Euclides da Cunha é o homenageado da 17ª Festa Literária Internacional de Paraty

Cineasta Glauber Rocha também ganha homenagem. Filme Deus e o diabo na terra do sol será exibido no dia 11, com legenda em inglês

por Bertha Maakaroun 05/07/2019 09:15
'Um dos caminhos da curadoria da Flip desta edição foi entrelaçar as linguagens artísticas. Literatura, música e encenação surgem aqui entremeadas ou fundidas, seja na forma da canção, do slam, da performance, do cinema ou da poesia de cordel', diz Fernanda Diamant, curadora da Flip 2019
(foto: 'Um dos caminhos da curadoria da Flip desta edição foi entrelaçar as linguagens artísticas. Literatura, música e encenação surgem aqui entremeadas ou fundidas, seja na forma da canção, do slam, da performance, do cinema ou da poesia de cordel', diz Fernanda Diamant, curadora da Flip 2019)

Euclides da Cunha (1866-1909) autor da obra clássica Os sertões, é o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), nesta 17ª edição do evento, de 10 e 14 de julho. Publicado em 1902, Os sertões tem origem no trabalho de cobertura jornalística da revolta de Canudos (1896-97), ocorrida no interior da Bahia, que opôs o Exército e o novo governo republicano ao movimento de cunho social, político e religioso liderado por Antônio Conselheiro. Cuidadoso observador tanto do território geográfico quanto da alma humana, Euclides atravessa, nessa monumental obra clássica e fundacional da nacionalidade brasileira, a história do Brasil desde a chegada dos portugueses, passando pela exploração dos bandeirantes, até se deter na violência e na barbárie da campanha contra Canudos que dizimou cerca de 25 mil pessoas.
  
Mais do que nunca atual, Os sertões traça o retrato da violência e do autoritarismo ainda tão característicos do cotidiano brasileiro. “Ele tem um ponto de vista muito fundador no Brasil e que é anterior a toda discussão política atual, mas toca em todos os pontos que a gente precisa discutir”, explica Fernanda Diamant, curadora da Flip. “Está na fundação da República, é anterior à ditadura, à esquerda e à direita, e faz uma avaliação e uma denúncia da barbárie que aconteceu que reverberam até hoje. Ele segue fazendo muito sentido, porque muita coisa não mudou no país”, diz a curadora.

Em articulação da obra literária com a arte cinematográfica, a Flip também homenageará os 80 anos de nascimento do cineasta Glauber Rocha (1939-1981) com a exibição, no dia 11, do longa-metragem Deus e o diabo na terra do sol (1964), na íntegra e legendado em inglês. Embora rodado há 55 anos, o longa se mantém como bússola do cinema e da interpretação crítica do país. Filmado em Monte Santo, na Bahia — referência geográfica e religiosa da região de Canudos e de Os sertões, de Euclides da Cunha. Ao narrar a vida de um sertanejo, em seu conflito com latifundiários, agarrado à esperança das promessas messiânicas e caminhos de elevação ao paraíso, Glauber Rocha marca o Cinema Novo da chamada “Estética da fome”. Além de ser um retrato da violência e do autoritarismo característicos do Brasil, o filme investiga o cangaço e o misticismo, guardando diversas aproximações com a obra do autor homenageado, Euclides da Cunha.

“Um dos caminhos da curadoria desta edição da Flip foi o de entrelaçar as linguagens artísticas. Literatura, música e encenação surgem aqui entremeadas ou fundidas, seja na forma da canção, do slam, da performance, do cinema ou da poesia de cordel”, assinala a curadora Fernanda Diamant, ao discorrer sobre a programação principal, desenhada para retomar temas euclidianos e, em muitos casos, atualizá-los. “Não podemos ignorar, por exemplo, sua visão preconceituosa com relação às raças. Nesta edição, reunimos convidadas e convidados num debate amplo, que oferece perspectivas novas para questões atuais e antigas, na literatura de ficção, na de não ficção, na poesia e em outras formas de arte”, acrescenta.

A programação principal da Flip 2019 terá 33 escritores – sendo 17 mulheres – de 10 nacionalidades. Serão 21 mesas com formatos distintos, incluindo conferência, entrevista e performance artística. Os títulos das mesas fazem referência a pontos geográficos e elementos de Os sertões. José Murilo de Carvalho, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que este ano completa 80 anos e é considerado um dos maiores historiadores em atividade no Brasil, integrará a Mesa 10, Tróia de Taipa, para debater, no dia 12, às 15h30, as questões sobre nação, cidadania, justiça e liberdade. Além de aspectos de sua carreira intelectual, ele dará especial ênfase à pesquisa sobre a revolta de Canudos e o Exército brasileiro.

DEBATES COM AUTORES MINEIROS


Na Mesa Poço de Cima, prevista para dia 13, às 15h30, a mineira de Belo Horizonte Grace Passô, atriz, dramaturga e diretora, terá participação na Flip dividida em duas partes: uma performance seguida de um bate-papo sobre a carreira da artista – que propõe reflexões sobre a relação entre corpo e linguagem. Entre os autores, Ailton Krenak, do Vale do Rio Doce, escritor, roteirista, porta-voz e pensador indígena integrará a mesa 13, Vaza – Barris (O Irapiranga dos Tapuias) ao lado do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa para conversar sobre liberdade e “re-existência”: terras férteis para arte, valorização da cultura e convivência com a diversidade.

Além do destaque à literatura internacional, nacional e produzida em Minas Gerais, a Flip 2019 trará editoras independentes em programação paralela nos eventos na Off Flip, na Casa Paratodxs, que este ano completa três anos em Paraty e homenageará Chico Buarque, contando, entre outras, com as presenças de Bárbara Paz, Martinho da Vila, Yuri Al'Hanati e Walnice Nogueira Galvão. Além de ocupar lacunas deixadas pelas grandes companhias, a editora mineira Relicário estará presente na Casa Paratodxs com várias de suas publicações.

No dia 12, às 14h, o tema será “O que dá nervo ao poema? Pode a poesia filosofar e a filosofia poetizar?”, em conversa com os poetas e professores de filosofia Patrícia Lavelle (autora de Bye Bye Babel e organizadora de O nervo do poema – antologia para Orides Fontela, Relicário, 2018), Daniel Arelli (autor de Lição da matéria e tradutor do livro de poemas de Hannah Arendt a sair em 2020 pela Relicário) e Rafael Zacca (autor de Mini Marx, MegaMao e A estreita artéria das coisas). No dia 13, às 15h, Patrícia Lavalle retorna à conversa sobre autoria feminina na poesia contemporânea: de Orides Fontela aos nossos tempos, com Simone Brantes (Quase todas as noites), Mônica de Aquino (Fundo Falso, Relicário, 2018) e Stephanie Borges (Talvez precisemos de um nome para isso).

No dia 13, às 19h, o tema será “Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século 21" com lançamento do livro (Relicário e Ed. PUC-Rio, 2019) e bate-papo sobre autoria, escrita não-criativa e sampler literário com o autor Leonardo Villa-forte, Flávia Péret (escritora) e Gustavo Silveira Ribeiro (professor do curso de Letras/UFMG).

*Colaborou Nahima Maciel