Para se proteger do câncer, a atriz Angelina Jolie se submeteu à retirada dos dois seios e não descarta extrair também os ovários. A segunda cirurgia, chamada ooforectmia, reduz a quase zero as chances de surgimento de tumores malignos no órgão, dizem especialistas. Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, o procedimento é pouco realizado no Brasil como forma preventiva. Mas deve passar a ser assunto mais recorrente nos consultórios daqui depois que Jolie decidiu tornar público seu drama familiar.
A ooforectmia é indicada apenas para pacientes com mutações nos genes breast cancer 1 ou 2 (BRCA 1 e 2), ligados à ocorrência do câncer de mama e de ovário. De acordo com Hugo Miyahira, vice-presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro, esses genes organizam e limitam o crescimento das células dos seios e do ovário, que têm um ciclo de vida pré-programado no organismo. Pessoas propensas a sofrerem mutações nesses genes, como Angelina Jolie – no caso dela, o problema está no BRCA1 – têm, de forma geral, 87% de chances de desenvolver câncer de mama e 50% de câncer nos ovários. Eles são supressores de tumores. Quando há a deformação, a replicação descontrolada das células não é coibida.
Chefe do Núcleo de Assistência de Detecção Precoce do Câncer da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Farid Buitrago explica que a cirurgia de retirada dos ovários pode ter um corte muito parecido com a cesariana ou ser realizada a partir de pequenas incisões no umbigo e na lateral do abdômen da paciente. "Isolamos os ovários, amarramos as artérias e retiramos. A mulher vai parar de produzir hormônios e entrar imediatamente no climatério. Ela precisará fazer reposição hormonal, além de tomar sol e vitaminas. Depois de um mês estará bem, ou até em menos tempo", explica.
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Martha Mesquita, oncologista do Grupo Acreditar – especializado no tratamento contra o câncer em Brasília –, ressalta que há tratamentos hormonais, com medicamentos de via oral, para pacientes que não têm anomalias no gene BRCA 1 e 2, mas têm maior risco de desenvolver câncer de ovário, como as pessoas como carcinomas – esse tipo de câncer de pele em alguns casos pode desencadear também tumores nos ovários. "Só em último caso retiramos órgãos ainda normais, e, mesmo assim, ainda há controvérsia. A grande dificuldade está na pesquisa genética e na dificuldade de identificar essa tendência genética. É preciso medir todas as consequências e ter certeza do diagnóstico para seguir com a cirurgia, que já mostrou ser um tratamento benéfico e eficaz contra essa predisposição hereditária", avalia a oncologista.
Segundo Miyahira, os passos para identificar possíveis anomalias na identidade genética devem ser dados com cautela. "Para isso, é preciso fazer um estudo genético cuidadoso, além de uma minuciosa investigação no histórico familiar. É preciso ter critério ético e bioético para não deixar a população neurótica, pois a cirurgia preventiva não é para todo mundo", argumenta o médico. Ele indica a mamografia e os exames periódicos como ferramenta eficazes para a prevenção de câncer em pessoas que não têm carga genética propensa a anomalias.
IMPACTO GRANDE
Além das ponderações genéticas, médico e paciente precisam levar em conta as consequências acarretadas pela retirada dos ovários. Segundo Maria de Fátima Brito Vogt, chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB), o impacto da cirurgia é grande, pois significa "uma castração" da paciente . Perder o órgão produtor dos hormônios femininos leva imediatamente ao início da menopausa e traz sintomas como ondas de calor, ressecamento da vagina, mau humor, osteosporose e até outros tipos de câncer, como o de intestino.
A reposição hormonal e a adoção de hábitos de vida mais saudáveis, como cuidados maiores com a alimentação e a prática de exercícios físicos, são praticamente obrigatórios após o procedimento. "É uma espécie de mutilação, mas o caráter genético dessa mutação atinge um percentual pequeno de mulheres. Quando o teste for realizado e a presença da mutação constatada, é preciso oferecer a paciente a possibilidade de realizar a cirurgia profilática", alerta Vogt.
Farid Buitrago, chefe do Núcleo de Assistência de Detecção Precoce do Câncer da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, explica que, embora o SUS não forneça o exame genético, a rede pública de saúde atende pacientes que chegam com o resultado positivo para as mutações no BRCA1 e 2, que nunca ocorrem simultaneamente. "Elas passam por avaliação profissional e faz a cirurgia. Vale lembrar que, apesar do diagnóstico, há chance de não desenvolver a doença."
INFLUÊNCIA EXTERNA
A mutação do BRCA1 e 2 pode ser desencadeada por fatores externos, como a infecção pelo vírus HPV ou a exposição a radiação, como ocorreu em Hiroshima e Nagasaki durante o bombardeio americano em 1945. "Essa predisposição genética é muito rara e alcança cerca de 5% da população. Não podemos considerar pessoas acima de 50 anos que tiveram câncer nesses órgãos como uma referência familiar porque, à medida que o organismo envelhece, perde a capacidade de reparação. Os casos de muitos familiares próximos desenvolvendo câncer de mama ainda jovens, no entanto, deve ser observado com atenção", diz Miyahira.
Vogt alerta que 85% dos casos de câncer de mama não são causadas pela mutação. "Quando as pessoas têm esse perfil de doença na família, os médicos indicam que a paciente faça o teste. No caso de diagnóstico positivo, é preciso pesar muitas coisas antes de optar pela cirurgia. Se ela ainda quiser ter filhos e amamentar, então, o procedimento não é recomendado."