Amor à primeira vista. Existe?

Na semana em que se comemora o Dia dos Namorados, vamos atrás de histórias marcantes de casais apaixonados

por Lilian Monteiro 09/06/2013 10:27

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Leandro Couri/EM/D.A Press
"Só de olhar para ele, sei se está bem ou não. Decifro todos os códigos" - Ilma de Paula Salomão, casada há 43 anos com José Salomão Sobrinho (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

A colega de sala, aquele apressadinho que lhe deu uma bela trombada na meio da rua, a irmã do sujeito que bateu no seu carro, a amiga do amigo ou alguém que o hipnotizou com o olhar no saguão do aeroporto, na fila do banco. Quem sabe onde o amor está e onde ele pode acontecer? Sorte, acaso, destino, flecha do cupido, fatalidade? Será que existe amor à primeira vista? Parece que o escritor russo Vladimir Nabokov foi um desses afortunados: “Tinha sido amor à primeira vista, à última vista, às vistas de todo o sempre”.

Para homenagear o Dia dos Namorados, fomos à caça de histórias de amor ao primeiro encontro, ao primeiro olhar. Histórias do primeiro e, muitas vezes, único amor. Apresentamos quatro casais que, apesar de gerações diferentes, vivem a mesma experiência. Desfrutam de um amor que, simplesmente, nasceu. E como disse Santo Agostinho, encontros que não titubeiam em exaltar que “a medida do amor é amar sem medida”.

Dos palcos do teatrinho da escola para as cenas da vida real, uma história de amor com 10 anos de namoro e 43 de casamento a caminho das bodas de ouro. Três filhos e seis netos. Ilma de Paula Salomão e José Salomão Sobrinho, empresários de Lagoa Santa, se encontraram nas peças encenadas no ginásio e entre uma troca e outra de balas e bombons deu-se um encontro para a vida toda. Ela com 13 anos e ele 17 iniciaram uma relação de carinho, respeito e, acima de tudo, amor. Primeiro e único amor de suas vidas. “Ele me dava a bala que se chamava Delicado e, como seu apelido era Dé, ele dobrava o papel para só aparecer as iniciais e eu guardava todos numa caixinha. Tivemos dificuldades, éramos muito jovens, a família não aceitava. Eu me sentia dividida. Chorava por não encontrá-lo e, se fugia para vê-lo, chorava por ter mentido para meus pais. Os amigos ajudavam, me entregavam os bilhetinhos enrolados em durex para ninguém abrir. No fim, venceu o amor.”

José Salomão, que há oito anos teve um aneurisma, ficou quatro meses em coma e a cada dia tem recuperação impressionante. É um senhor eternamente apaixonado. “Gosto cada vez mais da Ilma. A cada dia a acho mais bonita”, se declara. A cumplicidade entre os dois é tamanha que Ilma revela: “Só de olhar para ele, sei se está bem ou não. Decifro todos os códigos”. Para ela, o segredo da união “é a tolerância”. E aconselha que, ainda que o amor seja o principal, a boa vontade, paciência, jogo de cintura, o querer que dê certo são ingredientes fundamentais.

Ilma vive com José um amor que resistiu a grandes provações. “Enfrentamos obstáculos para fazer a vida, criar a família, problemas sérios de saúde (José fez há 15 anos uma cirurgia de coração), mas Jesus, nossa fé, respeito e consideração nos guiaram até aqui. Estamos cada vez mais fortes e firmes.” O casal se sente afortunado. “O mérito não é nosso, mas uma bênção de Deus. Temos filhos amorosos, três prendas, uma família amiga, genros e nora encantadores. Vivemos com a obrigação de ser felizes. E a receita é fazer bem um ao outro”, diz Ilma.

Inspirados? Guardem o fôlego para conhecer as histórias de Andreza e Marcius, Marina e Gabriel e Maíra e Daniel.

