O balanço oficial do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, que atua com a OMS no controle estatístico e nas pesquisas sobre o vírus, apontava ontem, em todo mundo, 34 casos confirmados e 20 mortes. Os dados, contudo, não estão bem esclarecidos. O informe do CDC mostra números diferentes dos divulgados no domingo pela Organização Mundial da Saúde, que citava 18 mortes. Ao mesmo tempo, o detalhamento dos surtos, iniciados em fevereiro de 2012 na Jordânia e seguidos por ocorrências na Arábia Saudita, no Catar, na Inglaterra, nos Emirados Árabes Unidos e, agora, na França, indica 30 infecções que resultaram em 16 mortes.
Apesar do descompasso estatístico, uma coisa é certa: o fato de o vírus passar de pessoa a pessoa eleva os riscos de contaminação – assim como a gripe, ele pode ser transmitido, por exemplo, por uma tosse ou um espirro. Em fevereiro, três pessoas da mesma família foram infectadas na Inglaterra, sendo que uma delas tinha viajado recentemente para o Oriente Médio. Isso levantou a suspeita da transmissão entre humanos que, com os casos franceses, foi confirmada. Se sair da Ásia e da Europa e atingir o continente americano, o NCoV será considerado uma pandemia.
Sem alarme
O infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, esclarece, porém, que ainda não há motivo para alarme, principalmente no Brasil, onde não há sequer casos suspeitos. Autor do livro Pandemias – a humanidade em risco (Editora Contexto), Ujvari explica que esse termo não se refere ao número de infectados, mas à abrangência geográfica. “Não quer dizer que vai haver uma alta letalidade. Temos de ficar em alerta porque o vírus está circulando e não é de hoje. Ainda não se sabe muito sobre esse novo coronavírus, mas ele não parece ter uma grande capacidade infectante”, afirma.
O médico que identificou o NCoV, o virologista egípcio Mohamed Zaki, disse em entrevista à agência Reuters que o vírus está sofrendo mutações genéticas e, por isso, infectando humanos mais facilmente. Mas também ressaltou que não acredita em uma epidemia grave, pois o micro-organismo foi descoberto e sequenciado rapidamente, ainda no ano passado. “Agora, temos ferramentas para diagnosticá-lo”, disse. Segundo Stefan Cunha Ujvari, ao contrário da gripe, que começa a ser transmitida antes que o indivíduo apresente os primeiros sintomas, os coronavírus só passam para outras pessoas por volta da segunda semana, o que dá tempo para diagnosticar e tratar os pacientes.
O especialista lembra que a própria pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, sigla em inglês), pneumonia asiática provocada por um coronavírus semelhante ao NCoV e que emergiu em 2003, não atingiu níveis alarmantes: acometeu 8 mil pessoas em 30 países. O problema foi a gravidade dos sintomas, que mataram quase 10% dos pacientes contaminados. De forma parecida, o NCoV se manifesta agressivamente, causando febre alta, tosse e pneumonia severa.
“As questões da exposição que resulta na infecção humana, o modo de transmissão, a fonte do vírus e a extensão infecciosa na comunidade precisam ser respondidas urgentemente”, disse a OMS, em um informe técnico divulgado no mês passado. De acordo com a organização, até agora, as estatísticas sugerem que a transmissão ocorre mais no ambiente hospitalar e que homens de meia idade (média de 58 anos) estão mais suscetíveis. "Além dessas questões epidemiológicas básicas, mais trabalho é necessário para determinar as estratégias corretas de tratamento dos pacientes infectados e para avaliar o potencial de intervenções farmacêuticas", alertou o documento.
Vetor é mistério
Assim como na Sars, há evidências de que morcegos sejam os hospedeiros do NCoV, mas ainda não se sabe qual o vetor que atinge seres humanos diretamente. Os mamíferos alados carregam o vírus que, para eles, é inofensivo e, provavelmente, o transmitem para algum animal. Esse último passa o agente patógeno para as pessoas de alguma forma, geralmente pelo contato com as secreções corporais. Apesar de os cientistas já terem sequenciado o genoma do NCoV, eles ainda não conseguiram identificar a espécie que faz o papel de reservatório do vírus. Sem isso, pouca coisa pode ser feita em termos de prevenção.
O infectologista Stefan Cunha Ujvari esclarece que cada nação adota as medidas de vigilância sanitária que achar mais adequadas, de acordo com os alertas da OMS. Com a descrição dos casos, os governos podem recomendar, por exemplo, que não se viaje para a Península Arábica, coisa que nenhum país achou necessário fazer até agora. No Brasil, o Ministério da Saúde ainda não se manifestou sobre o NCoV. Procurada pelo Estado de Minas, a assessoria do órgão não retornou até o fechamento desta edição. Ujvari acredita que, por enquanto, nenhuma estratégia precisa ser considerada no Brasil devido ao número restrito de casos mundiais.
Em uma entrevista coletiva realizada em Riad, na Arábia Saudita, porém, o diretor-geral adjunto da OMS para a Segurança Sanitária e o Meio Ambiente, Keiji Fukuda, alertou que o novo coronavírus “é um grande desafio para todos os países”. A organização divulgou uma nota de imprensa na qual afirma que “a principal preocupação global é sobre o potencial de disseminação do novo vírus”.
Na Arábia Saudita, principalmente na região de Al-Ahsa, onde a maioria dos casos ocorreu, a preocupação da população é grande. Na mesma entrevista da qual participou Fukuda, o ministro saudita da Saúde, Abdullah Rabia, disse que outros três casos estão sendo investigados. Todos os pacientes que procuraram os hospitais locais foram colocados em isolamento. “Senti os sintomas de uma gripe, acompanhados de febre”, afirmou à France-Presse um jovem que pediu para não ser identificado. “Fui ao hospital, mas esses sintomas desapareceram um dia depois, e apesar disso, sigo em quarentena com outros doentes, o que me dá medo”, revelou.