O jornalista e escritor mineiro Maurício Lara lança Réstia de alho, seu décimo livro. Natural de Esmeraldas, Lara trabalhou como repórter, editor e produtor em rádio, jornal e televisão, assessorou instituições públicas e privadas, atuou como professor de jornalismo e atualmente é diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia. Carlos Herculano Lopes, escritor e também jornalista, que assina a orelha da obra, chama a atenção para a fina sensibilidade do ficcionista e do repórter para compor o romance. O próprio autor explica: "Talvez possa ser dito que valho-me da experiência de repórter e das vivências para criar as histórias do romance".
Influenciado por nomes como Jack London, João Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Fernando Sabino, José Saramago e Franz Kafka, entre outros, Lara conta a história de um fazendeiro, Joca Ferrão, um homem rude (dono de uma ternura tensa conjugada a uma brutalidade nata), que tem dois postos de observação em sua vida: a janela da sala da casa simples, de onde ele vê o curral, o pasto, suas vacas (ali ele vê seu mundo externo); e o porão de sua fazenda, com cheiro de alho que ele colhe e armazena. Ali ele tem um saxofone, comprado clandestinamente de um caixeiro-viajante, que Ferrão sopra sem conseguir tirar nenhum acorde.
O porão é seu mundo interno, ou subterrâneo, onde estão suas dúvidas, desejos, fantasias, dores e perguntas. Ali ele vive fantasias, reencena frustrações, enquanto convive com um terrível segredo, que Maurício vai revelando aos poucos, como só sabem fazer os melhores ficcionistas. Dentro da casa, o que restou da família, depois que a maioria dos filhos foi viver a própria vida: a mulher, Joana, uma filha solteira, Isabel, com um filho aleijado, Dito, cujo pai ninguém conhece, e que trota de quatro pela casa e pela fazenda “feito um bicho, misturado a cavalos, vacas, galinhas e passarinhos”.
“O que é ser feliz?”. É a grande pergunta que se fazem os personagens, que ainda esperam pela grande resposta. Maurício não procura, não é seu intento sugerir ao leitor nem um tipo de verdade, ele não busca explicações. Se elas existem, cabe unicamente ao mesmo leitor descobri-las, aos poucos, aos trancos, diante dos absurdos e dos abismos que se abrem diante dos cenários idílicos.
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Os poucos encontros e os inevitáveis e assombrosos desencontros são sempre toscos e mal-arranjados. Nenhuma peça se encaixa nesse jogo estranhamente belo, contudo. Joca Ferrão tinha “os olhos fracos e cansados”. O seu saxofone representa, talvez, com o seu formato único (as tais volutas barrocas), a própria estranheza da existência, que fascina e mete medo. Os fatos, através da memória, nunca se reordenam da maneira que queremos.
O silêncio, se isso é possível, é o maior e mais importante protagonista do livro. A trama oscila entre acordes dissonantes (mudos) de um saxofone. Maurício nos leva a um desfecho feito de mistérios, um desfecho surpreendente. O escritor parece sugerir que é preciso maestria para encontrarmos o equilíbrio quando lidamos com ingredientes poderosos e marcantes como a solidão, o medo, o desamparo que nos serve, que nos achincalha de forma nada sutil, e sempre desorienta. O coração humano é mais complexo e indecifrável que pensamos. Abrir as portas, abrir os porões deste “palácio”, desta Babel de labirintos, pode trazer consequências e suscitar mais perguntas que respostas.
*André di Bernardi é jornalista e poeta
TRECHO DO LIVRO
“Joca olhou para o instrumento com a pouca luz que entrava por frestas das toras de madeiras que sustentavam o paio e formavam as paredes do porão. Pegou-o novamente nas mãos. Encantou-se com os botões, com o bocal, com a delicadeza das curvas. Alisou a peça como se fosse o corpo tenro de uma mulher, mesmo usando seus dedos de pele grossa e pouco delicada.
RÉSTIA DE ALHO
De Maurício Lara
Editora Quixote%2bDo
186 páginas
R$ 49,90
Lançamento: amanhã, às 11h, na livraria Quixote – Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, BH .