Quase 10 anos depois de um dos maiores vexames da história da ciência – o falso anúncio do sul-coreano Hwang Woo-souk sobre obtenção de células-tronco a partir de embriões clonados –, uma equipe de pesquisadores americanos conseguiu alcançar o feito. Em um artigo publicado na revista Cell, geneticistas da Universidade de Saúde e Ciência e do Centro Nacional de Primatas de Oregon, nos Estados Unidos, anunciaram o sucesso de uma técnica que usa células da pele em um óvulo não fecundado e sem informação genética para constituir um embrião. O método é semelhante ao que resultou na ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado da história.
O objetivo dos cientistas, contudo, não é fabricar humanos idênticos. Na realidade, eles nem pensam em implantar o material em um útero, até porque o embrião não passou de seis dias. Além disso, seria necessário desenvolver outras técnicas para fazê-lo se desenvolver até chegar a ser um feto. A ideia do estudo é contribuir para a medicina regenerativa, produzindo células-tronco do próprio paciente, capazes de se converter em qualquer tipo de tecido. “Assim como células-tronco embrionárias normais, as derivadas dessa técnica demonstraram habilidade de se transformar em diversas células, incluindo nervosas, do fígado e do coração”, disse, em nota, Shoukhrat Mitalipov, principal autor do estudo.
Para extrair as células-tronco, os cientistas inseriram os fibroblastos na membrana de um óvulo doado, cujo DNA havia sido retirado previamente. Uma reação química estimulada pelos pesquisadores permitiu a fusão dos dois tipos de célula. No quarto dia, o embrião, na fase de blastocisto, foi destruído, e suas células-tronco, isoladas. Cultivadas, transformaram-se, com sucesso, em estruturas especializadas, formadoras de diferentes tipos de tecido. Mitalipov afirmou que a técnica ainda precisa ser aprimorada, mas que, no futuro, poderia ser usada para o autotransplante de órgãos e contra doenças como Parkinson, esclerose múltipla e problemas cardíacos.
Polêmica
Os cientistas que participaram do estudo ressaltam que não há motivo para polêmica e afirmam que o embrião obtido pela técnica nem sequer teria condições de chegar a uma fase de desenvolvimento mais avançada. Eles compararam o blastocisto resultante da pesquisa a um gerado naturalmente e verificaram que o primeiro é muito mais frágil. De acordo com Mitalipov, que em 2007 também gerou embriões a partir de células somáticas (não reprodutivas) em macacos, “essa mesma técnica não seria bem-sucedida na produção de clones humanos”. Nos estudos que ele fez com os primatas, os embriões jamais conseguiram sair desse estágio. Além disso, pesquisas de clonagem animal têm demonstrado que, quando não são abortados, os clones nascem repletos de defeito.
Considerado um dos maiores especialistas mundiais em células-tronco, o brasileiro Stevens Rehen, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, acha extremamente improvável que algum cientista tente utilizar o método para obter humanos idênticos. “A clonagem humana já começaria com uma limitação: a necessidade de óvulos doados, o que não é uma coisa trivial, independentemente da questão ética”, afirma. “Para que um embrião seja viável, são necessárias centenas de condições. Então, a chance (de a técnica gerar clones) é mínima”, garante. Para ele, o grande mérito da equipe de Mitalipov foi a perseverança. Se em 2004 a ciência sofreu um golpe diante da opinião pública devido à mentira contada por Hwang Woo-souk, publicada também na revista Cell, o novo anúncio “tira o mal-estar criado pelo sul-coreano”.
“A clonagem reprodutiva humana seria a produção de um indivíduo que é exatamente a cópia genética do doador. Já a terapêutica, que busca embriões para tratar doenças, refere-se ao processo no qual as células são desenvolvidas in vitro, no laboratório, e não no útero de uma mulher”, observa Kirstin Matthews, especialista em formulação de políticas públicas na área de ciência e tecnologia do Instituto James A. Baker, da Universidade de Rice. Com o médico Neil Lane, ela produziu, em dezembro de 2008, um documento contendo recomendações sobre pesquisas com células-tronco embrionárias endereçado ao presidente dos EUA, Barack Obama.
Aplicação
Apesar do ineditismo do trabalho de Shoukhrat Mitalipov, o chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias pondera que laboratórios do mundo inteiro, incluindo o que o brasileiro comanda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conseguem produzir células-tronco que também se especializam em qualquer tipo de tecido, mas sem precisar de um embrião. Com reprogramação genética, eles usam células adultas e fazem com que voltem ao estágio indiferenciado. São as chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), desenvolvidas pelos cientistas John B. Gurdon e Shinya Yamanaka em 2007. A descoberta rendeu a eles o Prêmio Nobel de Medicina no ano passado. “Com a técnica do Yamanaka, eu gero células-tronco a partir de um pedaço de pele ou até mesmo da urina. É mais simples e tem se mostrado extremamente útil para estudar diversas doenças”, afirma Rehen.