O coração é que manda
Felizes e surpreendidos com encontros inesperados, jovens casais se sentem privilegiados por ter encontrado parceiros ideais

Beto Novaes/EM/D.A Press
Daniel Júlio se encantou por Maíra Pesso desde a primeira vez em que a viu, mas teve trabalho para conquistá-la (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Ah, o amor... Alguns esperam muito tempo até encontrá-lo. Outros esbarram com ele logo cedo. Agarram e não o largam mais. Há quatro anos, o destino conspirou a favor de Daniel Júlio de Freitas Oliveira, de 22 anos, e Maíra Pesso Costa Gomes, de 21. Eles trabalhavam na prefeitura da capital, em andares diferentes. Um dia, Daniel viu Maíra descer as escadas e parar na fila do caixa eletrônico. Pronto, aconteceu. “Olhei para ela e senti algo que não sei explicar. Na hora soube que ela era diferente de todas as outras pessoas”, lembra o estudante de terapia ocupacional, que confessa ter tido trabalho para conquistar a amada.

“Tomei uns 30 ‘tocos’. Não foi fácil e até pisei no freio, passei a só observá-la e viramos melhores amigos.” Mas, um dia, a vida decidiu dar outro empurrão: uma sessão de cinema combinada por Daniel, Maíra e outro amigo. “Ele não pôde ir e fomos sozinhos. Fiquei tão nervoso, com medo de ela desistir, que não tenho ideia de qual filme assistimos. Só me lembro que foi quando demos o primeiro beijo.”

Mas Maíra fez jogo duro por três meses. “A dúvida era se o beijo foi por impulso ou espontâneo e se tinha algo mais”, lembra Daniel. No fim, tudo deu certo: “Estou apaixonado há quatro anos. Sou encantado com seu olhar, que diz tudo”. Estudante de ciências contábeis, Maíra confessa que o charme inicial era só para saber as segundas intenções, porque “em cada investida queria explodir porque estava louca com ele desde o primeiro momento”.

Ela conta que Daniel a pediu em namoro para os pais, o que a cativou ainda mais. “Ele é meu primeiro namorado. Amor à primeira vista. É uma graça, carinhoso, atencioso e todo romântico. Adora escrever poesias. Guardo todas e adoro relê-las. Aliás, desde o primeiro bilhete que me passou, com o telefone celular e da casa, endereço completo e, na época, o Orkut, sabia que não teria como escapar. E não queria. Ele é uma ternura, um presente para mim. Sinto-me abençoada.”

À FLOR DA PELE

Não há espaço para a vergonha. Ser piegas é lindo. Declarar o amor pode até ser pagar “mico”. Ninguém está a salvo. O que importa é que vale muito a pena. Há seis anos juntos, Marina Flávia de Araújo Silva, de 23, e Gabriel Lopes Pratezi, de 21, vivem uma história com sentimentos à flor da pele. Ele a viu primeiro e ela não acreditou que aquele menino de 15 anos estava a fim dela. Ela com quase 18, “madura”, “independente”, “quase uma mulher”. Grande amiga de Israel, irmão do Gabriel, nunca o tinha visto, até que ela notou os olhares daquele “garoto” logo que passou a sair com a turma. Notou também a timidez e, para deixá-lo confortável, puxava conversa, sem dar bola.

Mas a troca de olhares cada vez mais intensa, seja no churrasco ou na festa da galera, Marina se sentiu hipnotizada e o primeiro beijo aconteceu, acompanhado de constantes conversas pelo MSN. “Um dia, quando ele me enviou a letra da música Sonho de amor, da banda Nossa Sentimento, me ganhou definitivamente. Ficou sério e eu o pedi em namoro. Muitos não acreditavam na gente, principalmente por ele ser novinho. Mas sempre achei que todos estavam errados. Somos o primeiro namorado um do outro. É o meu amor”, se entrega a bancária, formada em ciências contábeis.
Juliana Pas/Divulgação
Juntos há seis anos, Marina Flávia e Gabriel são o primeiro namorado um do outro (foto: Juliana Pas/Divulgação)

