O citomegalovírus humano (HCMV) pertence à família dos herpesvírus, e, como seus similares, está de forma latente na grande maioria da população mundial adulta. Estima-se que esse percentual atinja entre 60% e 90%. Mais perigosa que doenças como a catapora e o herpes, a citomegalovirose pode levar à morte em pouco tempo quando se manifesta em indivíduos que estão com o sistema imunológico comprometido, como recém-transplantados, pacientes com Aids ou submetidos a sessões de quimioterapia. A letalidade não é a única preocupação. Os vírus dessa família, uma vez hospedados no organismo, não são mais removidos. Essa latência foi o objeto de pesquisadores liderados por Michael Weekes, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Ao investigarem como o HCMV se mantinha presente, mesmo sem manifestação, nas células humanas, eles acreditam ter descoberto uma maneira de erradicá-lo do corpo.
Os experimentos foram detalhados na edição de hoje da revista científica Science. Inicialmente, Weekes e sua equipe usaram células humanas cultivadas em laboratório para compreender quais seriam as diferenças moleculares entre as estruturas infectadas pelo HCMV e as que não tiveram contato com o micro-organismo. Por meio de técnicas modernas que permitem estudar quantitativamente as proteínas expressas nas células, os pesquisadores perceberam nas estruturas infectadas uma baixa quantidade da proteína MRP1.
“Essa proteína fica normalmente na membrana da célula, é o que chamamos de transportadora. Ou seja, ela é uma das responsáveis por retirar substâncias tóxicas invasoras, levando-as para fora do ambiente celular”, esclarece a chefe do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo Goes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Jesus da Costa.
Nas células infectadas, os cientistas perceberam também a presença abundante de uma proteína originária de informações do código genético viral. Aos ser infectada por um vírus, a célula passa a armazenar informações genéticas do micro-organismo, que começam a evidenciar as proteínas, mesmo enquanto em estado de latência do vírus. O papel dessas proteínas produzidas continuamente pelas células infectadas não é muito bem conhecido pela comunidade científica, mas imaginava-se que elas participem do processo de manutenção da latência do vírus.
A grande surpresa dos cientistas foi descobrir que os dois processos se relacionavam. “Eles viram que a presença da proteína usada pelo vírus para ficar latente é o que faz com que a proteína da própria célula (MRP1) não seja mais produzida. A proteína do vírus leva à destruição de uma proteína da célula do hospedeiro, mesmo que em latência”, explica Luciana.
Weekes e sua equipe partiram, então, para uma hipótese. Se a célula que tem o vírus em latência não tem a proteína transportadora que a defende do “ataque” de substâncias tóxicas, é possível que, ao injetar essas substâncias, a célula infectada não consiga se defender e morra. Para comprovar essa teoria, eles depositaram uma droga tóxica na células infectadas, que, como imaginado, morreram. “O grande significado disso é que se você quiser eliminar do organismo as células que têm esse vírus em latência, é possível fazer um tratamento com uma droga com esse efeito”, diz Luciana.
Testes clínicos
Mesmo que a pesquisa tenha sido realizada em nível molecular, a professora da UFRJ acredita que os testes clínicos para esse procedimento podem estar próximos. “Ainda é um pouco cedo e preliminar, mas, de repente, o custo/benefício justifica levar isso para um ensaio clínico. Uma porcentagem até razoável de pacientes morre em consequência da reativação desse vírus”, diz. Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Simão destaca que a busca por técnicas de remoção do vírus latente é importante justamente devido às complicações sofridas por pacientes imunossuprimidos – com o sistema imunológico comprometido. “No caso de doenças graves que necessitem de quimioterapia ou de um transplante, ele (o vírus latente) reativa, causa a doença e pode matar o hospedeiro. Na Aids, é devastador, causando lesões no tubo digestivo, nervoso, nas glândulas suprarrenais, no fígado, no pulmão.”
Simão alerta que não são só os indivíduos com o sistema imunológico comprometido que sofrem com a manifestação da doença. Pessoas que não têm esse problema podem apresentar os sintomas da forma benigna da citomegalovirose: dor de garganta, aumento do gânglios linfáticos e do baço, além de uma leve hepatite. “Isso dura cerca de quatro semanas ou um pouco mais. Para esse caso, não fazemos tratamento porque é uma doença autolimitada, que vai desaparecer naturalmente sem precisar tratar.”
