Os efeitos do artigo da atriz norte-americana Angelina Jolie no qual ela revelou ter retirado os seios para evitar um câncer continuam se propagando entre as mulheres. Nessas duas semanas que se sucederam ao anúncio, consultórios médicos de Belo Horizonte registraram um aumento significativo na busca por informações. Médicos relatam que as chamadas telefônicas não paravam e tinham assunto unânime: pacientes e familiares preocupados em saber se deveriam proceder como a celebridade de Hollywood. Quem já tinha consulta marcada nesse período também não desperdiçou a oportunidade de fazer a pergunta pessoalmente e esclarecer as circunstâncias da cirurgia. Em razão dessa preocupação generalizada, oncologistas e mastologistas reiteram que a mastectomia preventiva é indicada em casos raros e a cirurgia só deve ser feita depois de um longo e cuidadoso acompanhamento.
O oncologista e diretor clínico da Oncomed, Leandro Alves Gomes Ramos, diz que o efeito no hospital onde atua foi automático. Mulheres em tratamento e parentes sem a doença queriam saber se precisavam retirar as mamas ou os ovários. “Isso mexeu muito com todo mundo. No dia em que a notícia saiu, recebi pelo menos 10 ligações de pacientes perguntando se haveria impacto no que estava programado para elas. Depois, de 10 a 15 chamadas diárias de parentes”, conta. Para todas ele dá a mesma resposta: “Explico que esses casos envolvem uma mutação genética, ocorrendo raramente em pessoas que têm na família várias mulheres com câncer. Se não há mutação, não há necessidade da mastectomia ou da ooforectomia (retirada dos ovários) preventiva”.
A mutação à qual Leandro Ramos se refere é a dos genes BRCA-1 e 2. Eles são responsáveis pela autorreparação do DNA das células, quando sofrem agressões por toxina ou má alimentação. Quando ocorre alguma transformação, o DNA perde a capacidade de se reparar e se predispõe ao tumor. O exame que detecta o problema é pedido mediante a suspeita de síndrome genética – outro fator para a intervenção preventiva. A síndrome ocorre quando na família há muitos casos de câncer de mama (feminino ou masculino), ovário, próstata e pâncreas e, principalmente, se eles acometem pacientes com menos de 50 anos de idade. Outro fator que leva à cirurgia para a retirada dos seios ou dos ovários é a chamada bilateralidade, quando a paciente tem a doença nas duas mamas ou nos dois ovários. Diante desse quadro, os médicos afirmam que a mulher tem 80% de risco de ter, em algum momento da vida, câncer de mama e 50% o tumor no ovário.
De acordo com o Ministério da Saúde, o câncer de mama é o tipo de tumor mais frequente entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos. Mas os cânceres de mama hereditários (quando uma ou mais parentes de primeiro grau, como mães e irmãs têm a enfermidade) acometem apenas 10% desse total – cerca de 5 mil pacientes por ano no Brasil.
Angelina Jolie, portadora da mutação, anunciou ainda que fará a retirada dos ovários. O diretor da Oncomed ressalta que, ao contrário da mama, não se consegue fazer cedo o diagnóstico desse tipo de tumor, com 80% dos casos detectados em estágio avançado da doença. “Os ovários ficam dentro da cavidade abdominal e têm muito espaço para crescer até aparecerem os primeiros sintomas, que são muito inespecíficos”, afirma. Sobre a atriz, ele opina: “Diante da mutação, pelo risco grande, é polêmico, mas tem que se concordar que ela tomou a atitude correta. E a opção de fazer as duas cirurgias, do ponto de vista técnico, tem fundamento”.
O presidente da Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Mastologia, João Henrique Penna Reis, também notou uma curiosidade extra no consultório. “ A principal mensagem é que a indicação do teste é para um número pequeno de pessoas”, ressalta. Se detectadas características que sugiram a presença da mutação numa determinada família, começa-se um processo que envolve consulta, aconselhamento genético e psicológico. “A pessoa tem que estar preparada para o que fazer com o resultado do exame. E, sendo positivo, conversamos sobre a cirurgia”, explica. O exame consiste no sequenciamento genético de um membro da família que teve a doença e da análise do gen do paciente suspeito. O procedimento não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e custa em média R$ 8.000.
DECISÃO DIFÍCIL
A relações-públicas Rúbia Quintão Fernandes Moura, de 49 anos, descobriu um câncer na mama esquerda em novembro e, um mês depois, retirou o seio. Ela conta que nunca tinha ido a um mastologista, mas, havia 10 anos, fazia mamografias e ultrassonografias anuais, por indicação da ginecologista. Sua vida começou a mudar quando percebeu na auréola um caroço do tamanho de um grão de arroz. Ela procurou o especialista e, diante da opção de uma retirada parcial do seio, com chance de ter a doença de volta, e da mastectomia radical, que inviabiliza o câncer naquela área afetada, ela optou por eliminar as chances de reviver, na mama esquerda, o pesadelo.
