Mineira conta experiência da cirurgia de retirada das duas mamas

Declaração de estrela de Hollywood, que anunciou ter removido os seios para se prevenir do câncer, desperta dúvidas entre mulheres de todo o mundo. Cirurgia tem indicação restrita e exige exame não coberto pelo SUS

por Junia Oliveira 15/05/2013 08:22

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Leandro Couri/EM/DA Press
Silvana Hamade, empresária que fez a cirurgia há oito meses: "Eu pude escolher o jeito que queria, a hora que quisesse. Tive todas as opções, o que, quando você está com câncer, não tem. Você começa a correr atrás do tempo. E eu queria ter o tempo para mim" (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Uma decisão drástica tomada por uma das artistas mais bem pagas e admiradas de Hollywood fez ontem mulheres do mundo inteiro voltarem os olhos para o próprio corpo, com um sentimento misto de surpresa, curiosidade e preocupação. Apesar de ter atraído a atenção de meios de comunicação de todo o planeta, a cirurgia de remoção total dos seios como medida de prevenção ao câncer de mama, anunciada pela atriz Angelina Jolie, está longe de ser modismo de uma estrela de cinema, nada tem de estética, muito menos pode ser feita à revelia. O procedimento é indicado em casos específicos, para uma parcela rara de mulheres com chance altíssima de incidência de tumor, de caráter hereditário, em decorrência de uma mutação genética. Mesmo entre as pacientes que se encaixam nesse grupo de risco, nem todas têm acesso à opção de Angelina: no Brasil, é preciso ter plano de saúde ou recursos para bancar o diagnóstico, uma vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) só cobre mastectomia depois de identificada a doença e não contempla um dos principais exames para detecção do problema, que custa em média R$ 8 mil.

E os médicos alertam: não é qualquer caso de câncer na família que leva à indicação de retirada das mamas. De acordo com o Ministério da Saúde, esse é o segundo tipo de tumor mais frequente entre as mulheres, respondendo por 22% dos novos casos. Mas o câncer de mama hereditário (quando uma ou mais parentes de primeiro grau, como mães e irmãs, têm a enfermidade) acomete apenas 10% do total – cerca de 5 mil pacientes por ano no Brasil.

O oncologista André Márcio Murad, pesquisador do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro Avançado de Tratamento Oncológico (Cenantron), conta que a indicação da mastectomia preventiva ocorre em três situações. A primeira indicação é para mulheres que tenham a mutação dos genes BRCA-1 e 2 – hipótese em que se encaixa o caso da atriz norte-americana. Esses genes são responsáveis pela autorreparação do DNA das células, quando sofrem agressões por toxina ou má alimentação. Quando ocorre alguma transformação, a capacidade de reparação é afetada e o organismo torna-se predisposto à doença. Esse é o tipo de problema que pode ser detectado pelo exame não coberto pelo SUS.

O teste é pedido em casos de suspeita de síndrome genética, que também é o segundo fator para indicação da cirurgia: muitos casos na família de câncer de mama (feminino ou masculino), ovário, próstata e pâncreas e, principalmente, se eles acometem pacientes com idade abaixo de 50 anos. O terceiro critério é a chamada bilateralidade, quando a paciente tem a doença nas duas mamas ou nos dois ovários.

Diante desse quadro, explica o médico, o paciente tem 80% de risco de ter, em algum momento da vida, câncer de mama, índice que é de 50% para que o mal se manifeste no ovário. “Nesse caso, vale a pena instituir medidas preventivas, que variam de acompanhamento com exames periódicos ao uso de medicamentos”, afirma.

O presidente da Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Mastologia, João Henrique Penna Reis, acrescenta que, mesmo quando feito na rede particular, o exame para constatação da mutação no gene BRCA tem uma série de exigências. Ele alerta: “As pessoas não devem sair correndo atrás do teste, que é de indicação restrita e vai beneficiar um número pequeno de pessoas”. A mulher só se submete a ele depois de avaliação com geneticista e psicólogo, que vão identificar, inclusive, a capacidade do paciente para lidar com os resultados.

O especialista conta que a parte cara do teste é fazer o sequenciamento dos genes para identificar a mutação. Na primeira etapa do exame, é avaliado um parente que teve câncer. Se identificada a mutação, a paciente com suspeita da doença também tem os genes analisados, procedimento que custa entre R$ 400 e R$ 500.

Nesses casos radicais, os dois médicos são unânimes na defesa da retirada dos ovários, em vez das mamas, pois o câncer nessas estruturas tem diagnóstico mais difícil e é mais agressivo. “Com a mastectomia, reduz-se em 90% a chance de ter câncer de mama. Já a retirada dos ovários reduz apenas em 60% a chance de doença nas mamas, mas em 90% a probabilidade de ela se manifestar no ovário”, diz André Murad.

VIDA NOVA
A empresária Silvana Hamade, de 50 anos, vive a milhares de quilômetros da atriz Angelina Jolie, mas sabe como ela deve estar se sentindo. Silvana fez a mastectomia há oito meses, como forma de se prevenir contra a doença que na família acometeu tias e a irmã. A mãe dela também passou pelo procedimento, há quatro meses.

Com o histórico familiar, há um ano, em uma consulta com a mastologista, a empresária se viu diante de duas opções: fazer exames a cada seis meses ou a cirurgia radical. A decisão não demorou. “Eu ia ficar de seis em seis meses procurando um câncer, tensa, esperando resultado pelo resto da minha vida. E, se acontecesse, teria de tirar a mama, sem contar a rádio e a quimioterapia”, conta. “É uma mistura de coragem, por fazer, e covardia, por não querer ficar doente”, diz. Silvana fez o procedimento com um cirurgião plástico e já saiu do consultório com a prótese de silicone.

Depois do susto, autoestima recuperada. “Não fico pensando que não tenho mais seio, até porque nunca me vi sem mama. Fiquei com o seio do tamanho que era e, se eu não falar, ninguém nota”, afirma. Para a empresária, racionalidade foi fundamental: “Eu pude escolher o jeito que queria, a hora que quisesse. Tive todas as opções, o que, quando você está com câncer, não tem. Você começa a correr atrás do tempo. E eu queria ter o tempo para mim”.

Entre a prevenção e o controle
Quando o assunto foi encarar o alto risco de câncer de mama, prevenção foi a escolha de Nair Villela Machado, de 73 anos. A mineira, moradora de Santos (SP), foi influenciada pela filha, a empresária Silvana Hamade, de 50, moradora de Nova Lima, na Grande BH, e tomou coragem para remover os seios. Hoje está feliz com o risco diminuído e a prótese de silicone. As chances de ela ter a doença, diante do histórico familiar, eram de 70%. Silvana havia se submetido ao procedimento quatro meses antes. A outra filha de Nair, a administradora Christiane
Villela Machado, de 44, também precisou retirar os seios, quando foi diagnosticada com câncer. Na época, ela tinha 41 anos.

Assim como as mulheres da família de Nair, as pacientes de Belo Horizonte que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) para se submeter à mastectomia total poderão ter os seios reconstituídos. Antes, cirurgia reparadora com silicone era feita apenas mediante avaliação da condição clínica da mulher. Agora, a Secretaria Municipal de Saúde já oferece o procedimento, antes mesmo da publicação da Lei 12.802/13, no Diário Oficial da União, que estabelece a cobertura pelo sistema público. Em 2012, foram 93 cirurgias, número superior àquelas do ano anterior, quando 73 mulheres puderam fazer a reconstituição.

INDICAÇÃO RESTRITA
Mas a remoção preventiva das mamas ainda é realidade restrita a quem tem plano de saúde ou pode arcar com os custos. A recomendação do Ministério da Saúde, nos casos de mulheres com histórico de câncer de mama na família – especialmente se uma ou mais parentes de primeiro grau (mães e irmãs) tiveram a doença antes dos 50 anos –, é que elas façam o acompanhamento médico a partir dos 35 anos.

Em Belo Horizonte, a secretaria informa que, por causa do diagnóstico precoce, o número de mastectomias radicais tem diminuído. Em 2012, foram feitos 155 procedimentos na capital – redução de 30% nos últimos três anos. Houve ainda outras 168 operações para a retirada parcial da mama. Ainda de acordo com a secretaria, não há fila de espera no SUS-BH para a cirurgia.

Um dos instrumentos de avaliação é a mamografia, marcada nos 147 centros de saúde da capital. Os exames são feitos nos estabelecimentos da rede credenciada ao SUS/BH, entre hospitais, clínicas e laboratórios. Ano passado, foram feitos 76.559 procedimentos. Nos dois primeiros meses deste ano, o número já chegava a 9.822.

No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa para 2012 é de 52.680 novos casos de câncer de mama em mulheres, com risco estimado de 52 casos a cada 100 mil mulheres. O cenário para Minas é de 4.700 novos casos, sendo 1 mil para BH. Ontem, diante da repercussão da notícia de que a atriz Angelina Jolie fez a mastectomia preventiva, o ministro de Saúde, Alexandre Padilha, pediu cautela às mulheres que pensam na cirurgia como forma de prevenção do câncer. “Já surgiram vários estudos que mostraram um número grande de mastectomias realizadas em pacientes em que depois se afastou o risco de câncer.”