Ladan Eshekevari, principal autora do estudo, conta que seu interesse pelo tema surgiu da experiência clínica. “Notei que muitos dos meus pacientes nos quais aplicava acupuntura para tratar dores relatavam sinais de alívio do estresse, como hábitos de sono melhor e maior capacidade de lidar com o sofrimento físico, entre outros. Então, pensei que, talvez, eu estivesse afetando as vias de estresse em vez das de dor”, revela Eshekevari, que é fisiologista, enfermeira anestesista e acupunturista certificada. Ela resolveu, então, projetar uma série de estudos em camundongos para testar o efeito da acupuntura elétrica nos níveis de proteínas e hormônios secretados como resposta ao estresse. “Usei eletroacupuntura, porque ela me garante que cada animal recebeu a mesma dose de tratamento”, explica a pesquisadora.
Wu Tu Hsing, professor de medicina tradicional chinesa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que o estimulador elétrico é utilizado quando se deseja potencializar o efeito da agulha. “Assim, você consegue explorar o máximo de efeito em determinado ponto. É como se você aumentasse a dose.” O professor esclarece que o estimulador elétrico é raramente utilizado, entrando em cena quando há pouca resposta ao estímulo manual, como nos casos de artroses.
Pontos
Nos experimentos, Eshekevari utilizou quatro conjuntos de ratos. O grupo de controle não foi submetido a situações estressantes nem recebeu tratamento. O segundo era formado por camundongos submetidos ao estresse induzido por temperaturas rigorosamente baixas, mas que não foram tratados. Já o terceiro, também estressado, recebeu acupuntura em um ponto falso, chamado Sham. Por fim, o quatro conjunto de indivíduos recebeu agulhas no ponto Zusanli, uma região em que o efeito da acupuntura costuma ser observado.
De acordo com a pesquisadora, esse ponto foi escolhido porque, além de ser muito forte na medicina tradicional chinesa, é de fácil acesso, mesmo quando o rato está acordado. Wu Tu Hsing, da USP, explica que, em humanos, o ponto é bastante utilizado para alívio da dor e tratamento de problemas no sistema digestório. Ele se localiza na perna, abaixo do joelho, entre a fíbula e a tíbia, sendo conhecido também como E36, ou ST36.
Durante 10 dias, a equipe de Eshekevari mediu no sangue os níveis de hormônios secretados pelo eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que inclui o hipotálamo, a hipófise e a glândula adrenal. As interações entre esses órgãos são responsáveis por controlar as reações ao estresse e regular a digestão, o armazenamento do sistema imunológico, o humor, as emoções, a sexualidade e a energia. Segundo o estudo, a resposta clássica ao estresse crônico consiste de uma interação entre duas importantes vias: o sistema nervoso simpático (SNS) e o HPA. A ativação crônica dessas vias pode levar à má adaptação das condições homeostáticas, causando sintomas ou doenças como a ansiedade, depressão e obesidade, que podem ainda ter um impacto direto sobre as doenças cardiovasculares e a hipertensão.
Além dos hormônios secretados pelo HPA, os pesquisadores também mediram os níveis de NPY, um peptídeo liberado pelo sistema nervoso simpático em roedores e seres humanos. Esse sistema está envolvido na resposta de fuga ou de luta ao estresse agudo, resultando na constrição do fluxo de sangue para todas as partes do corpo, exceto para o coração, os pulmões e o cérebro (órgãos mais necessários para se reagir aos perigos). O estresse crônico, no entanto, pode causar aumento da pressão arterial e doença cardíaca. “Descobrimos que a acupuntura eletrônica bloqueia o estresse crônico induzido por elevações dos hormônios do eixo HPA e na via de NPY”, revela Eshekevari. Ela acrescenta que os ratos que receberam a acupuntura elétrica no ponto falso tiveram uma elevação dos hormônios análoga à dos animais de estressados.
De acordo com Ângela Tabosa, vice-chefe do Setor de Medicina Chinesa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o modelo de estresse por frio em ratos é referendado pela ciência experimental como uma boa aproximação do estresse crônico em humanos. “Existe o estresse agudo e o crônico. O agudo está muito relacionado à luta ou à fuga. O indivíduo é exposto a uma situação de perigo, o organismo produz uma série de substâncias que o preparam para lutar ou fugir. Há vários modelos animais de estresse agudo, e as substâncias são um pouco diferentes de quando ele é submetido ao estresse crônico”, detalha Tabosa. Segundo ela, o crônico é aquele que não é tão impactante, mas, apesar de ser menor, é repetitivo. “Parece-se mais com o que acontece no dia a dia, devido ao trânsito ou a um chefe muito exigente. Para simular o estresse crônico, existem alguns modelos, como o frio. Você não pode repetir exatamente o que seria para o ser humano, mas você cria condições desagradáveis para as quais o rato já fica preparado”, explica.
Confirmação
A acupuntura funciona por meio do estímulo de terminações nervosas em diversas partes do corpo. Esses estímulos são levados ao sistema nervoso central, onde são interpretados pelo cérebro, que responde com a liberação de substâncias que caem na circulação sanguínea. De acordo com Hsing, as substâncias mais estudadas nessa resposta são a endorfina, a cortisona e a serotonina. “Algumas delas dão um pouco de sono, o que explica o efeito calmante e de alívio da dor.” O professor explica que 80% das pessoas que buscam a acupuntura normalmente querem tratar alguma dor, como as de cabeça ou musculares. A ansiedade e o estresse também aparecem com frequência.
Ladan Eshekevari espera obter os mesmos resultados do estudo em humanos e ampliar a aceitação da terapia chinesa. “Para quem trabalha com acupuntura, o resultado é mais uma comprovação. Os mecanismos da ação da acupuntura já têm sido bem estudados desde o fim da década de 1980”, diz Tabosa. Para ela, a questão principal do artigo é conseguir comprovar a eficiência da acupuntura real em comparação com falsos pontos. Além disso, o trabalho reforça que o efeito da técnica é cumulativo, ou seja, a diferença na redução dos hormônios estressores ficou maior ao longo dos dias. “Existem técnicas que são utilizadas em pronto atendimento, mas, para o tratamento de uma doença, você precisa de uma série de aplicações”, ressalta Tabosa.
Experimento
Trinta e quatro ratos adultos foram divididos em quatro grupos distintos:
Grupo 1 (de controle)
não foi estressado e não recebeu nenhum tratamento
Grupo 2
foi submetido a temperaturas rigorosamente baixas durante uma hora pelo período de 10 dias, mas não recebeu acupuntura
Grupo 3 (experimental)
os ratos sem estresse receberam estímulos em um ponto Sham*, próximo ao rabo, bilateralmente. As agulhas foram aplicadas nos 10 dias imediatamente anteriores à exposição ao estresse pelo frio
Grupo 4 (experimental),
durante os quatro dias anteriores ao estresse pelo frio, os ratos foram pré-tratados com o estímulo no tradicional ponto ST 36, ou zusanli. Eles continuaram a receber acupuntura no mesmo ponto durante mais 10 dias após o estresse. O ST 36 localiza-se na perna, perto da rótula e da tíbia
* Ponto Sham é também conhecido por falsa acupuntura. As agulhas são colocadas em regiões que não são pontos reais da técnica. Normalmente, esse artifício é utilizado como base de comparação, para saber se os resultados positivos foram realmente oriundos dos estímulos nos pontos de acupuntura, ou pela simples picada