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Saiba quais são os filmes de Hollywood lançados há 80 anos que continuam influenciando o cinema mundial


O ano de 1939 é considerado emblemático na história do cinema. Uma pesquisa recente, realizada pelo YouGov, instituto internacional de pesquisa de mercado, sediado no Reino Unido, o elegeu como o ano de ouro da filmografia mundial. Embora seja também tristemente lembrado como marco inicial da 2ª Guerra Mundial, é o período de clássicos absolutos nas telas. "A indústria do cinema vivia um período de ascensão nos anos 1930 e o ápice foi 1939. O sistema de produção em Hollywood ganha força muito grande. Tudo é pensado em larga escala. Os estúdios dominavam o sistema desde a produção, passando pela distribuição, até as salas de exibição. A Europa em conflito fez com que os grandes estúdios norte-americanos se desenvolvessem ainda mais.
Mesmo num contexto complicado, o cinema é o lugar de reconstruir, de ressignificar a autoestima", analisa Bruno Hilário, gerente e curador de cinema da Fundação Clóvis Salgado (FCS).

A vasta produção desse ano caracteriza um amadurecimento da indústria cinematográfica hollywoodiana, que se firmou como um dos mais importantes meios de entretenimento de massa da década de 1930, a primeira do cinema falado. A popularidade dos estúdios, as condições técnicas favoráveis e a grande inventividade dos diretores permitiram o aprimoramento narrativo da linguagem e um apuro estético que marcam o imaginário do público até os dias de hoje. São desse ano os títulos No tempo das diligências, com John Wayne; O corcunda de Notre-Dame, com Charles Laughton; O morro dos ventos uivantes, de William Wyler; Carícia fatal (baseado na obra Ratos e homens, de John Steinbeck); e A mulher faz o homem, de Frank Capra.

Outras duas obras-primas da sétima arte se inserem neste contexto: O mágico de Oz, lançado em agosto de 1939, e E o vento levou, que chegou aos cinemas quatro meses depois. Além de serem do mesmo ano, outras coincidências marcam esses filmes. Os dois foram produzidos pelo mesmo estúdio, a MGM, (apesar de E o vento levou ter contado com a parceria da Selznick International Pictures, do visionário produtor David O. Selznick), foram dirigidos pela mesma pessoa: o consagrado diretor Victor Fleming. (Fleming teve que abandonar as filmagens de O mágico de Oz para trabalhar em E o vento levou.
E quem rodou grande parte das cenas foram Mervyn Leroy e King Vidor.) Além disso, as duas produções se originaram de livros. E o vento levou, de Margaret Mitchell, lançado em 1936, se tornou best-seller. As semelhanças não param por aí. Os protagonistas ficaram imortalizados justamente pelos personagens que interpretaram nesses clássicos: Judy Garland, como Dorothy, e Vivien Leigh e Clark Gable na pele do inesquecível casal Scarlett O’Hara e Rhett Butler.
 

 
"São duas superproduções que representam dois gêneros que se desenvolviam na época e que são fundamentais nesse sistema de estúdio de Hollywood: o musical e o melodrama épico", comenta Ana Lúcia Andrade, professora de cinema da Escola de Belas Artes da UFMG. Ela acrescenta que naquele cenário os EUA se solidificaram como polo do cinema industrial exportando e construindo um padrão de narrativa e de realizações de filmes que se tornou referência. "É nessa conjuntura que o cinema se consolida como entretenimento popular que vai se perpetuar, de certo modo, até hoje com uma qualidade ímpar, excelentes interpretações, grandes profissionais sejam atores, diretores, técnicos e que vai influenciar tantas cinematografias ao redor do mundo", frisa.

‘‘NÃO HÁ LUGAR COMO O NOSSO LAR’’

Baseado no livro infantil homônimo de Lyman Frank Baum, lançado em 1901, em que a garota Dorothy é capturada por um tornado no Kansas e levada a uma terra fantástica habitada por bruxas, um espantalho falante, um homem de lata e um leão covarde, que anseiam por um cérebro, um coração e coragem, respectivamente, O mágico de Oz pôs definitivamente Judy Garland no rol das grandes estrelas hollywoodianas. O papel na verdade seria de Shirley Temple, atriz mirim em destaque na época. No entanto, Temple não conseguiu porque não sabia cantar.
Judy, então com 16 anos, teve que usar bandagens e corseletes para esconder os seios durante as filmagens, já que Dorothy era apenas uma menina.

