Saúde

Pesquisa comprova que o H7N9 vem das aves

Cientistas descobriram que o vírus presente em três pessoas com gripe aviária tinha o mesmo genoma do micro-organismo detectado em galinhas infectadas. O estudo pode ajudar no desenvolvimento de vacinas

Paloma Oliveto

Antes, eles ficavam restritos aos galinheiros e à vida selvagem. Extremamente contagiosos entre animais, os vírus tipo A da influenza começaram a mutar geneticamente e infeccionar humanos também. Neste ano, a gripe aviária voltou a assustar o mundo, principalmente depois de pesquisas evidenciarem que o micro-organismo H5N1, responsável por surtos na Ásia e na Europa Oriental desde 1998, pode ser transmitido de pessoa para pessoa. A nova cepa identificada faz parte de outro subtipo, o H7N9, e, embora não existam indícios de que um paciente contaminado passe o agente patógeno adiante, em dois meses e meio, houve 131 casos confirmados e 34 óbitos apenas em território chinês.


Uma pesquisa publicada hoje na revista Science China, da Academia Chinesa de Ciência, detectou a fonte de contaminação de três pacientes da província de Zhejiang, a mais afetada até agora, com 46 infecções e seis mortes. Conhecer a espécie transmissora do H7N9 é uma das prioridades estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pois essa informação garante estratégias de prevenção e pesquisas aprofundadas sobre o agente patógeno. Ao sequenciar o vírus instalado no organismo das pessoas infectadas e compará-lo ao DNA retirado de amostras de fezes e de secreções das aves de mercados locais, os cientistas constataram que eles eram idênticos.

O primeiro paciente, de 38 anos, era um cozinheiro que visitou um mercado de aves poucos dias antes de os sintomas — tosse, febre alta, falta de ar e catarro — surgirem. O segundo, 67, também foi a uma feira livre na semana anterior à que ficou doente e comprou duas codornas vivas, que foram abatidas no local. Apenas o terceiro homem, 79, não tinha histórico de exposição a aves nos 15 dias anteriores ao surgimento dos sinais da infecção. No hospital, as secreções expelidas pelos três foram coletadas e enviadas ao Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças. Vinte e quatro horas depois da admissão dos pacientes, foi confirmado que eles estavam contaminados pelo H7N9. Os cientistas foram atrás dos locais que eles haviam frequentado recentemente, retiraram amostras e conduziram o sequenciamento do DNA.

“O fato de o genoma dos vírus detectados nas aves ser idêntico ao dos que circulavam no organismo dos pacientes é uma evidência de que a infecção pelo H7N9 está relacionada a um fator ambiental, já que o contágio ocorreu das aves para os indivíduos”, diz Pan JingCao, coautor do artigo e pesquisador do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Hangzhou. Em alguns tipos de gripe aviária, sabe-se como os animais infectados passam o vírus. Se uma pessoa toca um pássaro contaminado ou um ambiente em que ele esteve e, em seguida, coça os olhos, o nariz ou a boca, ela pode ser infectada por meio da mucosa. Também há suspeitas de que o micro-organismo seja transmitido pelo ar: ao bater as asas, a ave lançaria o agente patógeno ao vento e, pela respiração, o homem ficaria contaminado.

Mais adaptado
Segundo Pan, apesar dos fortes indícios, até agora a fonte de infecção do H7N9 não havia sido comprovada. “Assim que o vírus foi detectado em galinhas, patos e pombos, as autoridades chinesas suspenderam o comércio de aves vivas e começaram a financiar pesquisas sobre a origem do contágio”, diz. O médico revela que o DNA do H7N9 estudado por sua equipe já contém a adaptação que permitiu à cepa migrar da ave para o homem. Em uma sequência de aminoácidos, os cientistas detectaram a presença de uma proteína que facilita a entrada de um micro-organismo aviário no organismo humano. “O vírus mudou para se adaptar ao novo hospedeiro”, afirma Pan.

Ele ressalta que são necessários mais estudos para o mecanismo pelo qual o vírus se instala no homem. Pan destaca que, se realmente o segredo estiver na sequência de aminoácidos identificada na pesquisa, teoricamente seria possível manipular a proteína, evitando que o micro-organismo chegasse às células humanas. “É muito importante identificar e caracterizar novos vírus o mais rápido possível porque, só assim, podemos começar a desenvolver métodos de diagnóstico, drogas e vacinas. Isso tem de ser feito antes que eles se espalhem, causando pandemias.”

