A música move Mariana Enriquez. Uma das atrações da 17ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a jornalista e escritora argentina conta que escutou “muito rock feminino” enquanto escrevia o novo romance, Este é o mar (Intrínseca). Canções de Sharon van Etten, PJ Harvey, Cat Power, Lana Del Rey e do Hole de Courtney Love (citado em epígrafe) impulsionaram a escrita de “uma pequena fábula de rock estrelando mulheres em um mundo imaginário, com ambientes reconhecíveis, mas irrealistas”, como define a autora em entrevista ao Pensar. O título do livro também guarda conexão musical. Trata-se de uma citação de This is the sea, álbum da banda escocesa The Waterboys, objeto de culto com músicas como The whole of the moon e Fisherman's blues. Bem distante da atmosfera de terror realista dos contos de seu livro anterior, As coisas que perdemos no fogo, o fantástico Este é o mar representa a confirmação da versatilidade e do talento narrativo de Enriquez. Sobre a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde dividirá mesa, no próximo domingo, com o compositor e tradutor Bráulio Tavares, ela diz: “Sei que a cidade é muito bonita. Espero me divertir, conhecer escritores e livros”.
Como surgiu o novo romance?
Eu escrevi, ao mesmo tempo que as histórias, como uma fuga ou jogo. Estou especialmente interessada em escrever sobre terror e estou interessada em política, mas não é tudo o que faço ou o que me fascina, nem como escritora nem como pessoa. Eu li muitos quadrinhos, especialmente Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison, e sou fã do rock e de sua mitologia. Eu queria, para sair do clima denso das histórias, escrever uma pequena fábula de rock estrelando mulheres em um mundo imaginário, com ambientes reconhecíveis, mas irrealistas. Nem sequer acontece na América Latina.
Além do formato, quais as diferenças mais evidentes entre As coisas que perdemos no fogo e Este é o mar?
O mais claro é o tom e, claro, o gênero. As coisas são histórias do que eu chamaria de terror realista, marcado pelo gótico, pela política e pela realidade social, especificamente a Argentina. Este é o mar é um romance fantástico, menos sombrio, sem elementos de terror e influenciado pela mitologia, rock e mitos antigos.
Como escritora, o que a atrai no universo do rock? Quais os nomes que mais a fascinam? Algum argentino entre eles?
Música acima de tudo. Eu escrevo com música, é uma grande influência na minha escrita e na minha literatura. E também mitologia: acho que o rock é o último mito do século 20, com suas narrativas épicas, seus mártires, seus heróis, sua estética. Eu sou fascinada por Nick Cave, Dirty Three, The Jesus & Mary Chain, Prince, Rolling Stones, Suede, Manic Street Preachers, Bruce Sprinsteen, Dylan, Iggy Pop, Cat Power, David Bowie, The Slits, Joan Jett, Sharon van Etten, PJ Havey, Kate Bush, Debbie Harry, Courtney Love, Nina Simone... Muitos. Em geral, não escuto rock em espanhol. Parece um pouco esnobe, mas é verdade. Portanto, não argentino em particular, embora eu goste de Spinetta, She Devils e Los 7 Delfines.
A expectativa dos fãs para um encontro com o ídolo James Evans rende uma das passagens mais impressionantes do livro. Descrever as reações das fãs, sem julgá-las, foi um dos objetivos de Este é o mar?
Não julgo os fãs. Eu entendo eles. Parte da escrita foi guiada pelo desejo de reivindicá-los, incluí-los no fenômeno como parte fundamental e dar-lhes um lugar que nada tinha a ver com zombaria ou desprezo.
Consegue enxergar conexões entre Este é o mar e a literatura fantástica latinoamericana?
Acho que há uma influência de Borges nas manipulações do mito – quando eu estava escrevendo, pensei em uma história como A casa de Asterión – então acho que é na tradição do Rio da Prata, mas com elementos pop contemporâneos.
Você seria a pessoa mais indicada para criar a lenda de Mike Scott? Teria interesse em escrever a biografia do líder dos Waterboys?
Eu era fã dos Waterboys e ele parece um personagem fascinante. This is the sea é um dos meus álbuns favoritos e é por isso que escolhi o título uma vez que decidi que Helena e as Luminosas eram criaturas marinhas. Mike Scott tem que ser escrito por alguém escocês, eu não sou a pessoa certa, ele é um artista muito local e muito influenciado pelo seu ambiente e pela história e música do seu país.
Como a atividade jornalística alimenta a sua ficção?
Nem tanto, eu acho. Talvez pelo estímulo constante de ter acesso a informações e objetos culturais; sou muito curiosa. Em geral, tomo elementos da realidade na minha ficção, mas depois os distorço. Acho que o jornalismo exige responsabilidade: com a verdade, com os leitores. A literatura de ficção, por outro lado, é – deve ser – irresponsável e eu gosto dela assim.
O que conhece e aprecia na literatura brasileira?
Conheço menos do que gostaria. Gosto de clássicos como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, gosto muito de Adélia Prado, (Ronaldo) Correia de Brito, Ana Paula Maia, Luiz Ruffato. Eu quero ler (mas não sei se eles já foram traduzidos) Antônio Xerxenesky e Santiago Nazarian. Acho que vou gostar muito.
Onde está o terror na América do Sul nos dias de hoje? No sobrenatural, no cotidiano ou em todas as partes?
Especialmente no cotidiano.