Quando soube do que ocorreu à atriz norte-americana, Rúbia, que ainda faz quimioterapia e se prepara para a radioterapia, pensou que se tivesse tido o poder de escolha de retirar as duas mamas, teria feito o mesmo. “Depois da reportagem, despertei a vontade de fazer igual. Não foi um bicho de sete cabeças e a única coisa que eu queria era ficar curada”, diz. Mas ela tem plena consciência das circunstâncias. “É claro que os médicos não vão sair fazendo isso. Que bom que ela (Angelina) conseguiu se prevenir da doença. É uma mulher que tem condições, pois o exame é caro, mas não é o caso de todas seguirem o exemplo”, afirma. “A palavra final é do médico. A situação da atriz criou uma polêmica mundial, com muitas discussões, que servem para alertar quem tem histórico familiar a procurar um especialista. Essa é a parte sensata, e, se tiver dúvida, procure um segundo.”
CÂNCER DE MAMA:
Detecção precoce
Embora a hereditariedade seja responsável por apenas 10% do total de casos, mulheres com história familiar de câncer de mama, especialmente se uma ou mais parentes de primeiro grau (mãe ou irmãs) foram acometidas antes dos 50 anos, apresentam maior risco de desenvolver a doença.
Esse grupo deve ser acompanhado por médico a partir dos 35 anos. É o profissional de saúde quem vai decidir quais exames a paciente deverá fazer. Primeira menstruação precoce, menopausa tardia (após os 50 anos), primeira gravidez depois dos 30 anos e não ter tidofilhos também constituem fatores de risco para o câncer de mama.
Mulheres que se encaixem nesses perfis também devem buscar orientação médica.
As formas mais eficazes para a detecção precoce do câncer de mama são o exame clínico e a mamografia.
Exame Clínico das Mamas (ECM)
Quando realizado por um médico ou enfermeira treinados, pode detectar tumor de até um centímetro, se superficial. Deve ser feito uma vez por ano pelas mulheres a partir de 40 anos.
Mamografia
A mamografia (radiografia da mama) permite a detecção precoce do câncer, ao mostrar lesões em fase inicial, muito pequenas (medindo milímetros). Deve ser feita a cada dois anos por mulheres entre 50 e 69 anos, ou segundo recomendação médica.
O exame é realizado em um aparelho de raio X apropriado, chamado mamógrafo. Nele, a mama é comprimida de forma a fornecer melhores imagens, e, portanto, maior capacidade de diagnóstico. O desconforto provocado é suportável.
Lei 11.664, de 2008
Ao estabelecer que todas as mulheres têm direito à mamografia a partir dos 40 anos, a Lei 11.664/2008, que entrou em vigor em 29 de abril de 2009, reafirma o que já é estabelecido pelos princípios do Sistema Único de Saúde. Embora tenha suscitado interpretações divergentes, o texto não altera as recomendações de faixa etária para rastreamento de mulheres saudáveis: dos 50 aos 69 anos.
SINTOMAS
Podem surgir alterações na pele que recobre a mama, como abaulamentos ou retrações, inclusive no mamilo, ou aspecto semelhante a casca de laranja. Secreção no mamilo também é um sinal de alerta. O sintoma palpável do câncer é o nódulo (caroço) no seio, acompanhado ou não de dor mamária. Podem também surgir nódulos palpáveis na axila.
PREVENÇÃO
Evitar a obesidade, por meio de dieta equilibrada e prática regular de exercícios físicos, é uma recomendação básica para prevenir o câncer de mama, já que o excesso de peso aumenta o risco de desenvolver a doença. A ingestão de álcool, mesmo em quantidade moderada, é contraindicada, pois é fator de risco para esse tipo de tumor, assim como a exposição a radiações ionizantes em idade inferior aos 35 anos.
Ainda não há certeza da associação do uso de pílulas anticoncepcionais com o aumento do risco para o câncer de mama. Podem estar mais predispostas a ter a doença mulheres que usaram contraceptivos orais de dosagens elevadas de estrogênio, que fizeram uso da medicação por longo período e as que usaram anticoncepcional em idade precoce, antes da primeira gravidez.
A prevenção primária dessa neoplasia ainda não é totalmente possível devido à variação dos fatores de
risco e as características genéticas que estão envolvidas
na sua etiologia.
AUTO EXAME DAS MAMAS
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) não estimula o autoexame das mamas como método isolado de detecção precoce do câncer de mama. A recomendação é que o exame das mamas pela própria mulher faça parte das ações de educação para a saúde que contemplem o conhecimento do próprio corpo.
Evidências científicas sugerem que o autoexame não é eficiente para a detecção precoce e não contribui para a redução da mortalidade por câncer de mama. Além disso, traz consequências negativas, como aumento do número de biópsias de lesões benignas, falsa sensação de segurança nos exames falsamente negativos e impacto psicológico negativo nos exames falsamente positivos.
Portanto, o exame das mamas feito pela própria mulher não substitui o exame físico feito por profissional de saúde (médico ou enfermeiro) qualificado para essa atividade.