Largar emprego, vender a casa, juntar as economias e correr atrás de um sonho parece coisa de cinema, fora do mundo 'real' - onde as pessoas têm que trabalhar, ter bens e estabelecer uma família. No entanto, tem gente, com coragem e determinação, que vive pela filosofia de que sem o sonho é impossível viver e ser feliz.
“Muitas vezes a gente se engana nas nossas escolhas. A sociedade nos convida a acreditar que atingir certo status significa felicidade, só que felicidade pode não ser nada disso”, explica o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Orestes Diniz Neto.
Casamento, carreira, família: diversas áreas da vida exigem essas escolhas. O problema, segundo o professor, é quando elas são motivadas pelas razões erradas. “Os caminhos traçados com o coração nos enchem de sentido e significado, de que estamos realizando algo maior. Caminhos sem o coração são mais fáceis, mas não nos levam a esse lugar de satisfação”, destaca.
E as pressões vêm de todos os lados. Segundo ele, vivemos em uma sociedade paradoxal. Ao mesmo tempo em que ela nos oferece inúmeras condições de satisfação, ela aumenta e estimula nossas expectativas para o consumo. “Somos convidados à confusão de se sentir bem com a ideia de ter muitas coisas. Nesse sentido, temos de entender que satisfação pessoal não é possuir. O que estamos fazendo é criando um buraco maior ainda”, comenta.
E por isso é cada vez mais raro ver pessoas fazendo mudanças radicais, como abandonar tudo e correr atrás de um sonho. “Muitas pessoas ficam presas em situações durante a vida toda, que não é o que eles queriam ser ou fazer, vivendo em uma cidade ou situação que não os fazem sentir bem; ou em grupos que não refletem seus valores”.
A insegurança é um dos principais motivos da estagnação frente ao desgosto. Aliada a ela, também aparecem a falta de formação adequada, de personalidade e o equivoco de crença. Mas, especialmente, o desânimo frente às dificuldades que aparecerem ao se correr atrás de um sonho.
É quando a dor ultrapassa o limite do aceitável que algumas pessoas desenvolvem coragem para enfrentar os riscos envolvidos nas mudanças. “Essencialmente, essas pessoas apostam. Elas se dispõem a correr o risco de perder e estarem enganados”. Mas o professor alerta: "Fazer um sonho acontecer exige esforço. A realização é feita por 1% de inspiração e 99% de transpiração. Esta satisfação exige engajamento”.
Pela família
Para o casal norte-americano Angela e Jason, o que pesou na hora de tomar essa decisão foi o filho Bode, hoje com 7 anos. Antes de 2009, quando a jornada deles começou, os dois pais trabalhavam, mas era Jason quem fazia do emprego uma prioridade. Em busca do 'sonho americano', ele seguia à risca aquela máxima de que tempo é dinheiro e de que com trabalho, vem o sucesso.
Foi um pedido inocente no quarto aniversário do filho que mudou tudo. Seguindo a tradição de fazer um desejo ao apagar as velinhas, Bode desejou que os pais fossem mais presentes na vida dele e, a partir desse momento, a ficha dos pais caiu. O trabalho, enfim não comprava felicidade. E foi assim que a aventura deles começou.
No blog em que eles mantêm registro de todo o trajeto, a explicação para a aventura não poderia ser mais direta: “Nós percebemos que nunca iríamos fazer todas as coisas que sonhamos fazer a não ser que largássemos tudo e fôssemos fazer isso”.
O casal vendeu tudo e investiu na nova casa da família: uma Kombi 71 que transporta o trio pelas Américas. A proposta inicial era de que a viagem tivesse durado somente um ano, mas, três anos e meio e 18 países depois, eles ainda não têm previsão de um fim.
Saindo dos EUA, eles visitaram América do Norte, Central e fecharam a do Sul no Brasil. Aqui, a rota começou pelo Rio Grande do Sul e o último lugar registrado foi o Rio Grande do Norte. Depois disso, os planos ainda incluem visitas à a Europa e Ásia, de onde eles devem voltar para os EUA, para que Bode possa frequentar uma escola convencional – por enquanto ele é educado pelos pais, na estrada.
