De um grupo de paulistanos indignados com o preço das passagens para 250 mil brasileiros nas ruas do país. Das primeiras vaias ouvidas na arquibancada a um estádio inteiro gritando em direção à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa das Confederações, em Brasília. Há algum tempo, cientistas tentam elaborar modelos matemáticos capazes de descrever como ações iniciadas por algumas pessoas se disseminam e acabam sendo observadas em um número maior de pessoas.
Agora, pela primeira vez, pesquisadores suecos conseguem elaborar um modelo matemático para fenômenos sociais desse tipo que pôde ser testado experimentalmente. E concluem que essas manifestações se alastram de forma parecida à de epidemias, numa sequência de contágio.
De acordo com o estudo, publicado no Jornal da Royal Society de Londres, uma das sociedades científicas mais antigas do mundo, a probabilidade de as pessoas começarem uma ação coletiva, como bater palmas após uma apresentação, aumenta proporcionalmente ao número de indivíduos na plateia já “infectados” pelo comportamento. A diferença principal com relação ao que ocorre com as doenças é que as pessoas influenciadas não são necessariamente aquelas que estão do lado que está aplaudindo — ou vaiando.
Alguém do outro lado do auditório (ou do estádio de futebol) pode muito bem ser o segundo a se manifestar. O fim do comportamento seria motivado por uma intervenção social parecida, também controlado pela relutância de alguns em continuar aplaudindo. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores liderados por Richard Mann, do Departamento de Matemática da Universidade de Uppsala, observaram o comportamento de universitários que assistiam a uma apresentação acadêmica.
Ao todo, foram analisados 107 estudantes, que assistiram a palestra em grupos de 13 a 20, sem ter conhecimento do experimento. A resposta deles no fim do espetáculo, a maioria das vezes com aplausos, foi filmada. Depois, o grupo de pesquisadores anotou dados como o tempo entre o fim da apresentação e a decisão das primeiras pessoas de bater palmas, o intervalo entre a primeira e a última pessoa a se manifestar e a duração dos aplausos.
Essas e outra série de informações foram, então, aplicados a um modelo matemático. Os especialistas encontraram diferenças consistentes na vontade individual de começar ou parar de bater palmas. Porém, a análise dos dados mostrou que o tempo que o público passa aplaudindo pode variar consideravelmente, independentemente da qualidade das apresentações. O início e o fim das palmas seguiu o padrão de uma curva sigmoidal, correspondente ao desenho da letra S. Uma absorção lenta do novo comportamento, seguida por uma fase de mudança rápida e de uma eventual saturação. “Tal crescimento e decadência são semelhantes ao padrão de infecção normalmente visto na propagação de doenças, apoiando a possibilidade do contágio social de palmas”, garantem os pesquisadores.
As pessoas parecem pegar a “infecção” de palmas por ouvir o volume dos aplausos, em vez de serem motivados pela visão do vizinho de cadeira se manifestando. E, curiosamente, os grupos só paravam quando pelo menos um indivíduo decidia, sozinho, que já havia aplaudido por tempo suficiente. Mann, no entanto, ressalta que a pessoa que inicia ou cessa os aplausos não exerce qualquer papel de liderança no grupo.
“Embora nós tenhamos notado que aqueles que começam as palmas tendem a ser quem as interrompe, isso só é um resultado de sua maior ‘ânsia’ de bater palmas. O resto do público não está observando aquele indivíduo, esperando para ver o que ele faz”, explica. O poder da multidão, segundo ele, viria da forma como isso é coordenado a partir do momento que alguém tomou a decisão de iniciar ou parar — toda a plateia copia o comportamento muito rapidamente. “Nossos resultados sugerem, inclusive, que o público às vezes fica ‘preso’ nas palmas porque ninguém para de aplaudir. Esse é o outro lado da inteligência da multidão. Às vezes, as pessoas ficam presas a copiar uns aos outros”, analisa.
Identificação
Mann acredita que é provável que todos os tipos de comportamentos se propaguem nas multidões de forma semelhante, mas a taxa exata pode depender do risco e das consequências do ato. Eles chegaram a testar durante a pesquisa se havia algum tipo de “efeito limite” para a propagação do comportamento, como esperar que pelo menos a metade da audiência esteja aplaudindo para agir da mesma forma. “Nós não encontramos qualquer efeito desse tipo, mas talvez isso ocorra quando o risco da ação é alto, como protestar contra um governo repressor ou arriscar dinheiro no mercado de ações.”
Para o professor de psicologia social da Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Gunther, a propagação de um comportamento pode ser explicada por uma série de teorias. Nos casos das vaias direcionadas à presidente Dilma Rousseff no sábado passado e da onda de protestos disseminada pelo país, os processos parecem ter partido de um grupo muito instigado que iniciou as ações, levando o restante a se movimentar.
Mas é importante observar, segundo ele, que isso acontece apenas se houver afinidade. “Um grupo com uma certa atitude política começou a vaiar. De repente, um monte de outras pessoas que estavam ali seguiram, porque se identificaram”, interpreta. Ele remete a outro fenômeno que entraria nessa dinâmica de forma inversa, a chamada ignorância pluralística. É quando ninguém tem coragem de fazer algo. Como ninguém toma a iniciativa, ninguém age. Para Gunther, no caso do movimento que acontece no Brasil hoje, o foco passou a se pulverizar em função de uma temática.
"Inicialmente, aqueles R$ 0,20 (de aumento da passagem em São Paulo) eram o foco. Eles serviram, no fundo, de estopim, que reúne um grupo no começo, mas depois novas discussões são traçadas e novos grupos se identificam.” Esse seria o ponto em que as pessoas começariam a se aglutinar na teoria das massas e do contágio social.
Ataque de riso
Em 30 de janeiro de 1962, três moças em um vilarejo chamado Tanganika, na Tanzânia, tiveram um ataque de riso incontrolável. O acesso durou várias horas e contagiou outras 90 pessoas, até 18 de março, que também caíram numa alegria histérica. Dias depois, chegou à província de Nshamba, onde mais de 200 pessoas foram “infectadas”. A epidemia de riso teria se expandido cada vez mais, contagiando milhares de pessoas no oeste da África. O caso foi descrito de forma confiável em 2007 pelo pesquisador Christian Hempelmann, da Universidade do Sul da Geórgia, nos Estados Unidos, e é um dos maiores exemplos da grande influência que os outros exercem sobre os sentimentos e ações dos demais, mostrando como as emoções podem se propagar de uma pessoa para a outra.