

Faltando poucos minutos para a meia-noite de terça-feira, o Plenário do Senado bateu o martelo e aprovou o PL, que tramitou quase 11 anos no Congresso e foi tema de 27 audiências públicas. Se sancionado, terá 60 dias para entrar em vigor. Márcio Fortini, diretor de Defesa Profissional da Associação Médica de Minas Gerais, estava no plenário e diz que o projeto foi aprovado por unanimidade entre os senadores. Ele conta que a presença de médicos foi maciça. “Não existia para a medicina a regulamentação da profissão. A sociedade deve saber o que esperar do médico, quais são os atos exclusivos dele. É uma proteção aos cidadãos”, defende.
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“Se somente o médico poderá fazer o diagnóstico, nós, profissionais regulamentados e com formação plena, vamos depender desse encaminhamento também.” Sobre a prescrição terapêutica, as interpretações são variadas. “É impossível que apenas um profissional vá deter conhecimento técnico de outras 13 ciências. Isso vai contra tudo o que prega o Sistema Único de Saúde (SUS), ao valorizar as equipes multidisciplinares. O atendimento será mais oneroso e demorado”, alerta.
O artigo que diz que somente os médicos poderão formular diagnósticos nosológicos (determinação da doença que acomete o ser humano) e respectiva prescrição terapêutica causou mais dúvidas. “Pelo projeto, nós, psicólogos, ficaremos impedidos de dar um diagnóstico de um paciente”, reclama o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Humberto Verona. Assim, segundo ele, caso uma pessoa com transtorno bipolar vá a uma consulta psicológica e o profissional identifique traços de depressão, esse diagnóstico não poderá ser dado ao paciente. “Terei que encaminhá-lo ao médico, para que faça o seu encaminhamento. Ou seja, vamos ficar nas mãos do Conselho Federal de Medicina (CFM) e, em caso de descumprimento, poderemos ser processados”, indigna-se Verona, acrescentando que o conceito de nosológico no PL não está claro, uma vez que é citado para doenças físicas e psíquicas. “Hoje, o psicólogo faz um diagnóstico integral dos pacientes. Diante desse projeto, essa avaliação ficará limitada. Queremos ter nossos direitos respeitos, sem a patrulha do CFM”, diz, definindo o plano como mordaça para os profissionais de saúde.

Professor-adjunto de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e vice-presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais, Lúcio José Vieira conta que a categoria debateu o assunto ontem à tarde. “Nossas competências e habilidades estão sendo respeitadas pelos médicos. Os pacientes terão, com a proposta, maior clareza sobre o que compete ao profissional médico”.
QUALIDADE
Para os médicos a situação será outra. Diante de um número de profissionais exercendo funções que, segundo eles, são exclusivas deles, os pacientes terão mais segurança no atendimento. É o que destaca, com otimismo, o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Soares. Segundo ele, a aprovação no Senado é um marco histórico para a medicina. “A população terá uma assistência de qualidade. Na fisioterapia, por exemplo, um paciente chega com uma lesão muscular, e se o profissional não tem conhecimento do que causou essa lesão, o tratamento não é completo. O paciente pode ter diabetes ou outros males, que serão identificados por um médico que o examina como um todo”, defende.
Reconhecendo que a responsabilidade da classe médica se torna maior caso o projeto seja sancionado, Soares destaca que profissionais como nutricionistas não poderão receitar remédios. “A nutrição tem sua área demarcada. Eu, como pediatra, não saberia fazer a dieta de uma criança. Isso é função dos nutricionistas”, compara.
Questionado se no Brasil há médicos suficientes para atender a demanda, Soares diz que esse é um tema maior, que envolve mais recursos e segurança para a classe médica trabalhar. “Na obstetrícia, há enfermeiro fazendo parto. Há hospitais que não têm médicos. Cada profissional tem que estar na sua área, pois ao ultrapassar esse limite, o serviço pode não ser benfeito.”
PONTOS PARA POLÊMICA
DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS: o projeto de lei (PL) estabelece como de exclusividade dos médicos diagnosticar doenças que acometem o paciente.
Crítica: psicólogos e nutricionistas reivindicam o direito de também atestar as condições de saúde em aspectos psicológicos e nutricionais. Fisioterapeutas e fonoaudiólogos querem ser responsáveis pelo diagnóstico funcional, que avalia a capacidade do paciente de realizar movimentos, articular sons, entre outros.
O que fez o relator, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE): manteve como exclusiva dos médicos a “formulação de diagnóstico nosológico”, para determinar a doença, mas retirou essa exclusividade para diagnósticos funcional, psicológico e nutricional, além de avaliação comportamental, sensorial, de capacidade mental e cognitiva.
Assistência ventilatória mecânica ao paciente: o texto original estabelece como tarefa exclusiva de médicos definir a estratégia para pacientes com dificuldade respiratória (intubação acoplada a equipamento que bombeia ar para os pulmões) e a forma de encerrar o procedimento.
Crítica: fisioterapeutas questionaram a norma, alegando que também atuam no atendimento a pacientes com dificuldade respiratória, especialmente nas unidades de terapia intensiva (UTI).
O que fez o relator: Valadares acolheu emenda da Câmara que atribui aos médicos a coordenação da estratégia ventilatória inicial e do programa de interrupção, assegurando a participação
de fisioterapeutas no processo.
Biópsias e citologia: emenda aprovada na Câmara limita aos médicos a emissão de diagnósticos de anatomia patológica e de citopatologia, que visam identificar doenças pelo estudo de parte de órgão ou tecido.
Crítica: biomédicos e farmacêuticos argumentam que a medida fere sua liberdade de atuação profissional, uma vez que análises laboratoriais requerem “interpretação” do material colhido e não “diagnóstico médico”.
O que fez o relator: Valadares rejeitou mudança da Câmara, mas manteve como tarefa restrita a médicos a emissão de laudos de exames endoscópicos, de imagem e anatomopatológicos (de amostras de tecidos e órgãos).
Procedimentos invasivos: o projeto prevê como exclusivo de médicos “procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo acessos vasculares profundos, biópsias e endoscopia”, o que inclui a “invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo da pele para injeção”.
Crítica: A norma motivou reação de acupunturistas e até mesmo de tatuadores, que temem enfrentar restrição em seu campo de atuação por conta da interpretação de conceito de procedimento invasivo.
O que fez o relator: Valadares manteve a norma em seu relatório, mas retirou da lista de atribuições exclusivas de médicos a “aplicação de injeções subcutâneas, intradérmica, intramusculares e intravenosas”, apesar de a recomendação de medicamentos a serem aplicados por injeção continuar sendo uma prerrogativa de médicos.