A rápida evolução genética de vírus é uma grande preocupação de cientistas e da OMS porque, assim como eles são capazes de deixar de se hospedar exclusivamente em animais, em determinado momento, o contágio entre humanos pode ocorrer. Foi o que aconteceu com um novo coronavírus, o NCoV. No domingo, a OMS lançou um alerta, informando que esse agente patógeno, que provoca complicações respiratórias semelhantes à SARS, se adaptou e agora um indivíduo transmite para o outro pelo ar. Mas, diferentemente dos vírus das gripes do tipo A, os vetores não são aves, e sim um mamífero, o morcego. Exemplo semelhante é o H1N1, que causou, em 2009, uma pandemia de influenza que ficou conhecida como gripe suína, por ter origem em porcos. Esse vírus era restrito a animais, mas começou a ser transmitido entre pessoas.

“Vírus da influenza mudam constantemente. Na comunidade científica, o medo é que, sob condições favoráveis, os patógenos das gripes aviárias sofram uma recombinação genética com alguma linhagem humana, adquirindo um enorme potencial de virulência”, observa o virologista Patrick Blair, pesquisador de doenças respiratórias do Centro de Pesquisa de Saúde de San Diego, na Califórnia. Ele faz parte de uma equipe de cientistas que, em 2009, isolou e identificou em um garoto do Camboja o genoma tanto do H1N1 quanto do H3N2, um vírus de gripe sazonal humana. Na realidade, o paciente estava coinfectado, mas Blair não acha impossível que a recombinação ocorra. Ele observa que o H7N9 já mostrou uma característica ainda não encontrada em outros vírus da influenza: a rapidez com a qual se espalhou. Além disso, a junção de cepas diferentes já foi observada em outro patógeno da família da influenza, o H5N1.

Em entrevista à agência Reuters, um dos maiores especialistas em gripe do mundo, Ab Osterhaus, pesquisador do Centro Médico Erasmus, na Holanda, afirmou que as mutações genéticas observadas no H7N9 devem colocar as autoridades em alerta. “O vírus, de certa forma, já se adaptou a espécies mamíferas e a seres humanos. Realmente, temos de ficar de olho nisso”, afirmou. Peter Openshaw, professor do Imperial College London, na Inglaterra, concorda. “Apesar de os casos estarem diminuindo estatisticamente, a doença causada é extremamente grave e devastadora. É estranho ver mais de 100 infecções em um curto de espaço de tempo, com sintomas tão fortes. Algo está errado e toda a comunidade científica precisa se manter vigilante.”

Omissão
Em 2003, a China foi palco do início de uma epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, sigla em inglês), doença grave provocada por um tipo de coronavírus. Em todo o mundo, 8 mil pessoas foram infectadas, com uma taxa de letalidade de quase 10%. O governo chinês demorou três meses para informar a Organização Mundial da Saúde sobre o problema, o que contribuiu para que o micro-organismo se alastrasse. Agora, alguns cientistas temem que o país também omita novas ocorrências de infecção por H7N9.

O risco das mutações
No ano passado, um artigo publicado na revista Science mostrou como as mutações genéticas podem transformar um vírus comum em um agente letal. Pesquisadores do Centro Médico Erasmus, na Holanda, manipularam o H5N1, constatando que variações no genoma fizeram dele um agente de rápida disseminação, com potencial de desencadear uma grave epidemia entre humanos.

O H5N1 é um subtipo da gripe que se manifesta em aves e pode, eventualmente, ser transmitido para humanos. Porém, uma vez infectada, a pessoa não passa o vírus para outra. Isso reduz substancialmente os riscos de uma epidemia. Há 15 anos, os cientistas investigam esse patógeno e descobriram que já existem três variantes circulantes, sendo uma delas a combinação entre as duas primeiras. Essas mutações ainda não são suficientes para tornar o vírus transmissível entre mamíferos, mas o surgimento de novas variações é bastante comum, já que o processo faz parte da seleção natural, na qual a adaptação a outros hospedeiros garante a sobrevivência.

Depois de rever dados de pandemias de gripe registradas em 1918, 1957 e 1968, o grupo liderado pelo virologista Ron Fouchier descobriu que, em cada uma delas, houve mudanças genéticas nos genes hemaglutina e polimerase, cruciais para a replicação eficiente dos vírus em humanos e outros mamíferos. Os cientistas, então, inseriram essas variantes no H5N1 e infectaram furões. Animais doentes e saudáveis foram colocados em gaiolas próximas para verificar se, por partículas aéreas, a doença poderia ser passada adiante. Foi o que aconteceu. Os pesquisadores destacaram que a gripe aviária transmitida aos furões não se mostrou letal e eles conseguiram se recuperar. Não há como prever, porém, se o mesmo ocorreria entre humanos. Nos casos de pessoas infectadas por aves, a taxa de mortalidade associada ao vírus é alta: 60%.