Um dos 10 brasileiros que integraram o Projeto Genoma Humano, consórcio mundial que sequenciou o DNA do homem, o geneticista Salmo Raskin concorda que a reprogramação celular tem obtido resultados excelentes e também não vê novidades expressivas para uma aplicação prática do trabalho de Mitalipov, em comparação ao que já é feito com as iPS. “Hoje, todos os estudos são muito preliminares e só no dia em que se disser que as iPS são a mesma coisa que as embrionárias é que essas pesquisas devem ser encerradas”, opina.
O objetivo dos cientistas, contudo, não é fabricar humanos idênticos. Na realidade, eles nem pensam em implantar o material em um útero, até porque o embrião não passou de seis dias. Além disso, seria necessário desenvolver outras técnicas para fazê-lo se desenvolver até chegar a ser um feto. A ideia do estudo é contribuir para a medicina regenerativa, produzindo células-tronco do próprio paciente, capazes de se converter em qualquer tipo de tecido. “Assim como células-tronco embrionárias normais, as derivadas dessa técnica demonstraram habilidade de se transformar em diversas células, incluindo nervosas, do fígado e do coração”, disse, em nota, Shoukhrat Mitalipov, principal autor do estudo.
Para extrair as células-tronco, os cientistas inseriram os fibroblastos na membrana de um óvulo doado, cujo DNA havia sido retirado previamente. Uma reação química estimulada pelos pesquisadores permitiu a fusão dos dois tipos de célula. No quarto dia, o embrião, na fase de blastocisto, foi destruído, e suas células-tronco, isoladas. Cultivadas, transformaram-se, com sucesso, em estruturas especializadas, formadoras de diferentes tipos de tecido. Mitalipov afirmou que a técnica ainda precisa ser aprimorada, mas que, no futuro, poderia ser usada para o autotransplante de órgãos e contra doenças como Parkinson, esclerose múltipla e problemas cardíacos.
Polêmica
Os cientistas que participaram do estudo ressaltam que não há motivo para polêmica e afirmam que o embrião obtido pela técnica nem sequer teria condições de chegar a uma fase de desenvolvimento mais avançada. Eles compararam o blastocisto resultante da pesquisa a um gerado naturalmente e verificaram que o primeiro é muito mais frágil. De acordo com Mitalipov, que em 2007 também gerou embriões a partir de células somáticas (não reprodutivas) em macacos, “essa mesma técnica não seria bem-sucedida na produção de clones humanos”. Nos estudos que ele fez com os primatas, os embriões jamais conseguiram sair desse estágio. Além disso, pesquisas de clonagem animal têm demonstrado que, quando não são abortados, os clones nascem repletos de defeito.
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“A clonagem reprodutiva humana seria a produção de um indivíduo que é exatamente a cópia genética do doador. Já a terapêutica, que busca embriões para tratar doenças, refere-se ao processo no qual as células são desenvolvidas in vitro, no laboratório, e não no útero de uma mulher”, observa Kirstin Matthews, especialista em formulação de políticas públicas na área de ciência e tecnologia do Instituto James A. Baker, da Universidade de Rice. Com o médico Neil Lane, ela produziu, em dezembro de 2008, um documento contendo recomendações sobre pesquisas com células-tronco embrionárias endereçado ao presidente dos EUA, Barack Obama.
Aplicação
Apesar do ineditismo do trabalho de Shoukhrat Mitalipov, o chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias pondera que laboratórios do mundo inteiro, incluindo o que o brasileiro comanda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conseguem produzir células-tronco que também se especializam em qualquer tipo de tecido, mas sem precisar de um embrião. Com reprogramação genética, eles usam células adultas e fazem com que voltem ao estágio indiferenciado. São as chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), desenvolvidas pelos cientistas John B. Gurdon e Shinya Yamanaka em 2007. A descoberta rendeu a eles o Prêmio Nobel de Medicina no ano passado. “Com a técnica do Yamanaka, eu gero células-tronco a partir de um pedaço de pele ou até mesmo da urina. É mais simples e tem se mostrado extremamente útil para estudar diversas doenças”, afirma Rehen.
Um dos 10 brasileiros que integraram o Projeto Genoma Humano, consórcio mundial que sequenciou o DNA do homem, o geneticista Salmo Raskin concorda que a reprogramação celular tem obtido resultados excelentes e também não vê novidades expressivas para uma aplicação prática do trabalho de Mitalipov, em comparação ao que já é feito com as iPS. “Hoje, todos os estudos são muito preliminares e só no dia em que se disser que as iPS são a mesma coisa que as embrionárias é que essas pesquisas devem ser encerradas”, opina.