Saúde

Cientistas apostam em terapias personalizadas contra o câncer

Depois de identificar boa parte das mutações ligadas aos tumores malignos, pesquisadores aplicam as interpretações em estudos que possam viabilizar tratamentos individualizados

Bruna Sensêve

A conclusão do Projeto Genoma Humano, em 2001, voltou o olhar de muito pesquisadores para a compreensão dos fatores genéticos e, mais recentemente, dos efeitos epigenéticos — mudanças na expressão do gene que não envolvem alterações na sequência do DNA — observados no início, no desenvolvimento e no progresso do câncer. Reconhecidamente, o mal tem no seu misterioso e complexo processo de propagação fatores genéticos marcantes. Os primeiros esforços focaram-se na identificação de mutações raras hereditárias com propensão à doença. Hoje, os avanços na tecnologia de sequenciação permitem uma abordagem de genoma completo para examinar as diferenças entre as informações genéticas e a regulação epigenética do DNA do tumor e o do paciente. Com a análise sequencial dos principais tipos de tumores humanos quase completa, os pesquisadores têm, agora, uma tarefa menos “braçal” e mais construtiva de interpretar essa grande quantidade de dados produzidos.


Em edição especial da revista científica Science, os principais especialistas da área examinam como os últimos avanços tecnológicos de sequenciamento genômico foram capazes de moldar o entendimento atual de ação da doença. Os pesquisadores sugerem que, em um futuro não muito distante, o tratamento rotineiro do câncer não deverá incidir sobre o órgão de origem, mas sobre o perfil genômico do tumor responsável pelo mal. A capacidade de “ler” o complexo código incorporado ao organismo do paciente ajudará a identificar as melhores terapias.

Em destaque nessa incessante busca está uma mulher: Elaine Mardis. A pioneira da pesquisa genômica do câncer e codiretora do Instituto Genoma da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, explora como a variedade genética dos tumores individuais, revelada por estudos de sequenciamento, pode trazer problemas ou soluções aos tratamentos. Atualmente, Mardis está envolvida com os estudos do genoma de sete tipos de câncer: de fígado, de cérebro, de mama, de próstata, de pâncreas, de pulmão e no sangue. A cientista explica que os pacientes têm conjuntos diferentes de mutações, mas a esperança é que, pelo sequenciamento de tipos específicos, surjam padrões que revelem um conjunto comum de mutações ou pelo menos os caminhos afetados pela diversidade de mutações. Eles, então, poderiam ser alvos específicos para a terapia.

Segundo artigo publicado na revista Nature em 11 de janeiro do ano passado, os pesquisadores liderados por Mardis produziram o sequenciamento do grupo de células cancerosas de oito pessoas no momento em que cada uma delas recebeu o diagnóstico da doença. O mesmo procedimento foi realizado quando o paciente teve reincidência após a primeira série de quimioterapia. O câncer da recaída surgiu no mesmo rol de células da medula óssea que levou ao problema inicial, mas as últimas células tinham sofrido mutações adicionais. “Fomos os primeiros a mostrar que, de todo o genoma, a quimioterapia teve uma ‘assinatura’ de danos no DNA. O que confirma uma antiga suspeita: ao usar a quimioterapia, podemos estar configurando o paciente para uma recaída por causa da aquisição de novas mutações.”

Diversidade perigosa O peso negativo da diversidade genética do câncer é fruto de pesquisa liderada por Charles Swanton, do Instituto de Pesquisa em Câncer do Reino Unido, e que também foi publicada na Science . Ele acredita que um número crescente de evidências genéticas de que os tumores têm uma mistura heterogênea de células poderá explicar por que os tratamentos contra o câncer falham constantemente. A equipe liderada por Swanton sequenciou o DNA recolhido de diferentes partes do tumor de um paciente renal e os resultados não coincidiram. Alterações genéticas foram compartilhadas por toda a massa original do tumor e até pela metástase que surgiu a partir dele, mas a maioria das mutações estava presente em apenas algumas partes. Das 128 mutações identificadas no paciente, cerca de 33% eram partilhadas por todas as amostras.

Para Swanton, a descoberta sugere que os tumores abrigam diversas populações de células. “Algumas delas poderiam ser resistentes ao tratamento e até começarem a se desenvolver após a quimioterapia. Para mim, isso começa a explicar por que as drogas e terapias param de funcionar em algum momento”, conclui. O nível de heterogeneidade foi semelhante para tumores de outros três pacientes. Algumas partes de um tumor tinham mutações diferentes nos mesmos genes do câncer, mostrando que os subgrupos de células haviam evoluído de um defeito no mesmo gene, mas de forma independente. O pesquisador acredita que a boa notícia do estudo é que algumas mudanças genéticas que levaram ao crescimento do tumor surgiram no início da evolução do problema e persistiram à medida que ele cresceu e se espalhou. “Isso significa que uma droga-alvo nesses genes anormais deve funcionar na maior parte das células cancerígenas”, acredita.

Descobertas mais de 70 alterações

Pesquisadores de mais de 160 grupos de estudo norte-americanos, europeus e asiáticos divulgaram os resultados de um dos maiores estudos internacionais sobre alterações genéticas ligadas ao câncer. Eles conseguiram identificar mais de 70 alterações em regiões do genoma que determinam um aumento considerável das chances de desenvolvimento de tumores malignos na próstata, na mama e no ovário. O trabalho, baseado na comparação do DNA de 200 mil pessoas — metade delas com câncer — , foi detalhado em 14 artigos científicos publicados na Nature Genetics, no The American Journal of Human Genetics, na Human Molecular Genetics e na Plos Genetics.

A descoberta, segundo o grupo de cientistas, permitirá que, em cinco anos, seja possível desenvolver testes de rastreamento de DNA para a prevenção do câncer. Diante de informações mais claras sobre a quantidade de alterações genéticas ligadas aos tumores, eles acreditam que será possível definir o risco individual de câncer, o que facilitará ações de prevenção e de tratamento. “Estamos à beira de conseguir usar o nosso conhecimento dessas variações genéticas para desenvolver testes que poderiam complementar o rastreamento do câncer de mama e levar a um passo mais perto de um efetivo exame de rastreamento do câncer de próstata”, disse Doug Easton, um dos principais autores da pesquisa.

Foram descobertos 49 erros genéticos relacionados ao câncer de mama, mais que o dobro do que se sabia até então — o número total agora é de 76. No caso do câncer de próstata, os investigadores descobriram 26 desvios, subindo para 78 o número de falhas identificadas. Para o câncer de ovário, oito novos erros foram encontrados e somados aos quatro até então conhecidos.