O novo medicamento não seria apenas mais um no mercado. Os estudos comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e poderá atender pacientes diabéticos com ulcerações e os imunodeprimidos (pessoas cujo sistema imunológico está enfraquecido). “O crajiru tem baixa toxicidade e eficiência alta”, afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e pesquisadora da Divisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.
No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. Adriana Bosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório do Diabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que quando o diabetes não é controlado, com o tempo a pessoa perde a sensibilidade dos membros inferiores e qualquer lesão pode virar uma úlcera. Há vários medicamentos para tratar os ferimentos em diabéticos, como géis e pomadas específicas.
O SUS fornece alguns deles. “O ideal é sempre a prevenção, porque depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuir para a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima é brasileira”, afirma Adriana.
ESTUDOS
Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chica Verlot é mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam para combater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um estudo com as populações para saber qual era a mais adequada para o fim pretendido. “Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o conteúdo químico de acordo com as estações e o efeito farmacológico. Quanto mais rico em antocianosídeos – substâncias de origem vegetal que demonstram uma poderosa atividade antioxidante, capacidade de promover a biossíntese do colágeno e impedir sua degradação –, maior o poder de cicatrização”, diz.
Mary Ann esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vai começar a etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa com animais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. “Ainda leva um tempo até o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque, temos que encontrar empresas interessadas em produzi-lo”, explica. Além desse entrave, há outras desafios a serem enfrentados, como garantir uma coloração esteticamente melhor, pois o produto deixa a pele avermelhada (parecendo sangue), e descobrir uma forma para que o crajiru não se degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível, que se degrada rapidamente em condições atmosféricas normais de processamento. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento fica na corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.
A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado sobre o crajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa. Ilza avaliou a estabilidade do extrato seco e criou formulações semissólidas com os extratos padronizados a partir das folhas de crajiru. O trabalho gerou o depósito de uma patente em relação às técnicas para produção de nano partículas de longa duração – o segundo do projeto. O primeiro referia-se a processos para microencapsulação do extrato da planta.
Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento para aumentar a vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiais diferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica e maltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias de armazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois desses testes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis, atestando que o de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área cutânea ulcerada. Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.
Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrização de pacientes imunodeprimidos. “Trabalhar nesse projeto é uma satisfação pessoal grande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa de medicamentos de uso popular para doenças negligenciadas, aquelas que afetam a população mais carente. Podemos inclui-lo, futuramente, no sistema público de saúde”, conta.