Gabriel, que estuda gestão de negócios automotivo, conta que não tem explicação para o que sentiu desde a primeira vez que viu Marina. “Era muito novo, não entendia direito. Aconteceu, sem planejar. Ela não fez nada. Simplesmente gostei.” Ele se diz fascinado por estar ao lado de uma mulher de “índole e princípios, que busca sua independência e vai atrás do que quer para melhorar”. Apaixonado, enfatiza que “tudo que sou hoje devo a ela, que sempre me incentivou a crescer. Sei que também a ajudo porque, além de namorados, temos uma grande amizade. E tudo que faço é pensando nela. Hoje, sei que foi amor à primeira vista”.

A magia está no ar
A psicanalista Inez Lemos elabora três linhas de pensamento para traduzir o amor à primeira vista: mistério, sedução e admiração. O que não o livra de críticas

As palavras fogem. O ritmo do coração acelera. E o olhar parece hipnotizado por aquela pessoa. Qual a explicação? Pode acreditar, o amor bate à porta. Há 12 anos, Andreza de Oliveira Cunha, de 27, e Marcius Marcellus Nascimento Araújo, de 28, desviaram de seus caminhos para que pudessem se encontrar. Ela estudava numa escola desde pequena e não cogitava mudar. A mãe insistiu e a levou para o Colégio Loyola. Ele, aluno antigo, tomou bomba e caiu na sala dela. Olha o destino dando as cartas novamente. Sintonia imediata. “Com poucos dias ele já me conhecia como ninguém. Sabia o que eu sentia pelo olhar. Dessa amizade intensa o amor foi inevitável”, lembra a hoje arquiteta. E o agora engenheiro civil, e até nisso eles combinam, conta que se apaixonou “pela beleza, inteligência, carinho e amizade” de Andreza. “Ela é minha primeira e única namorada. Somos parecidos e temos tanta afinidade que desde nosso encontro não ficamos um dia sem nos falar. É a mulher da minha vida, com quem vou formar minha família.”

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Andreza e Marcius Marcellus se conheceram no colégio e vão se casar este ano, em Tiradentes (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Andreza e Marcius formam um casal que cresceu e amadureceu junto. “Começamos a namorar muito novos e não conseguimos ficar longe um do outro. Desde o pedido de namoro sabíamos que seria para sempre”, revela Andreza, que se casa com seu primeiro namorado em 21 de setembro, em Tiradentes, na Matriz de Santo Antônio. “Eu me formei e em seguida ele. No dia da sua colação fomos para um bar com a família. Na frente de todos, pediu minha mão em casamento aos meus pais. Ele conseguiu colocar a nossa música A mais bonita das noites, se ajoelhou e pôs o anel no meu dedo. O Marcius, além de tantos outros aprendizados, me ensinou a ser feliz. Sempre me mostra o lado bom de tudo e quer sempre me arrancar um sorriso. Nunca deixou de me proteger e sei que sempre vamos estar um do lado do outro, porque passamos a amar até os defeitos um do outro.”

AFINIDADES

O amor é um sentimento, apesar de universal, complexo e com vários viéses. A psicanalista Inez Lemos enfatiza que, ao pensar no amor à primeira vista, é fundamental levar em conta que “o amor cantado hoje tem uma dimensão de mistério que não para dá para explicar. Nesse campo, há várias abordagens”. Ela ressalta que o mistério não é milagre, mas algo que não se explica. E ensina que, na psicanálise, para Lacan, o amor é interpretado como “pequenos objetos do desejo”.