"Esse filme foi um marco em vários aspectos. Seja a história, a trilha, os personagens carismáticos, a fotografia e foi um dos primeiros a ter experiência de technicolor. Aquela coisa de começar preto e branco e de repente se tornar colorido foi impactante. A visualidade e a estética dele ainda impressionam", enfatiza Bruno Hilário. Ele ressalta que mesmo sendo uma história de fantasia, o espectador norte-americano se reconheceu ali e conseguia tirar lições para continuar seguindo, apesar do contexto desfavorável. "O universo de esperança que contamina o mundo está presente ali. A icônica frase da Dorothy – "Não há lugar como o nosso lar" – carrega os valores da vida, da família, da casa", diz.

Não se pode falar em O mágico de Oz sem citar seu tema, Over the rainbow, apontada pelo American Film Institute como a melhor canção de filme da história do cinema. A canção também virou uma espécie de hino do movimento gay. "Judy Garland também se tornou um símbolo e uma defensora dos direitos LGBT, assim como sua filha Liza Minnelli", pontua Bruno.

‘‘AFINAL, AMANHÃ É UM NOVO DIA’’

Enquanto a doce Dorothy defendia que “não há melhor lugar do que o nosso lar”, a mimada e altiva Scarlett apregoava: “Jamais sentirei fome novamente” ou “afinal, amanhã é um novo dia”. "Tanto as mensagens de O mágico de Oz quanto as de E o vento levou têm muito a ver com o espírito da época.
Querem trazer um fio de esperança, de que é preciso seguir em frente. A ideia de um respeito aos "bons valores" que queriam ser passados para o espectador da época, de certa maneira, se reflete até hoje. Os dois são filmes que trabalham com uma série de narrativas que ainda são utilizadas e conseguem o envolvimento do espectador. Trazem personagens fortes, sequências marcantes, bem encenadas, bem construídas e utilizando com muita propriedade os recursos fílmicos. Eles carregam as principais características que vão formar esse cinema de entretenimento", defende Ana Lúcia Andrade.

Retratado no Sul dos EUA do século 19, E o vento levou narra a história da temperamental Scarlett O'Hara (Vivien Leigh), filha do proprietário de uma plantação, e sua perseguição romântica a Ashley Wilkes (Leslie Howard), que é casado com a prima dele, Melania Hamilton (Olivia de Havilland, aliás, única do elenco ainda viva e que completou 103 anos no começo de julho), e seu casamento subsequente com Rhett Butler (Clark Gable). A história se passa durante a Guerra de Secessão e da reconstrução dos Estados Unidos, e é contada a partir da perspectiva dos sulistas brancos.

"Ainda é a maior bilheteria do cinema se você atualizar os números para os dias atuais. O longa é um épico e tem um arco dramático incrível; talvez um dos mais bem construídos da história do cinema. Tem um personagem feminino extremamente forte, tanto que deu a Vivien Leigh o seu primeiro Oscar. Foi um filme grandioso em tudo, mas acredito que aquele modo de estrutura não seria mais viável hoje em dia. No entanto, sem a experiência de produções como E o vento levou não teríamos Titanic, Avatar ou Vingadores", frisa Bruno.
 

 
RACISMO EXPLÍCITO

O longa-metragem entrou para a história também por ser o primeiro em que um ator negro ganhou o Oscar.
Hattie McDaniel, que interpretou a empregada Mammy, levou a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Ela também foi a primeira negra a ir à premiação como convidada e não como servente – os organizadores do Oscar tiveram que pedir autorização especial para que McDaniel pudesse comparecer ao evento, pois o edifício onde a cerimônia ocorreu não permitia a entrada de afrodescendentes. "A ideia de racismo que tem no filme foi amenizada pelo fato de ter dado o primeiro Oscar a um negro. Mas o curioso é que durante a cerimônia, Hattie McDaniel não teve tanto destaque e nem ficou próxima dos protagonistas Vivien Leigh e Clark Gable (a atriz desceu do palco com o troféu e voltou para sua mesa, em uma área separada, exclusivamente para os negros, próximo da cozinha e longe da mesa da equipe do filme)", observa a professora de cinema Ana Lúcia Andrade.

