Técnica desenvolvida nos EUA pode aposentar cirurgias bariátricas

Transplante da flora intestinal emagreceu ratos. O desafio agora é controlar as variáveis para replicar resultado positivo em humanos

por Marcella Ullhoa 13/05/2013 15:00

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Anderson Araújo/CB/DA Press
Clique na imagem para ampliá-la e veja como foi feita a pesquisa (foto: Anderson Araújo/CB/DA Press)
A ação metabólica da cirurgia bariátrica tem ganhado importância e destaque nos últimos 10 anos. A técnica de redução do estômago é destinada ao tratamento da obesidade e de doenças agravadas pelo excesso de peso, como a hipertensão e o diabetes. No início de sua popularização, pensava-se que o sucesso da cirurgia era uma questão física: o corte do estômago e o desvio do intestino diminuiriam o apetite e, consequentemente, ajudariam na redução da massa gorda. Hoje, já se sabe que, na operação, o mais importante não é a materialidade da redução do órgão, mas as alterações metabólicas que surgem em decorrência da cirurgia. Dois desses aspectos são a redução da grelina, um hormônio que estimula o apetite, e o aumento da leptina, que causa a sensação de saciedade.

Mas o ponto-chave do processo, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts e da Universidade de Harvard, pode estar nas mudanças provocadas na microbiota intestinal logo após a realização da cirurgia bariátrica. De acordo com os cientistas, essas alterações contribuem de forma tão expressiva para a perda de peso que entender seus mecanismos pode ser uma verdadeira promessa para aposentar o bisturi. Depois de testes com camundongos de laboratório, eles conseguiram uma redução expressiva no peso dos animais somente a partir da transferência de uma amostra da microbiota de ratos com estômago reduzido para aqueles obesos não operados. O desafio agora é controlar todas as variáveis para replicar o mesmo resultado positivo em humanos.

“Sabíamos que um dos mecanismos pelos quais a cirurgia de bypass gástrico (um tipo de cirurgia bariátrica) provoca a perda de peso é aumentando o gasto energético basal ou a queima de calorias. Tivemos também os primeiros indícios de que o bypass gástrico muda a população de bactérias na microbiota intestinal e que a microbiota intestinal em si é capaz de regular as reservas de gordura, balanço e gasto energético”, explica Lee Kaplan, um dos autores do estudo. Foi, então, que seu grupo de pesquisa passou a suspeitar que essas alterações na flora bacteriana poderiam ser as grandes responsáveis pela perda de peso observada após a operação.

De acordo com o pesquisador, há uma grande diferença entre a proporção de determinados grupos de bactéria entre os indivíduos obesos e magros. E isso é verdadeiro tanto para seres humanos quanto para ratos. Enquanto no trato gastrointestinal dos obesos há mais bactérias da espécie Firmicutes e menos da espécie Bacteroidetes, nos indivíduos magros a proporção é invertida. Na cirurgia bariátrica, o que se observa é exatamente a diminuição do grupo das bactérias ligadas à obesidade e o aumento de Bacteroidetes. “Essas mudanças após a cirurgia acontecem devido ao próprio procedimento. Não observamos uma perda de peso similar com o tratamento baseado na dieta, que teve muito menos efeito sobre a microbiota”, esclarece Kaplan. Além disso, o fato de a alteração da flora intestinal ter sido observada logo após a cirurgia (cerca de dois dias) é uma forte evidência de que ela se dá pela perda de peso. Ao contrário, é efeito direto do procedimento cirúrgico.

Processo complexo
Como a operação provoca as alterações ainda é uma incógnita para os autores do estudo. Segundo eles, é provável que a manipulação física e o rearranjo do intestino causem mudanças do ambiente químico dentro do lúmen do intestino. Talvez isso ocorra pela alteração do pH, das concentrações de outros conteúdos luminais (tais como os ácidos biliares) ou ainda pela mudança das concentrações de nutrientes ou dos seus produtos de digestão. “Independentemente do mecanismo, os efeitos da gastroplastia sobre a microbiota são rápidos, profundos, de longa duração e observados em todo o comprimento do trato gastrointestinal”, defende Kaplan.

O pesquisador acrescenta que as evidências preliminares apontam que o equilíbrio dos três ácidos graxos de cadeia curta é também alterado após o bypass gástrico. Essas substâncias regulam o gasto de energia e o balanço energético de uma forma tal que podem provocar a perda de peso. Mas, provavelmente, não há somente um, mas vários mecanismos adicionais que, em conjunto, trabalham para induzir a perda de peso a longo prazo. De acordo com Almino Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, é sabido que a própria bactéria presente no intestino queima parte da caloria da alimentação. “O outro (mecanismo) é a capacidade digestiva da flora intestinal, que acaba absorvendo menos caloria. A produção de aminoácidos de cadeia curta também melhora a quantidade de HDL, o colesterol bom no organismo”, complementa.

Mas todo esse processo, alerta Ramos, ocorre no organismo de quem é submetido à cirurgia bariátrica. Reproduzir isso sem o processo cirúrgico é uma tarefa árdua e com um longo caminho a percorrer. “Quando são usados probióticos para aproximar a flora intestinal de pessoas obesas à flora encontrada em pessoas magras, você consegue uma redução de 5kg, mas só esse método não é suficiente para perdas mais importantes, de 40kg ou 60kg”, defende. Segundo ele, são várias as mudanças envolvidas durante a cirurgia bariátrica e cada uma é responsável por uma parcela da redução do peso. A flora intestinal é somente um ingrediente da complexa mistura.

Além disso, Ramos ressalta que reproduzir a mesma flora encontrada após a gastroplastia em indivíduos obesos não operados é complicado e demanda condições intestinais específicas. “Nos animais, é feita uma redução do estômago e um encurtamento de um terço do intestino. Não é só uma questão de transferir a microbiota, mas ela tem de se adaptar ao novo ambiente”, pondera. Segundo ele, a flora intestinal que surge no pós-operatório se adapta melhor a situações em que existe um estômago pequeno e um intestino mais curto. “Quando você colocar em um estômago normal, por exemplo, provavelmente a acidez já vai eliminar 80% da carga bacteriana injetada”, explica.

Terapias futuras
De acordo com o autor do estudo, apesar de a aplicação clínica estar ainda distante, os resultados observados com o experimento abrem portas para desenvolver novas terapias baseadas tanto na manipulação da microbiota em si quanto na manipulação de sinalizadores químicos produzidos pela flora alterada. As alternativas de tratamento incluem três principais possibilidades. A primeira seria a transferência direta de microbiota de um indivíduo operado para alguém com obesidade e que não foi submetido à cirurgia. A segunda seria o transplante de determinadas estirpes de bactérias relacionadas à perda de peso para pacientes com obesidade; e a terceira seria por meio de sinalizadores químicos.

Segundo Ramos, o efeito da microbiota sobre os quadros metabólicos se dá por meio de mecanismo de sinalização, ou seja, não é um efeito local, existem mediadores envolvidos. “Por exemplo, há um aumento da leptina resultante de algum hormônio produzido pela microbiota e que, de alguma forma, consegue chegar ao hipotálamo e causar esse efeito”, esclarece ele. Dessa forma, não é a microbiota que chega ao hipotálamo, mas uma sinalização hormonal ou provocado por ela. “O que o estudo quer dizer é que podemos também mimetizar esse mediador ou sinalizador. Ele poderia ser sintetizado em laboratório e tomado pelo paciente. Teria o mesmo efeito, porém sem mudar a microbiota intestinal”, explica.