Assim, Inez Lemos ensina que quando uma criança se identifica com os pais é questão de afinidades. Ou seja, “o menino, ao se identificar com a mãe, tem uma primeira presença feminina marcante e vai procurar traços dessa mulher. Não a fisionomia, mas a sonoridade da voz, gestos, olhar, o jeito de mexer no cabelo”. O mesmo ocorre com a menina que se reconhece no pai, ainda que essas identificações também possam ser contrárias.

No entanto, Inez lembra que “ao ver uma mulher à primeira vista, o homem é fisgado pelo olhar”. E vice-versa. Mas a psicanalista ressalta que acredita “na sedução à primeira vista, o que não é amor”. Para ela, ocorre antes de mais nada a atração, que chama a atenção para uma aproximação. “E com a convivência, esse primeiro encontro pode se transformar em amor. A sedução pode virar amor.”

Mas a psicanalista destaca que há sempre algo “de mistério e mágico por trás do amor. A explicação está nos traços que geram sedução. Mas o amor mesmo se deve a um contrato de compromisso, que, no caso do casamento, conforme Reich, é ‘uma relação sexual duradoura’”. Para a psicanalista, é a afinidade em torno de projetos em comum que leva à confirmação do amor, já que todo casal precisa ter projetos, admirar um ao outro, ter postura ética, cuidado no trato com o outro, na forma de conduzir a vida e o respeito. “É a conquista por esforço.”

À primeira vista ou não, o certo é que Inez Lemos não livra o amor contemporâneo de duras críticas. Para ela, o grande equívoco está na forma como a sociedade de consumo o vive e a maneira que a mídia o revela. “O amor passou a ser oferecido como mercadoria, espetáculo, moeda de troca. Acho isso o fim do mundo. Casar nunca foi tão caro. Isso não é amor. Amor é uma proposta de convivência, de querer dividir juntos o pão do dia a dia.”

Editora Galera/Divulgação
(foto: Editora Galera/Divulgação)
Um plano cósmico


Para o The New York Times Book Review, o livro "A probabilidade estatística do amor à primeira vista", de Jennifer E. Smith, Editora Galera Record, é um “doce lembrete do poder do destino”. A autora conta em 24 horas a história do encontro inusitado entre Hadley e Oliver. Presa no aeroporto de Nova York, esperando um voo para Londres depois de perder o seu, Hadley conhece Oliver, um britânico gato que a ajuda com a mala. Destino ou sorte, eles ainda cruzam o Atlântico sentados lado a lado. O encantamento é mútuo. Mas ao chegar em solo inglês, cada um segue seu rumo e sequer trocam telefones. O fim dessa história, só lendo o livro, que, aliás, conquistou o prêmio de melhor ficção YA pelo Goodreads Choice Awards em 2012, já foi traduzido para mais de 30 países (chega agora ao Brasil) e está sendo adaptado para o cinema pelo roteirista Dustin Lance Black, vencedor do Oscar de 2008 pelo roteiro original de Milk, estrelado por Sean Penn.

PALAVRA DE ESPECIALISTA » Amor é construção

Guilherme Massara Rocha - psicanalista e professor de psicologia da UFMG

“Muitas pessoas apostam todas as fichas no amor à primeira vista e outras não. Acho que à primeira vista existe o encantamento, o interesse e a admiração. Amor é construção. Num primeiro encontro há aproximação, em que muitos pontos em comum podem ocorrer. Acredito em laços à primeira vista, e o amor vai fazer parte. O mais importante é que o primeiro momento é muito pleno, é a paixão, o momento em que não falta nada. Mas o amor é colocado à prova pela falta. Quando o casal fica junto e depara com o que a vida pode oferecer. Quando surgem as diferenças, fundamentais no relacionamento. Tem ainda a variável sociológica nesse tema. Há encontros diferenciados, determinados por uma época, que pode ser histórico e moldado pelo que a cultura de um período esperava. Hoje, essa realização é menor e bem mais complexa. Portanto, acredito que amor à primeira vista é encantamento, um momento de plenitude. Mas o amor depende das diferenças, que só vêm com a construção.”