O tratamento com drogas específicas para combater a multiplicação do vírus é indicado apenas para pacientes imunossuprimidos. A droga é capaz de frear a reativação viral, mas não chega a erradicar o microorganismo do corpo do indivíduo. “A maioria dos pacientes responde bem à medicação, pelo menos temporariamente. Claro que, se a deficiência imunológica do paciente persiste, ele pode voltar a reativar a doença mais uma vez”, diz o infectologista.
Contágio
A maior parte da transmissão do citomegalovírus humano (CMV) ocorre por via sexual. A estimativa é de que 80% da população chegue aos 30 anos de idade já infectada. O micro-organismo também pode ser transmitido de forma congênita, isso é, a mãe portadora contamina o filho durante o parto ou pela placenta. “Quando ele entra no organismo, alguns podem ter a doença aguda com febre, mas, na maior parte das vezes, não acontece nada. A pessoa se contamina e nem sabe”, explica Marcelo Simão, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Sintomas inexistentes
Segundo a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marise Oliveira Fonseca, o citomegalovírus humano (HCMV) não é o único conhecido por sua latência dentro do organismo hospedeiro. Existem outros micro-organismos que são latentes, como a bactéria Mycobacterium tuberculosis e o protozoário Toxoplasma gondii, que causam, respectivamente, a tuberculose e a toxoplasmose.
Esse período de latência significa que eles estão dentro das células, mas não causam sintomas ou manifestam a patologia, porque entram em equilíbrio com o corpo do hospedeiro. “Eles conseguem entrar em contato com o vírus,oprotozoário ouabactéria e impedir o desenvolvimento de doenças. Ou então, às vezes, as pessoas até manifestam a doença, mas o sistema imunológico consegue combater a infecção”, explica Marise.
O mesmo não ocorre quando o indivíduo tem alguma deficiência no sistema imune. Nessa situação, o vírus pode reativar. “É o que ocorre em pessoas portadoras do HIV. Ela teve contato na infância comocitomegalovírus humano, mas quando a Aids se manifesta, a defesa diminui e a pessoa perde a força do sistema imunológico. O vírus, então, reativa a doença.” Durante a latência, agente infeccioso e hospedeiro estão em um certo equilíbrio. A imunossupressão faz com que o vírus tenha mais força e espaço queosistema imunológico do hospedeiro. O HCMV pertence à família do herpesvírus, assim como a catapora, o herpes simples, genital e zoster. Uma característica desse grupo é que uma vez no organismo ele nunca é removido.
Os experimentos foram detalhados na edição de hoje da revista científica Science. Inicialmente, Weekes e sua equipe usaram células humanas cultivadas em laboratório para compreender quais seriam as diferenças moleculares entre as estruturas infectadas pelo HCMV e as que não tiveram contato com o micro-organismo. Por meio de técnicas modernas que permitem estudar quantitativamente as proteínas expressas nas células, os pesquisadores perceberam nas estruturas infectadas uma baixa quantidade da proteína MRP1.
“Essa proteína fica normalmente na membrana da célula, é o que chamamos de transportadora. Ou seja, ela é uma das responsáveis por retirar substâncias tóxicas invasoras, levando-as para fora do ambiente celular”, esclarece a chefe do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo Goes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Jesus da Costa.
Nas células infectadas, os cientistas perceberam também a presença abundante de uma proteína originária de informações do código genético viral. Aos ser infectada por um vírus, a célula passa a armazenar informações genéticas do micro-organismo, que começam a evidenciar as proteínas, mesmo enquanto em estado de latência do vírus. O papel dessas proteínas produzidas continuamente pelas células infectadas não é muito bem conhecido pela comunidade científica, mas imaginava-se que elas participem do processo de manutenção da latência do vírus.
A grande surpresa dos cientistas foi descobrir que os dois processos se relacionavam. “Eles viram que a presença da proteína usada pelo vírus para ficar latente é o que faz com que a proteína da própria célula (MRP1) não seja mais produzida. A proteína do vírus leva à destruição de uma proteína da célula do hospedeiro, mesmo que em latência”, explica Luciana.
