A pesquisa, realizada pela empresa de consultoria científica Exponent Inc., analisou dados de 24 mil pacientes com osteoartrite no quadril. Eles foram acompanhados ao longo de sete anos e divididos em dois grupos: indivíduos que foram submetidos à cirurgia e os que apenas fizeram tratamento clínico à base de medicamentos para dor. Depois desse período, os cientistas observaram que a mortalidade entre os que aderiram à prótese foi 52% menor. Os riscos de desenvolvimento de diabetes e de depressão também ficaram 40% e 31% mais baixos, respectivamente, se comparados ao outro grupo.
O estudo foi estatístico e não investigou o porquê de os pacientes operados apresentarem indicadores gerais de saúde melhores do que os submetidos apenas ao tratamento clínico. O bioengenheiro Scott Lovald, especialista em avaliação de próteses e principal autor do estudo, porém, tem alguns palpites. “A dor sentida por esses pacientes é muito forte, além de a limitação da mobilidade ser algo que atrapalha muito o dia a dia. Algumas pessoas chegam ao ponto de não conseguir calçar um sapato”, conta. “Por isso, o alívio da dor e a recuperação dos movimentos e da autonomia podem ser responsáveis pelo efeito positivo sobre a saúde dos pacientes”, acredita.
Sem a experiência dolorosa contínua e com a mobilidade readquirida, é fácil entender o motivo pelo qual a depressão atinge menos as pessoas com prótese. Já os índices reduzidos de diabetes e de problemas cardíacos, de acordo com Lovald, podem ser explicados pelo estilo de vida menos sedentário. “Pessoas sem dor tornam-se mais ativas, o que evita a obesidade e diminui o risco de diversas doenças. O coração é um órgão extremamente beneficiado pelo exercício físico.” O chefe de cirurgias protéticas ortopédicas da Universidade da Pensilvânia, Charles Nelson, concorda com o bioengenheiro. “Quando é feita a cirurgia, a mobilidade volta, permitindo e até incentivando os pacientes a se movimentarem mais. Os exercícios são fundamentais para a saúde cardiovascular”, lembra. De acordo com Nelson, diversos estudos relacionam a depressão à diabetes, o que também poderia explicar a associação entre a cirurgia e o risco menor de desenvolvimento da doença.
Apesar dos incrementos na qualidade de vida dos pacientes, a pesquisa também constatou que a cirurgia eleva os gastos do Medicare, o sistema de seguro de saúde mantido pelo governo norte-americano. Ao longo de sete anos, os gastos públicos com pessoas que colocaram a prótese foram de US$ 89.154, cerca de US$ 6 mil a mais do que o do grupo dos demais pacientes que sofrem de problemas degenerativos no quadril. Além de considerar a diferença muito pequena, Nelson aposta nos benefícios financeiros a longo prazo. “Condições como osteoartrite e artrite pioram com o tempo, você não consegue estacioná-las. A tendência é que as pessoas precisem se aposentar precocemente, inchando ainda mais o sistema previdenciário”, acredita.
Scott Lovald também ressalta que o estudo só considerou os gastos diretos, como consultas e hospitalizações, além da cirurgia. “Não entraram os custos de remédios analgésicos, que são caros e de uso contínuo. Pacientes que fazem a cirurgia de prótese de quadril ficam livres da dor e não precisam desses medicamentos, pelo menos não todos os dias. Não tenho dúvida de que os benefícios compensam os gastos iniciais a mais”, afirma. No Brasil, desde o ano passado, o Sistema Único de Saúde oferece a cirurgia à população. Portaria publicada em setembro autorizou repasses de R$ 24,5 milhões por ano para estados e municípios realizarem procedimentos de próteses e órteses, entre ortopédicas, auditiva e oftalmológicas.
Risco de coágulos Como todo procedimento cirúrgico, porém, a prótese de quadril traz riscos. Um deles é a formação de coágulos, que, se viajarem pela corrente sanguínea e chegarem aos pulmões, podem provocar embolia e matar. Outras complicações possíveis são infecções e danos a nervos e artérias. A pesquisa apresentada na reunião da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos indicou que a ocorrência de isquemia e de aterosclerose em até 12 meses após o procedimento é 23% maior em relação ao grupo que não colocou a prótese.
De acordo com o cirurgião cardiovascular John Austin, da Universidade de Nashville, essa associação já era conhecida. O médico é coautor de um estudo publicado na revista científica Jama, no qual foram investigados casos clínicos de pacientes que sofreram desses problemas em consequência da cirurgia. “Em todos os casos que estudamos, a isquemia e a aterosclerose estavam ligadas ao processo de colocação da prótese. A forma como ela é inserida pode danificar importantes vasos sanguíneos”, relata. Segundo Scott Lovald, são necessários mais estudos para descobrir o motivo exato desse aumento no risco. “É importante destacar que apenas uma avaliação médica criteriosa poderá dizer se o procedimento é indicado para o paciente. Exames de imagem sofisticados e o aperfeiçoamento da técnica, contudo, fazem da prótese de quadril uma opção cada vez mais segura”, acredita.
Sob suspeita
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou recentemente, que alguns hospitais credenciados pelo SUS para a colocação de órteses e próteses podem estar cobrando até o dobro do valor registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em entrevista à Agência Saúde, Padilha anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar 20 instituiçõse suspeitas. “O que vamos apurar é se existe superfaturamento na hora da compra pelo hospital ou uma margem muito elevada de recursos que fica para o hospital ou para os profissionais que desempenham essa ação”, disse, na ocasião.
Três perguntas para...
Marcelo Ferrer é ortopedista e traumatologista, especialista em cirurgia do quadril e do joelho do Hospital Santa Lúcia
Quais as indicações para a prótese total de quadril?
As principais indicações são para artrose, uma doença degenerativa da articulação do quadril que pode ser primária, a traumas e doenças do desenvolvimento do quadril, além de fraturas do colo e da cabeça do fêmur.
O procedimento é seguro?
Sim, pois as técnicas estão bastante desenvolvidas e os materiais têm alta durabilidade. Os conhecimentos biomecânicos levaram ao desenvolvimento de próteses que se assemelham à articulação normal, com várias opções de tamanho dos componentes. As superfícies de contato são feitas de materiais com coeficiente de atrito muito baixo, como é o caso das cabeças femorais de cerâmica. As próteses não cimentadas têm superfície porosa em contato com o osso, o que permite a fixação biológica com crescimento ósseo nas porosidades. No caso das próteses cimentadas (utilizadas nas pessoas mais idosas), o avanço é a técnica de cimentação de quarta geração, que permite uma fixação cada vez mais segura da prótese no osso.
Quais os principais ganhos para os pacientes?
Os pacientes ganham uma articulação sem dor, com mobilidade normal, o que possibilita o retorno às atividades da vida diária sem limitações no convívio familiar, social e nas atividades de trabalho. Eles podem fazer caminhadas, praticar exercícios sem impacto e natação.