Sessenta e três voluntários participaram do estudo e foram divididos em dois grupos. O experimental, que recebeu a infusão com óleo de peixe, tinha 31 pessoas. O de controle, com 32, foi tratado com emulsão normalmente aplicada depois da retirada de tumores. Os pesquisadores notaram, no primeiro grupo, um aumento da substância interleucina IL-6, que é um mediador imunológico relacionado com inflamação, além de maiores níveis da interleucina IL-10, que tem propriedades anti-inflamatórias.
De acordo com a bióloga Raquel Torrinhas, que realizou a pesquisa com o professor e orientador Dan Waitzberg, nutrólogo da USP, as constatações foram positivas ao tratamento. “Esses pacientes apresentaram algumas funções e marcadores de funções de células imunológicas mais preservadas do que aqueles que receberam a emulsão de controle. Os efeitos podem prevenir a imunossupressão, que é a redução da atividade ou da eficiência do sistema imunológico”, explica.
Torrinhas enfatiza que, apesar da melhora, o procedimento não notou alterações clínicas nos pacientes. “O estudo não tinha como objetivo observar resultados clínicos, não percebemos menor frequência de infecções nem diminuição de seu tempo de internação”, esclarece. A médica explica que o óleo de peixe pode servir como um auxiliar na recuperação, uma ferramenta que complemente a recuperação das cirurgias com a redução das substâncias que gerariam inflamações e agravariam a situação do paciente.
Segundo Glauco Leitão, oncologista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma das importâncias do estudo está no fato de focar em uma das apreensões mais frequentes de médicos que tratam pacientes com câncer: a recuperação após as cirurgias de metástase. “O médico faz a redução do tumor ao máximo, mas uma grande preocupação é fazer com que o corpo se encarregue de eliminar os resquícios da doença, a chamada micrometástase. Por isso a necessidade de fazer com que o organismo consiga combater o câncer com as próprias armas”, avalia.
Próximos passos
O óleo de peixe foi escolhido para a pesquisa pelo fato de a substância ser rica em gorduras da família ômega-3. “Esses ácidos graxos podem se incorporar a membranas de células ligadas à imunidade e influenciar a resposta imunológica, com potencial efeito anti-inflamatório”, justifica Torrinhas. A substância usada na pesquisa, no entanto, teve a composição modificada. Ela foi dissolvida e virou uma emulsão mais líquida para que pudesse ser aplicada por meio de injeção intravenosa. “Essa emulsão de óleo de peixe que utilizamos é comercializada como suplemento nutricional. No entanto, nós a utilizamos como se fosse um medicamento injetável, independente da indicação de terapia nutricional”, exemplifica.
Torrinhas pretende dar continuidade ao trabalho de uso do óleo de peixe na recuperação do organismo humano. Uma das possibilidades é direcionar a aplicação para pacientes mais velhos. “É possível que venhamos a repetir o estudo em um número maior de indivíduos, com foco em pacientes idosos, que apresentaram uma tendência de se beneficiar mais com o tratamento”, detalha.
De acordo com o chefe de Oncologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Cortês, a pesquisa precisa ser mais aprofundada, apesar de ter mostrado resultados positivos do uso da substância. “Acredito que, no futuro, um experimento feito com mais pacientes permita conclusões maiores. Muitos produtos compostos de lipídios têm sido aperfeiçoados para serem utilizados em benefícios do organismo humano. Mas, ao avançarmos na área de cirurgia do câncer, precisamos de estudos maiores e mais detalhados”, declara.
Estudos com a intenção de descobrir medicamentos que alterem o perfil imunológico do paciente com câncer, condição de vital importância para a recuperação dele, têm crescido fora do país nos últimos cinco anos. Por isso, avalia Glauco Leitão, oncologista da UFPE, o estudo da USP, um dos pioneiros no Brasil, pode abrir espaço para que essa busca ganhe força nos centros nacionais de pesquisa. O uso de suplementos alimentícios é uma linha a ser explorada. “Recentemente, vi pesquisas que tratavam da linhaça e da quinoa, grãos que são fontes importantes de nutrientes para o corpo humano. Muitos estudos podem surgir nessa área, mas creio que esses alimentos possam agir mais como uma prevenção a doenças”, avalia Leitão.
Ingestão diária protege a pele
Outra pesquisa feita com óleo de peixe sugere possíveis aplicações no combate a tumores malignos. Cientistas da Universidade de Manchester, no Reino Unido, descobriram que, quando ingerida regularmente, a substância rica em ácidos graxos ômega 3 aumenta a imunidade da pele, protegendo-a da luz solar e do câncer.
O estudo, publicado no American Journal of Clinical Nutrition, foi coordenada pela dermatologista Lesley Rhodes. Ela e sua equipe testaram a substância em 79 voluntários saudáveis. Parte deles consumiu o suplemento regularmente — eles ingeriram 4g de ômega 3 diariamente e foram expostos a oito, 15 ou 30 minutos aos raios solares simulados por uma máquina e equivalentes ao sol do meio-dia de verão. O outro grupo tomou placebo antes de ser exposto à luz artificial.
Os dados coletados indicam que os voluntários que ingeriram o ômega 3 tiveram redução de 50% da supressão do sistema imune pela luz solar, conhecida como imunossupressão, que afeta a capacidade do corpo de lutar contra os tumores malignos e as infecções da pele. Os pesquisadores responsáveis pela descoberta frisam que os resultados alcançados são importantes na batalha contra o câncer, já que há uma preocupação com o uso incorreto dos filtros solares, mas também destacam que o óleo de peixe não é um substituto para a proteção solar e física. A indicação é de que ele seja considerado uma medida complementar de prevenção ao câncer de pele.