Trecho do livro
“Era verdade que James estava cansado. Porém, sem a intervenção de Helena, chegaria à velhice, apesar da asma e da cocaína. Ela havia pensado bastante e decidira que transformá-lo em viciado seria bastante tedioso. Pouco a pouco, seguindo os conselhos de Violeta – que provocara com tanto sucesso a úlcera fantasma de Kurt Cobain – fazia James perder o fôlego. As garotas adoravam. Era espantoso ver o quanto queriam vê-lo doente ou morto, tendo em vista que, a princípio, elas o amavam mais que tudo. Em uma semana, Helena planejava que James fosse parar no hospital. Estariam em São Paulo, o que garantiria uma boa cobertura de imprensa.”
Este é o mar
De Mariana Enriquez
Intríseca
R$ 29,90
Como surgiu o novo romance?
Eu escrevi, ao mesmo tempo que as histórias, como uma fuga ou jogo. Estou especialmente interessada em escrever sobre terror e estou interessada em política, mas não é tudo o que faço ou o que me fascina, nem como escritora nem como pessoa. Eu li muitos quadrinhos, especialmente Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison, e sou fã do rock e de sua mitologia. Eu queria, para sair do clima denso das histórias, escrever uma pequena fábula de rock estrelando mulheres em um mundo imaginário, com ambientes reconhecíveis, mas irrealistas. Nem sequer acontece na América Latina.
Além do formato, quais as diferenças mais evidentes entre As coisas que perdemos no fogo e Este é o mar?
O mais claro é o tom e, claro, o gênero. As coisas são histórias do que eu chamaria de terror realista, marcado pelo gótico, pela política e pela realidade social, especificamente a Argentina. Este é o mar é um romance fantástico, menos sombrio, sem elementos de terror e influenciado pela mitologia, rock e mitos antigos.
Como escritora, o que a atrai no universo do rock? Quais os nomes que mais a fascinam? Algum argentino entre eles?
Música acima de tudo. Eu escrevo com música, é uma grande influência na minha escrita e na minha literatura. E também mitologia: acho que o rock é o último mito do século 20, com suas narrativas épicas, seus mártires, seus heróis, sua estética. Eu sou fascinada por Nick Cave, Dirty Three, The Jesus & Mary Chain, Prince, Rolling Stones, Suede, Manic Street Preachers, Bruce Sprinsteen, Dylan, Iggy Pop, Cat Power, David Bowie, The Slits, Joan Jett, Sharon van Etten, PJ Havey, Kate Bush, Debbie Harry, Courtney Love, Nina Simone... Muitos. Em geral, não escuto rock em espanhol. Parece um pouco esnobe, mas é verdade. Portanto, não argentino em particular, embora eu goste de Spinetta, She Devils e Los 7 Delfines.
A expectativa dos fãs para um encontro com o ídolo James Evans rende uma das passagens mais impressionantes do livro. Descrever as reações das fãs, sem julgá-las, foi um dos objetivos de Este é o mar?
Não julgo os fãs. Eu entendo eles. Parte da escrita foi guiada pelo desejo de reivindicá-los, incluí-los no fenômeno como parte fundamental e dar-lhes um lugar que nada tinha a ver com zombaria ou desprezo.
saiba mais
Acho que há uma influência de Borges nas manipulações do mito – quando eu estava escrevendo, pensei em uma história como A casa de Asterión – então acho que é na tradição do Rio da Prata, mas com elementos pop contemporâneos.
Você seria a pessoa mais indicada para criar a lenda de Mike Scott? Teria interesse em escrever a biografia do líder dos Waterboys?
Eu era fã dos Waterboys e ele parece um personagem fascinante. This is the sea é um dos meus álbuns favoritos e é por isso que escolhi o título uma vez que decidi que Helena e as Luminosas eram criaturas marinhas. Mike Scott tem que ser escrito por alguém escocês, eu não sou a pessoa certa, ele é um artista muito local e muito influenciado pelo seu ambiente e pela história e música do seu país.
Como a atividade jornalística alimenta a sua ficção?
Nem tanto, eu acho. Talvez pelo estímulo constante de ter acesso a informações e objetos culturais; sou muito curiosa. Em geral, tomo elementos da realidade na minha ficção, mas depois os distorço. Acho que o jornalismo exige responsabilidade: com a verdade, com os leitores. A literatura de ficção, por outro lado, é – deve ser – irresponsável e eu gosto dela assim.
O que conhece e aprecia na literatura brasileira?
Conheço menos do que gostaria. Gosto de clássicos como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, gosto muito de Adélia Prado, (Ronaldo) Correia de Brito, Ana Paula Maia, Luiz Ruffato. Eu quero ler (mas não sei se eles já foram traduzidos) Antônio Xerxenesky e Santiago Nazarian. Acho que vou gostar muito.
Onde está o terror na América do Sul nos dias de hoje? No sobrenatural, no cotidiano ou em todas as partes?
Especialmente no cotidiano.
Trecho do livro
“Era verdade que James estava cansado. Porém, sem a intervenção de Helena, chegaria à velhice, apesar da asma e da cocaína. Ela havia pensado bastante e decidira que transformá-lo em viciado seria bastante tedioso. Pouco a pouco, seguindo os conselhos de Violeta – que provocara com tanto sucesso a úlcera fantasma de Kurt Cobain – fazia James perder o fôlego. As garotas adoravam. Era espantoso ver o quanto queriam vê-lo doente ou morto, tendo em vista que, a princípio, elas o amavam mais que tudo. Em uma semana, Helena planejava que James fosse parar no hospital. Estariam em São Paulo, o que garantiria uma boa cobertura de imprensa.”
Este é o mar
De Mariana Enriquez
Intríseca
R$ 29,90