Weekes e sua equipe partiram, então, para uma hipótese. Se a célula que tem o vírus em latência não tem a proteína transportadora que a defende do “ataque” de substâncias tóxicas, é possível que, ao injetar essas substâncias, a célula infectada não consiga se defender e morra. Para comprovar essa teoria, eles depositaram uma droga tóxica na células infectadas, que, como imaginado, morreram. “O grande significado disso é que se você quiser eliminar do organismo as células que têm esse vírus em latência, é possível fazer um tratamento com uma droga com esse efeito”, diz Luciana.
Testes clínicos
Mesmo que a pesquisa tenha sido realizada em nível molecular, a professora da UFRJ acredita que os testes clínicos para esse procedimento podem estar próximos. “Ainda é um pouco cedo e preliminar, mas, de repente, o custo/benefício justifica levar isso para um ensaio clínico. Uma porcentagem até razoável de pacientes morre em consequência da reativação desse vírus”, diz. Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Simão destaca que a busca por técnicas de remoção do vírus latente é importante justamente devido às complicações sofridas por pacientes imunossuprimidos – com o sistema imunológico comprometido. “No caso de doenças graves que necessitem de quimioterapia ou de um transplante, ele (o vírus latente) reativa, causa a doença e pode matar o hospedeiro. Na Aids, é devastador, causando lesões no tubo digestivo, nervoso, nas glândulas suprarrenais, no fígado, no pulmão.”
Simão alerta que não são só os indivíduos com o sistema imunológico comprometido que sofrem com a manifestação da doença. Pessoas que não têm esse problema podem apresentar os sintomas da forma benigna da citomegalovirose: dor de garganta, aumento do gânglios linfáticos e do baço, além de uma leve hepatite. “Isso dura cerca de quatro semanas ou um pouco mais. Para esse caso, não fazemos tratamento porque é uma doença autolimitada, que vai desaparecer naturalmente sem precisar tratar.”
O tratamento com drogas específicas para combater a multiplicação do vírus é indicado apenas para pacientes imunossuprimidos. A droga é capaz de frear a reativação viral, mas não chega a erradicar o microorganismo do corpo do indivíduo. “A maioria dos pacientes responde bem à medicação, pelo menos temporariamente. Claro que, se a deficiência imunológica do paciente persiste, ele pode voltar a reativar a doença mais uma vez”, diz o infectologista.
Contágio
A maior parte da transmissão do citomegalovírus humano (CMV) ocorre por via sexual. A estimativa é de que 80% da população chegue aos 30 anos de idade já infectada. O micro-organismo também pode ser transmitido de forma congênita, isso é, a mãe portadora contamina o filho durante o parto ou pela placenta. “Quando ele entra no organismo, alguns podem ter a doença aguda com febre, mas, na maior parte das vezes, não acontece nada. A pessoa se contamina e nem sabe”, explica Marcelo Simão, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Sintomas inexistentes
Segundo a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marise Oliveira Fonseca, o citomegalovírus humano (HCMV) não é o único conhecido por sua latência dentro do organismo hospedeiro. Existem outros micro-organismos que são latentes, como a bactéria Mycobacterium tuberculosis e o protozoário Toxoplasma gondii, que causam, respectivamente, a tuberculose e a toxoplasmose.
Esse período de latência significa que eles estão dentro das células, mas não causam sintomas ou manifestam a patologia, porque entram em equilíbrio com o corpo do hospedeiro. “Eles conseguem entrar em contato com o vírus,oprotozoário ouabactéria e impedir o desenvolvimento de doenças. Ou então, às vezes, as pessoas até manifestam a doença, mas o sistema imunológico consegue combater a infecção”, explica Marise.
O mesmo não ocorre quando o indivíduo tem alguma deficiência no sistema imune. Nessa situação, o vírus pode reativar. “É o que ocorre em pessoas portadoras do HIV. Ela teve contato na infância comocitomegalovírus humano, mas quando a Aids se manifesta, a defesa diminui e a pessoa perde a força do sistema imunológico. O vírus, então, reativa a doença.” Durante a latência, agente infeccioso e hospedeiro estão em um certo equilíbrio. A imunossupressão faz com que o vírus tenha mais força e espaço queosistema imunológico do hospedeiro. O HCMV pertence à família do herpesvírus, assim como a catapora, o herpes simples, genital e zoster. Uma característica desse grupo é que uma vez no organismo ele nunca é removido.