Pelo romance
Alex Pelling e Lisa Gant, de Manchester (Inglaterra), não precisaram de um 'gatilho' que destacasse o que eles estavam perdendo. A motivação também não foi justificada pela insatisfação. Os dois simplesmente tinham um sonho de conhecer o mundo e ter uma cerimônia de casamento memorável. Foi enquanto eles iniciavam os planos de casamento que surgiu a ideia de viajar em busca da cerimônia perfeita.
Para tanto, os dois também abriram mão de emprego, empresa, casa e economias para percorrer cinco continentes em um trailer velho, experimentando como cada cultura visitada celebra a união de duas pessoas. Mais que aventureiros, Alex e Lisa são verdadeiros românticos. No momento, já foram realizadas 34 cerimônias em lugares diferentes e de tradições particulares – incluindo uma no Brasil.
O plano original era de que a viagem tivesse a duração de um ano, mas foi prorrogada para três - e, quem sabe, até ultrapassar essa marca. A proposta é encontrar esse lugar perfeito e depois de conhecer o mundo, voltar lá para oficializar a união.
O roteiro da viagem, que também pode ser acompanhado online no site 2people1life.com, começou nos EUA e já percorreu todo o continente americano, de norte à sul. Depois de passar pela África do Sul, Alex e Lisa embarcaram para a Europa e ainda pretender passar pela Ásia e Oceania.
Sem medo do diferente, eles realmente saíram do convencional nas cerimônias, que excedem as cores e religiões tradicionais. Em Nova Orleans, eles optaram por um casamento voodoo, religião popular no estado da Louisiana. Na Guatemala, eles se vestiram de cores tradicionais e tiveram uma cerimônia xamã. No México, a festa foi no fundo mar. Por aqui, eles fugiram do clichê e escolheram o interior de Minas Gerais como cenário de seu casamento brasileiro.
Veja como foi a cerimônia realizada em Ouro Preto:
Em meio à montanhas, o cerrado e o céu azul, a cerimônia aconteceu em Ouro Preto e foi feita por um terapeuta quântico - apesar de cercada de referências cristãs. A festa tipicamente brasileira teve direito até a casadinhos e ficou marcada nos noivos como uma das mais emocionantes até agora.
Pela qualidade de vida
Cansados do estilo de vida caótico e corrido da capital paulista, o casal Jaque Barbosa e Eme Viegas decidiu jogar tudo para o alto em busca de mais qualidade de vida. Eles saíram de São Paulo e se mudaram para Ilha Bela, no litoral paulista, onde moram agora de maneira mais próxima da natureza e levando uma vida menos ligada no que é material.
“É engraçado como uma decisão pode trazer tantas outras coisas na sua vida que você não podia nem quantificar antes de tomar a decisão”. A frase de Eme abre o vídeo abaixo, onde os dois comentam a decisão radical de mudar de vida. Para eles, reclamar da vida não faz sentido, uma vez que ela é construída por nossas escolhas.
A mudança foi motivada pela frustração profissional, que foi sentida em outras áreas. Esse foi o sinal, alertando para algo errado na maneira como eles viviam. A felicidade só poderia vir pela mudança. Hoje, o casal vive de maneira bem simples, fazendo o que eles gostam. No caso deles, isso é bloggar. Os dois são criadores dos sites Hypeness e Casal Sem Vergonha. Eles contam que ambos projetos surgiram da resolução dessa insatisfação com a vida.
“Nunca é fácil descobrir para onde ir. Você só tem a certeza de que não é lá que você tem que estar”, afirma Jaque. O começo não foi nada fácil e as dificuldades financeiras apontaram diversos motivos para eles desistirem do novo estilo. Mas, focados, eles têm persistido há dois anos e meio na investida, guiados pela intuição de que a nova maneira de viver pode trazer a satisfação e felicidade não encontrados no anterior.
Confira o vídeo em que o casal conta como foi a mudança de vida: