Como a córnea, além de proteger o olho, trabalha junto com o cristalino na focalização das imagens, o formato modificado leva à dificuldade na visão e no uso do lentes de contato. As queixas mais comuns dos pacientes são ofuscamento, hipersensibilidade à luz, visão distorcida e aumento no grau do astigmatismo e miopia. Como a detecção pode ser difícil no início, a visita ao oftalmologista é sempre indicada.
De acordo com o oftalmologista Leonardo Gontijo, especialista em córneas e ceratocone, acredita-se que a doença afete uma em cada 250 pessoas. “É muito mais comum do que imaginamos. Embora não leve à cegueira, o processo é degenerativo e progressivo, por isso exige diagnóstico e tratamento imediatos. O quanto antes o ceratocone for descoberto, maiores as chances de impedir a evolução para um quadro mais crítico”, explica o médico. E, por quadro mais crítico, entenda-se até a necessidade de transplante de córnea, ou seja, riscos de infecção, rejeição e de ter que refazer a cirurgia a cada 15 anos, em média. Melhor evitar.
Entenda:
Coceira: sinal de alerta
Gontijo é taxativo: toda mãe que observar o filho coçando os olhos repetidas vezes deve levá-lo ao oftalmologista. Quadros alérgicos que levam à coceira podem acentuar o desenvolvimento do ceratocone. Embora seja mais comum a partir dos 10 anos de idade, o especialista já atendeu e precisou realizar um tratamento para evitar a progressão da doença em crianças de até oito anos.
As medidas que serão tomadas após o diagnóstico variam de acordo com o estágio em que o ceratocone é identificado – 1, 2, 3 ou 4. O problema é que a fase inicial nem sempre incomoda o paciente, logo, qualquer alteração na visão não deve ser encarada como 'normal'. “Hoje, já existem aparelhos mais sensíveis, como o tomógrafo, que identifica até os casos mais leves. O exame é simples, dura menos do que 10 segundos e é capaz de identificar pequenas modificações”, explica o oftalmologista.
Para alguns pacientes, o uso de óculos e lentes rígidas apropriadas para corrigir a visão podem ser suficientes em um primeiro momento. Entretanto, as lentes rígidas podem ser de difícil adaptação para boa parte dos pacientes – elas se deslocam dentro do olho, provocam grande incômodo quando há um cisco e podem até cair no chão, deixando o paciente na mão. Por isso, é necessário conhecer as outras possibilidades.
Uma segunda opção é o procedimento semicirúrgico com luz ultravioleta, chamado cross-linking, que pode impedir a evolução do problema. “Ele tem a vantagem de estabilizar a deformação da córnea, impedindo o avanço da doença em casos ainda recentes. Para aqueles já mais evoluídos, o cross-linking é insuficiente para a recuperação da visão, demandando outros procedimentos”, define o especialista.
A indicação, neste caso, pode ser o anel de Ferrara (técnica criada por médicos brasileiros), ou anel intraestromal, que por si só já é capaz de recuperar boa parte da visão, principalmente em pacientes com grau 2 ou 3. A cirurgia de implantação dura aproximadamente 15 minutos, não exige internação e é feita com anestesia tópica – gotas de colírio. O procedimento faz um túnel na córnea, por onde são introduzidos os segmentos do anel. “Já tive casos de pacientes que tinham entre 50 e 70% da visão e alcançaram 80, 90, até quase 100%. Mas há também os casos em que a melhora é mínima, de 5%, por exemplo, quase imperceptível”, explica Leonardo Gontijo.
Lentes esclerais
Como ainda podem haver essas imprecisões, a recomendação mais recente é o uso de lentes esclerais, que atendem mesmo aqueles que não conseguiram se adaptar às lentes rígidas. Elas são diferentes das tradicionais, porque são um pouco maiores que as lentes gelatinosas comuns e se apoiam na esclera, que é a área periférica da córnea (a parte branca do olho).
Com formato desenhado especificamente para portadores da doença, a lente corrige as imperfeições da visão sem causar desconforto. “Devido à sua grande estabilidade, as lentes se fixam bem aos olhos”, explica o oftalmologista Leonardo Gontijo, pioneiro no uso dessas lentes no Brasil.
Mas há desvantagens. Antes importadas, hoje as lentes esclerais são fabricadas em Belo Horizonte, e até exportadas para outros estados e países. Mas são caras. Um par, que dura um ano e meio, custa em média R$ 2 mil, cerca de quatro vezes mais que a lente rígida. Entretanto, como elas são a opção mais abrangente e podem inclusive evitar a necessidade do transplante, o investimento pode valer. “Uma coisa que pouca gente sabe é que o transplante de córnea não desobriga o paciente do uso de lentes e que os resultados só aparecem cerca de um ano e meio depois da cirurgia”, explica.
Além disso, a rejeição da nova córnea pode acontecer até cinco anos depois da operação, obrigando a um novo procedimento, o que envolve riscos. “E esse risco é ainda maior nos adolescentes, cujo sistema imunológico está em pleno funcionamento. Hoje, não recomendo a cirurgia sem antes testar a lente escleral. Minha indicação para transplante foi praticamente extinta”, define Gontijo.