Interior é o melhor lugar para envelhecer com saúde, certo? A crença está para cair por terra com a soma de resultados do Projeto Bambuí, que há 15 anos acompanha a população idosa do município localizado na Região Centro-Oeste de Minas Gerais. Pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou, unidade em Belo Horizonte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), descobriram que a prevalência de doenças crônicas em pessoas acima de 60 anos que vivem na cidade com quase 23 mil habitantes é semelhante a de grandes metrópoles. Ao que tudo indica, a realidade poderá ser comprovada em muitas localidades no interior do Brasil e o estudo servirá para derrubar o mito de que quem mora em capitais está mais exposto a doenças. O próximo passo é analisar a influência genética na saúde do idoso.
Na opinião da geriatra Karla Cristina Giacomin, que foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso de 2010 a 2012, o maior desafio da saúde pública no Brasil, seja em cidades de interior ou capitais, é se estruturar para atender pacientes com idade avançada, em vez de continuar focado apenas em mulheres na idade fértil e crianças. “A sociedade compreende o investimento do governo na infância e juventude, mas na velhice não. É como se o envelhecimento fosse problema seu”, critica. A questão é que, depois dos 60, aumentam as chances de o paciente ter pelo menos uma doença crônica.
Assim como se observa na população ocidental em geral, a doença mais comum entre os idosos de Bambuí é a hipertensão. O que mais preocupa, no entanto, é a constatação de que 1/3 dos hipertensos em tratamento não estão com a pressão sob controle. “O acesso ao medicamento aumentou com a Farmácia Popular, mas a explicação disso pode estar no fato de que a pressão alta não dá sintomas e o paciente para de tomar medicamento sem orientação, ou interpreta que o que tem não é doença. Falta um trabalho educativo”, analisa Maria Fernanda.
O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Minas Gerais (SBGG/MG) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Ribeiro dos Santos, alerta que o tratamento da hipertensão deve ser contínuo, seguindo orientação médica, pois a oscilação de pressão traz malefícios ao paciente. “Além de estar exposto a todos os riscos do descontrole da pressão, como infarto, derrame e insuficiência renal, pacientes com mais de 80 anos têm grande chance de desenvolver hipotensão ortostática, que é uma queda de pressão ao mudar de posição”, explica. O mal estar que surge ao deitar ou levantar pode provocar quedas, tão perigosas na velhice. O geriatra observa que muitos pacientes deixam de tomar o medicamento, principalmente na hora de sair de casa, com medo de ter uma crise de incontinência urinária na rua.
AUMENTO DO DIABETES O Projeto Bambuí evidencia outro dado alarmante: o número de diabéticos aumentou 18% de 1991 para cá. “A hipótese principal é de que a população está engordando com uma alimentação inadequada e a falta de atividade física”, pontua a pesquisadora da Fiocruz. De acordo com o presidente da SBGG/MG, o idoso tem uma probabilidade maior de desenvolver o distúrbio metabólico, principalmente se estiver acima do peso, porque tende a manter níveis elevados de glicose no sangue. Para que o diabetes não se manifeste em idade avançada, Santos defende a importância de um programa supervisionado de atividade física.
Vários estudos indicam que, mesmo que tenha sido sedentário a vida toda, o paciente a partir dos 80 anos consegue obter benefícios ao exercitar-se. Em relação à alimentação, o geriatra recomenda a busca pelo equilíbrio. “Preocupa-nos ver o idoso que não é obeso ser submetido a dietas restritivas e ficar muito magro. Perder peso nesta fase aumenta o risco de mortalidade, pois a resistência fica reduzida”, comenta.
Corte nacional
Está previsto para começar em dois anos o Estudo Longitudinal da Saúde e Bem-Estar dos Idosos Brasileiros, batizado de Elsi-Brasil. Assim como ocorreu em Bambuí, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, pesquisadores vão levantar dados que possam retratar as condições de saúde da população nacional com mais de 60 anos. A pesquisa também será coordenada pela epidemiologista Maria Fernanda Furtado de Lima e Costa, do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Inglaterra, Estados Unidos e Itália também contribuirão para o desenvolvimento do estudo, que ainda depende da parceria com os órgãos de fomento para ser iniciado.
Depressão e insônia são comuns
O que também surpreendeu a equipe da Fiocruz foi a descoberta de que 20% da população idosa da cidade mineira apresenta quadro de depressão, o dobro do que se observa na população ocidental. “A doenças não mata, mas piora a qualidade de vida e aumenta a taxa de mortalidade, já que acaba sendo fator de risco para outras doenças”, pondera o psiquiatra Érico Castro Costa, outro integrante do Projeto Bambuí. Os pesquisadores foram responsáveis por diagnosticar a depressão, porque os idosos não tinham noção de que estavam doentes, e sugerir a contratação de um psiquiatra para o município.
A geriatra Karla Cristina Giacomin ressalta que nem toda tristeza é sintoma de depressão, mas ela se preocupa com o hábito comum de confundir a doença com o próprio envelhecimento. O presidente da SBGG/MG Rodrigo Ribeiro dos Santos acrescenta que o avançar da idade não está associado com a perda de capacidade de realizar atividades do dia a dia. “Se a idosa parou de fazer o almoço de domingo para a família, tem algo errado. Não é por causa da idade que ela perdeu capacidade de cozinhar”, avalia. O geriatra alerta que a depressão deve ser detectada o quanto antes. O idoso pode entrar em um processo lento e progressivo de se isolar e ficar mais parado e, muitas vezes, os parentes se deparam com a situação quando ele já está acamado e sem sair de casa.
ENERGIA RECUPERADA A insônia também é queixa preocupante: 39% dos idosos de Bambuí assumem ter dificuldade para dormir, taxa semelhante à de Manhattan, em Nova York. “O problema é mais universal que imaginávamos. Pensávamos que a região rural teria menos distúrbio do sono que população urbana, mas o interior pode não ser como a gente pensa”, afirma Maria Fernanda. O geriatra Rodrigo dos Santos confirma que, à medida que envelhecemos, o sono tende a ser mais superficial e o número de horas reduz, mas não existe regra para isso. “Muito mais importante que o número de horas, é ver se a pessoa acorda com a sensação de que recuperou todas a energias e está disposta para o dia a dia”, esclarece. Na visão do médico, o grande problema em relação ao sono é o uso inadequado de medicamentos para dormir. As fórmulas podem interferir na memória, equilíbrio e deixar o idoso mais lento para exercer as atividades básicas.
Para SantosG, é fundamental que idoso seja acompanhado por profissionais com capacidade de gerenciar a saúde como um todo, e que não ofereça atendimento fragmentado. “Bem diferente de tratar hipertensão ou diabetes em adulto jovem, que é forte e com capacidade funcional plena, é atender paciente idoso, mais frágil e com chance de ter que usar mais de um medicamento”, diz. Santos lembra que a adoção de hábitos saudáveis e medidas preventivas devem começar muito antes de a velhice chegar. “É durante a vida toda, desde a mãe gestante até o envelhecimento.”