A recente crise em um pequeno canal que separa o Irã e os Emirados Árabes Unidos – o Estreito de Ormuz – acendeu a luz amarela em todos os cantos do mundo. Um conflito no canal de apenas 30 quilômetros de largura pode ser o gatilho para aumentar o preço dos combustíveis em todos os países, uma vez que quase um terço do petróleo comercializado no planeta passa por ali. Esse exemplo ilustra bem como as características geográficas influenciam decisões políticas tomadas pelos governantes e afetam diretamente a vida das pessoas, não importa se você mora em Belo Horizonte, no Vale do Jequitinhonha, em Pequim ou em Nova York.
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Apesar dos avanços tecnológicos acelerados nas últimas décadas, com o poder aéreo e as milhares de utilidades que surgiram com a internet no rompimento de barreiras milenares, a maioria das decisões consideradas por Donald Trump, Vladimir Putin ou Xi Jinping encontram resistência na geografia. Alguns líderes que descuidaram de tais obstáculos impostos pela natureza sofreram duras consequências e viram sua própria população pagar um altíssimo preço – Napoleão e Hitler, por exemplo, minimizaram as dificuldades de atravessar a longa (e gelada) planície que liga a Europa central até Moscou.
“As realidades físicas que sustentam a política nacional e internacional são desconsideradas, com demasiada frequência, tanto quando se escreve sobre história quanto na cobertura contemporânea da mídia acerca dos assuntos mundiais. A geografia é claramente uma parte do 'por que', bem como de 'o quê'. Ela pode não ser o fator determinante, mas com certeza é o mais subestimado”, analisa Marshall.
ENIGMA PUTIN
A obra começa pela Rússia e seu enigmático e polêmico presidente, Vladimir Putin. O maior país do mundo – duas vezes maior que os Estados Unidos, Brasil ou China – tem peças importantes no tabuleiro internacional. E nos últimos anos passou a optar por jogadas arrojadas, algumas vezes consideradas provocações por outras potências.
Uma das crises mais recentes foi a anexação da Crimeia, península ao norte do Mar Negro que até março de 2014 era parte da Ucrânia. A aproximação dos novos governantes ucranianos a partir de 2013 com países ocidentais incomodou profundamente Moscou, que fez um movimento brusco e colocou suas tropas em campo para assegurar o controle da península. “O presidente Putin não teve muita escolha, precisou anexar a Crimeia, que não somente abrigava muitos ucranianos de expressão russa, como, o que é mais importante, tinha o porto de Sebastopol, único e verdadeiro grande porto de águas mornas da Rússia”, analisa Tim Marshall.
Apesar de uma agressão clara à integridade territorial da Ucrânia, que perdeu um território do tamanho da Bélgica, nenhum país se mobilizou para se opor à jogada russa. A dependência dos países europeus da energia russa para aquecer suas casas no inverno explica a imobilidade. Os dutos de gás correm de Leste para Oeste e Putin pode abrir e fechar as torneiras de acordo com seus interesses.
A Rússia está envolvida em outros movimentos importantes da geopolítica global, como o apoio ao governo de Nicolas Maduro, na Venezuela, e disputas de posições estratégicas no conturbado Oriente Médio. Mas a principal preocupação do Kremlin está voltada para seus limites geográficos e seus planos de influência na Europa. Afinal, como lembra Marshall, “não importa se a ideologia dos que estão no controle é czarista, comunista ou capitalista de compadrio, os portos vão congelar e a planície do Norte continua plana. O mapa com que Ivan, o Terrível se defrontava é o mesmo que Putin encara até hoje”.
O REI DO TABULEIRO
A ascensão da China como principal potência econômica do mundo no lugar dos Estados Unidos era anunciada como questão de tempo no início do século 21. Passadas duas décadas, a alternância no pódio ainda não aconteceu. Mas, aparentemente, ela está cada dia mais próxima. Até mesmo estrategistas norte-americanos admitem que a história do século 21 será escrita principalmente no continente asiático, e não mais entre Europa e Estados Unidos.
Habitada há cerca de 4 mil anos, a civilização chinesa registrou em 2017 uma população de 1,38 bilhão de pessoas, um mercado interno extraordinário e com vantagens territoriais estratégicas. Sua maior rival asiática, a Índia, está separada por uma enorme cadeia de montanhas – o Himalaia – que isola tanto militar quanto economicamente os dois países mais populosos do planeta.
A proximidade com a Índia, no entanto, é a razão para uma das maiores disputas da região nas últimas décadas, uma pedra no sapato de Pequim chamada Tibete. Se a China não controlasse o Tibete, seria possível que a Índia tentasse fazê-lo. Isso daria as alturas dominantes – em que uma base militar teria controle enorme de uma grande extensão de terra – e, principalmente, controle de três dos grandes rios que atravessam o território chinês.
A “torre de águas” tem importância estratégica para a China e, mesmo com grande mobilização de atores de Hollywood, do dalai-lama e de vários líderes internacionais pelo movimento Tibete Livre, para Pequim a questão é inegociável. Os chineses não enxergam a questão do Tibete pelo prisma dos direitos humanos, mas pelo prisma da segurança geopolítica e “não aceitarão perder o controle do teto do mundo”.
A expansão econômica das últimas décadas fez com que a China se tornasse a principal parceira comercial de vários países da África e da América do Sul, mas suas principais atenções estão voltadas para questões internas, como a independência de Taiwan (ao mesmo tempo um Estado e província chinesa) e a autonomia de Hong Kong – nas últimas semanas, cresceram manifestações contra o aumento do controle e a repressão coordenada por Pequim.
Os Estados Unidos, maior potência econômica e militar da atualidade, olham com grande desconfiança para os chineses – sentimento que cresce a cada dia desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca. Sem a hegemonia que conquistou no fim do século 20, os Estados Unidos se mantêm como o principal articulador no jogo geopolítico global e investem cada vez mais tempo e dinheiro na Ásia para garantir sua presença na região.
No Norte da Austrália, os EUA instalaram uma base para o Corpo de Fuzileiros Navais e busca espaço estratégico em países como Cingapura, Malásia e Indonésia – que controlam o Estreito de Malaca, principal passagem marítima entre os oceanos Índico e Pacífico. “Todos os dias passam por esse Estreito 12 milhões de barris de petróleo em direção a uma China cada vez mais sedenta. Enquanto esses três países forem pró-americanos, os EUA têm uma vantagem decisiva”, explica Marshall.
UM FUTURO QUE NUNCA CHEGA
Onde Brasil e América Latina se encaixam nesse disputado tabuleiro geopolítcio? Para Tim Marshall, as perspectivas não são boas diante dos obstáculos físicos e do atraso econômico dos latinos. Muitos analistas, líderes empresariais e professores apostaram na região como a mais promissora no início do século 21. Mas não demorou para que as apostas fossem revistas e as expectativas sobre o potencial latino (e brasileiro) foram rebaixadas significativamente.
“O México está se transformando numa potência regional, mas sempre terá suas terras incultas e desertas ao Norte, as montanhas a Leste e Oeste e as florestas ao Sul, todos limitando fisicamente o crescimento econômico. O Brasil deu o ar de sua graça no palco mundial, mas suas regiões interioranas permaneceram isoladas umas das outras. Argentina e Chile, apesar da riqueza em recursos naturais, ainda estão mais distantes de Nova York e Washington do que Paris ou Londres”, analisa o jornalista britânico.
O principal obstáculo apontado pelo autor para que o Brasil assuma um papel de destaque que corresponda com sua grandeza física e de recursos naturais está na falta de infraestrutura. “Um terço do país é floresta, onde é dispendioso, e em algumas áreas ilegal, conseguir lugar apropriado para a habitação humana moderna. (…) Quando se olha para muitas cidades litorâneas a partir do mar, em geral há um enorme penhasco se elevando atrás dela. É preciso construir estradas serra acima e sobre ela até a próxima cidade”, descreve.
Segundo Marshall, a falta de ferrovias e a quase inutilidade dos rios que cortam o território brasileiro são os entraves que explicam as limitações do comércio do país e o alto índice de pobreza. Quando um quarto da população de uma nação vive de forma miserável, é difícil que o Estado se torne rico. Isso não significa que o Brasil não seja uma potência em ascensão, mas significa que essa ascensão será limitada.
TRECHOS DO LIVRO
“O mundo industrializado teme o efeito do fechamento de Ormuz possivelmente durante meses seguidos, o que resultaria numa escalada dos preços. Essa é uma das razões por que tantos países pressionam Israel a não agir (contra o Irã).”
“Como falta ao Brasil uma planície litorânea, para conectar suas maiores cidades costeiras, é preciso construir estradas serra acima e sobre ela, até a área urbana seguinte, e então descer novamente. A falta de estradas modernas decentes é agravada por deficiência semelhante de linhas férreas.”
“A China já substituiu os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, e pode fazer o mesmo com vários outros países da América Latina."
PRISIONEIROS DE GUERRA
De Tim Marshall
Zahar
283 páginas
R$ 54,90
R$ 37,90 (e-book)