Se voltarmos ao tempo - 20 anos atrás, por exemplo - quantas histórias de meninos e meninas entre 10 e 19 anos que frequentavam o consultório médico com periodicidade encontraríamos para contar? Como o adolescente é, em regra geral, clinicamente saudável, ele “perdia” a assistência do processo de desenvolvimento e só utilizava os serviços de saúde em casos de doença. O cenário vem mudando. De um lado, a sociedade passa por um processo de maturidade no sentido de identificar que nessa fase da vida o apoio de um especialista é fundamental. Do outro, pediatras que se interessam em atuar com adolescentes buscam conhecimento. “Esses pacientes ainda não viraram adultos, mas também não são mais crianças. É outra realidade e o conhecimento deve ser mais pormenorizado”, afirma o presidente do Conselho Estadual de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes.
Em Minas, o Hospital das Clínicas da UFMG, oferece - após o médico encerrar a residência em pediatria – a oportunidade de o especialista incluir mais um ano na formação e adquirir o conhecimento específico em adolescência. “O pediatra atende desde quando a criança nasce até que se complete o desenvolvimento”, ressalta Cristiane. No Brasil, existem 21.947 médicos associados à Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Nesse universo, apenas 242 têm o certificado de especialização em adolescência.
Para Cristiane, é missão do pediatra atender o adolescente. Entretanto, ela afirma que existe uma resistência tanto na medicina privada quanto na pública. “O adolescente não deixa a adolescência em casa”, declara. Para ela, o especialista está amparado no campo da técnica para atender doenças, mas no caso de adolescentes, a medicina clínica não pode se ater a isso. A professora da UFMG defende um atendimento que denomina “janela da escuta”. Para ela, o adolescente é especialista de si mesmo e o médico ocupa vários lugares na consulta. A pediatra diz que além de avaliar o crescimento e o avanço da puberdade, é preciso uma atenção especial à alimentação, informar sobre vacinas e cuidados com a saúde oral, orientar sobre sexualidade. “É um período da vida em que se muda radicalmente, que se assume a posição de sujeito. Não se deve banalizar essa fase”, defende.
João Tadeu Leite é ginecologista-obstetra e desde 1985 trabalha com adolescentes. Ele se especializou nessa área na Universidade de Paris V. “O médico de adolescente frequentemente é um pediatra, mas as situações acabam se misturando um pouco. O grande foco do meu atendimento está relacionado com as manifestações da sexualidade: a contracepção, a gravidez não planejada, as doenças sexualmente transmissíveis”, diz. Ele acredita que é muito importante o acompanhamento das mudanças puberais. No caso da menina, para ilustrar, ele explica que ela passa a infância inteira sem atividade ovariana e sem produção de estrogênio. “Entre 8 e 10 anos, o ovário começa a funcionar e as mudanças físicas vão acontecer pela ação do estrogênio. Em pouco tempo, a menina cresce muito, ocorre uma mudança na distribuição da gordura corporal, com um acúmulo maior na região do quadril. Internamente, tem outras alterações que é o desenvolvimento do útero. O endométrio vai sendo estimulado até o momento em que ela tem a primeira menstruação”, detalha. Leite observa que as pessoas entendem a primeira menstruação como o fim do processo puberal. “Não terminou, falta um ponto importante: a maturidade e regularidade do funcionamento ovariano, que é quando a jovem adquire a capacidade de ovular. O reflexo direto disso é adquirir uma regularidade nos sangramentos menstruais”, afirma.
A adolescência é um conceito amplo, que vai além do desenvolvimento físico, e envolve alterações de comportamento, mudanças sociais e emocionais. “Temos que levar em consideração todos esses aspectos”, alerta o ginecologista. Para além do acompanhamento fisiológico, a consulta médica é a oportunidade que o especialista tem de avaliar outros parâmetros da vida desses meninos e meninas como a relação familiar, o desenvolvimento escolar e os problemas que são comuns para a idade como o uso de álcool, drogas, a relação sexual desprotegida. “Saber o que está acontecendo com o adolescente é ação preventiva”, afirma Leite.