A pesquisadora ressalta que há sim uma discriminação mesmo que velada em E o vento levou e que Hollywood tentava parecer politicamente correto e liberal – assim como toda a América –, mas só até a "página 2". "Não acho que seja um filme tão racista como O nascimento de uma nação, por exemplo. Mas os negros em E o vento levou poderiam ter uma expressividade e um valor diferenciados. O filme não aborda com a dignidade que seria preciso. Se ele fosse feito hoje, certamente seria revisto", opina Ana Lúcia.


5 CURIOSIDADES

O MÁGICO DE OZ

1- O filme custou cerca de US$ 2,7 milhões, o mais caro produzido até a década de 1940. Apesar de o sucesso da obra vigorar até os dias de hoje, na época o longa foi considerado um fracasso de público, faturando apenas US$ 3 milhões.

2 - Diferentemente dos filmes de hoje, que usam e abusam dos cenários em CGI, O mágico de Oz foi todo rodado num gigantesco estúdio. O set de filmagens era tão grande e detalhado que a MGM usou nove câmeras para rodar o longa. Muitas delas, aliás, eram escondidas em árvores, arbustos e vasos, para fazer close-ups e takes mais fechados.

3 - Na época em que foi rodado, a tecnologia não ajudava e os diretores e produtores precisavam ser extremamente criativos. Assim, para fazer o furacão do início do longa – que leva a casa de Dorothy (Judy Garland) para Oz –, a equipe responsável pelos efeitos especiais usou uma meia-calça para dar vida 
ao tornado.

4 - Uma lenda que envolve o filme é uma possível relação entre as cenas com o disco The dark side of the moon, da banda Pink Floyd. Algumas pessoas asseguram, 
inclusive, que se ouvirmos o disco ao mesmo tempo em que assistimos ao filme, as cenas e as músicas se encaixam perfeitamente.

5 - Por muito pouco o personagem do Leão Covarde não foi interpretado por um animal real. A MGM queria muito usar o leão símbolo do estúdio como protagonista e que fosse dublado, tendo uma participação reduzida. A ideia acabou não vingando e, então, o ator Bert Lahr entrou em cena. A fantasia usada por ele era feita de pele de leão e pesava 90 quilos.


E O VENTO LEVOU

1- Hattie McDaniel, primeira negra da história a ganhar um Oscar, teria feito dois pedidos em seu leito de morte (ela morreu em 1952, vítima de câncer de mama): que fosse enterrada no Hollywood Forever Cemetery e que sua estatueta do Oscar fosse doada para a Howard University.

2 - Apenas o segundo pedido foi atendido, mas a estatueta já não se encontra mais na universidade. O troféu está sumido desde o começo dos anos 1970 e várias teorias rondam sobre seu paradeiro, como a de que um grupo de estudantes teria pego o prêmio, que estava exposto no departamento, e jogado no Rio Potomac em protesto contra o assassinato de Martin Luther King Jr., em 1968.

3 - Em 2011, a historiadora W. Burlette Carter conduziu um estudo de um ano e meio para tentar descobrir o paradeiro do Oscar de Hattie. Uma das conclusões é de que o troféu apenas foi guardado e está "perdido" em algum lugar nos arquivos dentro ou fora da universidade. Carter ainda descobriu que a universidade não tem nem mesmo um registro sobre ter recebido a estatueta.

4 - Foram entrevistadas 1.400 atrizes para o papel de Scarlett O’Hara: o maior teste de atrizes da história do cinema. Dessas, 400 foram selecionadas para fazer uma audição. Gastaram-se US$ 92 mil para o penúltimo teste, com as 90 atrizes classificadas. Duas foram escolhidas para a seleção final: Paulette Goddard e Vivien Leigh, que acabou ficando com a personagem que a imortalizou.

5 - Entre as atrizes cotadas para o papel estavam grandes estrelas de Hollywood, como Katharine Hepburn, Joan Crawford e Bette Davis, que chegou a ser convidada, mas recusou por achar que teria que contracenar com Errol Flynn, que terminou também não fazendo parte do elenco.
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