitos do estrogênio em um tecido que não é primariamente hormonal, mas do revestimento do sistema urinário. “Há algum tempo, sabemos que existe uma ação do estrogênio no tecido do trato urinário e esse trabalho confirma o que é feito na clínica.”
Pupo afirma que o trabalho deverá ter um impacto, mesmo que pequeno, na prática clínica, pois traz uma série de respostas interessantes com relação ao mecanismo de defesa e à ação do estrogênio na região dos genitais. “As bactérias aproveitam-se de machucados no epitélio para causar a infecção. Imagine que ele recobre o trato urinário como se fosse um monte de tijolos colocados lado a lado e unidos por uma ‘argamassa’. As bactérias que causam a infecção conseguem conter essa ‘argamassa’ e se enfiar entre as células”, explica. A ação do estrogênio ajudaria a reforçar essa “cola” entre as células e, com isso, dificultaria a passagem dos patógenos.
Palavra de especialista
Inimigos mais resistentes
“Milhões de mulheres sofrem de infecções do trato urinário, para as quais estratégias eficazes de gestão clínicas são extremamente carentes. Esse fator — com o recente surgimento global da Escherichia coli uropatogênica multirresistente — torna imperativo que nós persigamos alvo, alternativas, estratégias não antibióticas para prevenir as infecções. Esse estudo de Lüthje apoia o uso de estrogênio vaginal como uma terapia profilática contra as infecções urinárias em mulheres na pós-menopausa não apenas pelo efeito sobre a microbiota urogenital e pela baixa resistência uretral contra patógenos, mas porque o estrogênio parece aumentar diretamente a resistência da bexiga. Os dados de translação de mulheres na pós-menopausa submetidas a suplementação vaginal de estrogênio são a verdadeira força desse estudo, e essa abordagem deve ser usada para estudar a expressão de outros fatores importantes para a defesa da mucosa nas infecções do trato urinário.”
Scott J. Hultgren, professor do Centro para Pesquisa de Doenças Femininas Infecciosas da Universidade de Washington
Ação também contra o ebola
Além de tratar a infertilidade feminina e o câncer de mama, medicamentos conhecidos como moduladores seletivos dos receptores de estrogênio podem ser usados contra a infecção pelo ebola. A conclusão é de um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) e do Instituto de Pesquisa Médica de Doenças Infecciosas do Exército Americano. As descobertas foram publicadas hoje na revista Science Translational Medicine.
Não há uma maneira de prevenir ou tratar a infecção pelo ebola. Ao fazer a triagem em uma biblioteca com mais de 2 mil medicamentos, pesquisadores liderados por Lisa Johansen descobriram dois remédios com potencial para bloquear a infecção pelo vírus: o citrato de clomifeno e o citrato de toremifeno. As drogas são utilizadas para ajustar a sinalização do receptor de estrogênio em tecidos específicos, podendo promover ou bloquear a produção do hormônio e a absorção dele pelas células. Um tratamento feito em camundongos infectados bloqueou a proliferação e a reprodução do vírus.
Os remédios impediram a entrada do vírus nas células hospedeiras e inibiram interações com o receptor de estrogênio. Os pesquisadores acreditam que os resultados promovam mais testes para o tratamento contra o ebola. A utilização do vírus como uma arma biológica preocupa especialistas.