Esse é o ponto de maior desafio para os profissionais de saúde que se interessam em cuidar de adolescentes. Como conseguir que esses jovens expressem angústias, desejos e problemas? A dificuldade técnica passa por se criar uma relação médico-paciente adequada. “O profissional tem que ser capaz de criar um vínculo com o paciente. Ele não pode fazer o papel de ponte entre o adolescente e os pais”, salienta Leite. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante ao jovem o direito de ser atendido sozinho, caso seja do desejo dele e independente da presença de pais ou responsáveis. O ECA e o Código de Ética Médica ainda definem como sigilosas as informações dadas nessas consultas.
O acompanhamento da puberdade é importante também para avaliar o desenvolvimento físico e se ele está acontecendo de uma forma adequada. Leite acredita que no período de desenvolvimento puberal, quando as mudanças físicas são mais rápidas - o ideal é que o adolescente se consultasse em intervalo de seis meses. Passado esse estágio, o acompanhamento pode ser anual.
O estudante Pedro Freitas Gibram já está nessa fase. Ele tem 15 anos, gosta de skate e basquete e uma vez ao ano se encontra com o pediatra, o mesmo desde que ele nasceu. A consequência de todo esse tempo de relação é resumida em uma palavra: confiança. Comedido em suas declarações, o garoto não entra em detalhes do tema de suas consultas, mas diz que recebe orientações sobre alimentação e que o seu desenvolvimento físico é sempre avaliado. “Ele sugere que eu coma a cada três horas”, conta. Pedro diz que se sente seguro em ter um acompanhamento, mas observa que a sua experiência não é compartilhada pelos colegas de escola. “Eles não vão com tanta frequência”, afirma.
Exemplos que reforçam os argumentos de especialistas sobre a necessidade de atendimento ao adolescente não faltam. Consultas periódicas podem, por exemplo, identificar uma alteração no ritmo de crescimento. “Se for observada no início, dependendo do diagnóstico, é possível uma intervenção médica para alterar o que poderia acontecer”, explica Leite.
Os profissionais defendem, inclusive, a conscientização de todas as especialidades médicas no encontro com o adolescente. A oportunidade não pode ser desvalorizada. “Todos os que trabalham com saúde têm que conversar com o jovem sobre atitudes preventivas como vacinação, contracepção, uso de álcool e drogas. É um pacote básico e isso seria o ideal”, reforça o ginecologista.
Vacinas
A imunização do adolescente é outro tema que merece atenção. O Ministério da Saúde (MS) disponibiliza para aqueles que têm acima de 10 anos a proteção para doenças como difeteria e tétano, tríplice viral, hepatite B e febre amarela.
Outra vacina importante nessa fase da vida é o HPV. A indicação é que ela seja aplicada a partir de 9 anos. “A informação assusta um pouco os pais porque o HPV está associado a atividade sexual e não faria sentido nessa idade”, explica o médico João Tadeu Leite. Apesar disso, é nessa fase que a reação imunológica é mais efetiva. Inicialmente prescrita só para meninas, o Brasil autorizou a imunização também de meninos, mas a vacina ainda não faz parte do calendário do MS e não é uma vacina barata. Em alguns estados, as secretarias de saúde assumiram a vacinação, mas não é o caso de Minas Gerais.
Adolescência no SUS
Na saúde pública, os exemplos de iniciativas para incentivar e contemplar o atendimento ao adolescente seguem avançando. “Fazemos um grande esforço de transmissão dessa clínica - que não se ampara só nas doenças – na universidade, nos hospitais e centros de saúde”, afirma a coordenadora de medicina do adolescente da UFMG, Cristiane de Freitas Cunha.
Em 2009, o MS lançou as Cadernetas de Saúde do Adolescente e da Adolescente para facilitar a relação médico-paciente. Além de armazenar informações sobre o desenvolvimento físico do jovem, dá dicas de saúde, alimentação, calendário de vacinação e informações sobre as mudanças no corpo.
As cadernetas estão disponíveis na íntegra nos endereços abaixo: