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Professor analisa poder de militares na república brasileira, de 1889 a 2018

Para aqueles que nasceram depois de 1988, talvez possa soar estranho o processo de reaproximação dos militares do jogo político. De fato, desde a redemocratização se vive o maior período de conformação das Forças Armadas aos quartéis. Basta, no entanto, debruçar sobre a nossa história para atestar que o período vigente era antes exceção do que regra. Assim, faz-se necessária uma breve retomada da relação estreita entre militares e República no Brasil.

Enganam-se os que associam o início do protagonismo dos militares na vida política brasileira ao Império. Figuras como o Duque de Caxias (1803-1880) e o general Manuel Luís Osório (1808-1879), malgrado a participação na política imperial, eram representantes dos dois principais partidos oitocentistas – Conservador e Liberal, respectivamente – e tinham suas atuações políticas circunscritas às disputas partidárias, ou seja, não atuavam como representantes dos interesses da corporação militar. Seria, inclusive, uma singularidade do Império em meio às repúblicas que o circundavam: nestas, os militares foram atores centrais desde o período das independências, contrastando com o perfil dos construtores do Estado brasileiro, em geral composto por bacharéis em direito formados em Coimbra e, após 1830, saídos também das faculdades de direito de São Paulo e de Olinda.

A situação começou a se modificar nos anos finais do Império, sobretudo no ambiente da Escola Militar da Praia Vermelha, na qual as ideias abolicionistas e republicanas ganhavam força. Pela primeira vez, tem-se a elaboração de projetos para o país tecidos no interior dos quartéis. Porém, desde os primórdios havia certa distinção entre os ideais defendidos, deixando às claras que nem mesmo as instituições militares – baseadas na hierarquia e na disciplina – têm uma visão de mundo coesa.
Enquanto generais como Deodoro da Fonseca defendiam melhorias na carreira em busca de uma imagem melhor perante a sociedade civil, sem apostar, todavia, no fim da monarquia, existiam também aqueles que, mesmo minoritários, advogavam que a substituição da monarquia pela república tinha que estar na ordem do dia. Foram estes que, dias antes do golpe que decretaria o fim de 67 anos da monarquia brasileira, tramavam uma conspiração. Selecionaram como líder Benjamin Constant, professor de matemática da Escola da Praia Vermelha, que, ainda que carregasse a patente de tenente-coronel, sempre se viu menos como militar do que como professor.

VISÃO SIMPLISTA
A fraca convicção militar do professor combinava bem com a pouca estima de Deodoro à causa republicana. Como lembra o antropólogo Celso Castro em carta ao seu sobrinho, aluno da Praia Vermelha nos idos de 1888, o general aconselhava-o a se afastar dos burburinhos republicanos, tendo em vista que “República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa”. Sua visão não parece ter mudado no calor dos acontecimentos em 15 de novembro de 1889, quando sugeriu que se buscasse um acordo com dom Pedro II para formação de um novo gabinete – prática enraizada na política do Segundo Reinado –, deixando transparecer que a própria trama republicana não estava bem tecida momentos antes do golpe. Da parte dos jovens oficiais, por sua vez, a convicção republicana não se pautava em um projeto para o país em sua nova fase. Imersos em uma leitura simplista da realidade, supunham que a mera substituição do regime bastaria para estabelecer uma sociedade que deixaria para trás as marcas tradicionalistas em direção a uma sociedade meritocrática.
Sem dúvidas, esse tipo de raciocínio contribuiu para que o protagonismo assumido com o golpe tivesse vida curta.

Como é sabido, depois do governo do marechal Floriano Peixoto (1839-1895), tomariam a cena política as oligarquias estaduais – liderada por São Paulo, embalada pelo boom cafeeiro. Porém, a Primeira República ainda conviveria com agitações nos quartéis, não restritas ao Exército. Duas revoltas pipocaram na Marinha: a de 1893-94 e a Revolta da Chibata (1910). Ao serem contornadas, elas serviram para relegar a instituição a um papel coadjuvante em relação ao Exército. Nos anos de 1920, jovens oficiais do Exército surgiram como outro ator importante de oposição da república oligárquica nos movimentos conhecidos como “tenentismos”, iniciados justamente no ano do centenário da independência.

O TENENTISMO
Mas seria a década seguinte o grande palco das turbulências no Exército. Como ressaltou José Murilo de Carvalho, entre 1930 e 1934, contaram-se 51 incidentes de sublevação envolvendo militares de todos os escalões, com muitos expurgos e aumento significativo no número de ações na Justiça Militar. Somavam-se aos tenentes elementos subalternos: soldados, cabos e sargentos que viam na experiência da revolta militar vitoriosa em Cuba – liderada pelo sargento Fulgêncio Batista – um pilar importante para a pressão por melhores condições de carreira e para reformas na própria sociedade. E a participação desses extratos militares teria vida longa, sendo elemento-chave nos capítulos que antecederam o golpe de 1964.

O oficialato, por sua vez, sempre tratou com desconfiança essas demandas, vistas como perigos maiores do que as revoltas entre seus pares hierárquicos.
Além disso, as noções da Revolução Russa também embalavam os militares mais radicais, que viam a caserna como o local da luta de classes, vertente que ganhou corpo quando o ex-capitão Luís Carlos Prestes (1898-1990) aderiu às fileiras do Partido Comunista do Brasil, em 1931. A Intentona Comunista de 1935 selou a política de “caças às bruxas” aos radicais. Os expurgos, no entanto, também se voltaram contra os generais, que, após 1930, perderam prestígio por não apoiar o então líder da revolução Getúlio Vargas e seus aliados. Caso significativo foi a revolta paulista de 1932, que não pode ser entendida sem levar em conta o papel dos militares que não apoiaram a revolução, como o general Bertholdo Klinger (1884-1969).

Perderia espaço a vertente introduzida pelos alunos que estagiaram no Exército alemão (1906-1912) e os que foram alunos durante a Missão Francesa, na década de 1920, e apostavam na defesa de um Exército profissional, dedicado única e exclusivamente aos assuntos de defesa externa. Alguns legalistas da década de 1920, ajustando suas ideias aos ventos da hora, passaram a coadunar com as tendências reformistas, que não viam com maus olhos a participação do Exército na política, sobretudo em casos de crise.

O general Gois Monteiro (1907-1956) foi um desses. Com rápida ascensão, sua atuação junto ao colega e também general Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) deu a Vargas os parceiros ideais para consolidar seu poder ao longo dos anos 1930. Vargas não o fez, porém, sem levar em conta os planos da caserna, que iam muito além dos reformismos das Forças Armadas: centralização política, resgate de uma política e de uma indústria nacionais, bases para a inserção, no plano educacional, da educação moral e cívica. Todos esses pontos estavam bem explícitos em documento entregue a Vargas por Gois Monteiro nos idos de 1934. Ademais, essas transformações dependiam de um Exército bem organizado, tendo em vista que elas constituem “o instrumento mais poderoso de que dispõe o governo para a educação do povo” e para a “consolidação do espírito nacional”.

ESTADO NOVO
A ruptura entre Vargas e os militares teve início ainda no Estado Novo (1937-1945), mais especificamente nos anos finais, quando a política voltada aos trabalhadores, com a Consolidação das Leis Trabalhistas, tornou-se o carro-chefe da agenda política do presidente. No entanto, o protagonismo dos militares não tinha mais volta.
Nas eleições que reabriram um período minimamente democrático no país, nos idos de 1945, após o impedimento de Vargas participar das eleições de concorrer ao pleito, os dois principais candidatos à vitória eram militares: o brigadeiro Eduardo Gomes e o general Eurico Gaspar Dutra, que, com Gois Monteiro, esteve à frente das reformas pelas quais passou a instituição. Na reta final, com o apoio de Vargas, ganhou Dutra, sendo o segundo militar eleito pelo voto na República brasileira.

Concomitantemente, a ideologia anticomunista ganhava número maior de adeptos no Exército reformado. A partir dela, a instituição se apresentava como a única capaz de vigiar o país da ameaça comunista. Mas essa imagem coesa engana. Basta lembrar que um ponto importante da cisão entre João Goulart (1919-1976) e os militares esteve envolto na atitude de o presidente anistiar as revoltas dos praças, cabos e sargentos que pipocaram nos dias anteriores ao golpe. O desfecho dessa história se deu com o golpe de 1964, quando, na ótica dos militares golpistas, assim como em 1935, os comunistas colocavam as asas de fora. Era preciso, assim, apará-las... Esse processo, que se apresentava à época como algo cirúrgico e pontual, durou 21 anos.

Os que sonhavam com as eleições de 1965 viram o cerco se fechar, sendo o AI-5, assinado em dezembro de 1968, o ponto mais alto da guinada autoritária. Daí pra frente, o Brasil conjugaria os “anos de chumbo” com o conhecido “milagre econômico”. As altas taxas de crescimento camuflavam – para alguns –, o recrudescimento da censura e os pífios resultados na distribuição de renda.

Nos embalos do tricampeonato mundial de futebol e das comemorações dos 150 anos da Independência, o governo do general Garrastazu Médici (1905-1985), que presidiu o país entre 1969 e 1974, empenhava-se em derrotar aqueles que se opunham à ditadura com base em métodos mais radicais.
As Forças Armadas voltavam os canhões para dentro do território nacional para eliminar os “inimigos internos”, colocando em prática as diretrizes que estavam na ordem do dia desde a década de 1950, quando a Escola Superior de Guerra (ESG) traçou uma concepção de desenvolvimento e de segurança nacional adequada aos anos da Guerra Fria.

Durante o período da redemocratização, foi constante a tentativa dos militares de se eximirem de possíveis punições pelos crimes cometidos. A Lei da Anistia (1979) consagrou os intentos de se evitar os “revanchismos”, fazendo com que nossa transição fosse marcada pela permanência dos atores políticos e do Judiciário, fato que contrasta com os outros casos latino-americanos e também com a África do Sul. Não é de se estranhar, nesse sentido, que, após a morte do presidente eleito pelo Congresso, Tancredo Neves (1910-1985), assumiu o cargo de primeiro presidente civil um velho conhecido dos militares, José Sarney, que fora, inclusive, presidente da Arena, partido que dava base ao regime militar.

Contudo, as pressões dos militares não pararam por aí. Durante o debate constituinte houve forte empenho para garantir que a classe militar tivesse um modelo previdenciário próprio, dotado de claras vantagens corporativas. Ademais, conseguiram emplacar o artigo 142 da Constituição Federal, que permite que os militares sejam convocados para realizar funções relativas à segurança interna. Nesse sentido, antes de se recolher aos quartéis, os militares conseguiram concretizar pelo menos três objetivos: minimizar os desgastes com a sociedade civil, manter uma estrutura corporativa de privilégios, e, por fim, tiveram atendida a demanda por um mecanismo institucional que, no limite, deixava espaço para que as Forças Armadas agissem como poder moderador da democracia.

ANTICOMUNISMO
Do ponto de vista da ideologia hegemônica entre os militares, é importante lembrar que, com o fim da União Soviética e da bipolarização mundial, perdeu espaço um de seus principais sustentáculos ideológicos: o anticomunismo. Com a retomada democrática, assim, a principal bandeira das Forças Armadas seria a defesa do território e da soberania, com papel destacado para a proteção da Amazônia, região que, pelo valor inestimável de recursos naturais, deveria se manter afastada da cobiça estrangeira.

No plano da memória histórica, selecionou-se uma data longínqua para o nascimento do Exército: a Batalha dos Guararapes, em 16 de abril de 1648, realizada no contexto da expulsão dos holandeses da capitania de Pernambuco, onde estavam desde 1630. Com uma só tacada, associava-se a fundação do Exército ao século 17 – afastando as lembranças da recém-acabada ditadura – e ao mito fundacional das três raças: a batalha de expulsão dos holandeses tinha, pela primeira vez, colocado lado a lado e em harmonia as três bases étnicas do país – o negro, o índio e o branco.

Ainda que tenham tido êxito em muitos dos seus objetivos no processo de redemocratização, os anos posteriores a 1988, com a ampliação do controle civil, foram marcados pela perda do protagonismo dos militares, que passaram a contar com orçamentos mais enxutos e parcos investimentos para a compra de novos materiais bélicos. Logo no início do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, de 1999 a 2003, no entanto, algumas situações paradoxais começaram a florescer nessa complexa relação dos militares com o mundo civil. Por um lado, em 1999, um passo importante para a democracia brasileira foi posto em prática com a criação do Ministério da Defesa, que, daí até o governo de Michel Temer, teve civis à frente da pasta. Por outro, esse ano marcou, também, a regulamentação da previsão constitucional da Garantia da Lei da Ordem (GLO), que abriu as portas para a atuação das Forças Armadas em diversas situações quando convocadas pelo poder civil.

DIVÓRCIO DO PT
Nos governos petistas, pode-se pensar em flerte entre governo e militares que teve sua lua de mel com o presidente Luís Inácio Lula da Silva e Nelson Jobim, que esteve à frente do Ministério da Defesa entre junho de 2007 e agosto de 2011: aumento do orçamento, início do reequipamento das Forças Armadas e alinhamento em torno da ideia de que o fomento da indústria nacional de defesa era peça-chave para o itinerário de crescimento do país selavam as bases dessa aproximação. Nesse período, a bandeira anticomunista era hasteada por um número irrisório de radicais. O divórcio, porém, não tardaria. Para além da questão de gênero e do passado de luta contra a ditadura militar – que devem ser considerados –, algumas ações de Dilma Rousseuf, chefe do Executivo entre 2011 e 2016, não foram bem-vistas pelos militares e favoreceram a ruptura.

Em primeiro lugar, a instauração da Comissão da Verdade, em 2011, colidiu com a política do esquecimento defendida pelos militares desde a Lei da Anistia. Na visão dos militares, a instauração da comissão abria as portas para a retomada dos “revanchismos”, explicitando a dificuldade da caserna de aceitar qualquer tipo de tutela civil, ainda que seja no âmbito da memória histórica. Além disso, as tensões entre o Planalto e as Forças Armadas aumentaram após a assinatura do Decreto 8.515/15, nos idos de setembro de 2015, na época em que o Ministério da Defesa era ocupado pelo ex-governador da Bahia Jacques Wagner. Em linhas gerais, o decreto previa a modificação no sistema de promoções e reformas nas Forças Armadas que, daí em diante, ficaria a cargo do ministro, saindo da alçada dos comandantes de cada arma. O clima esquentou. Na semana seguinte, assim, o governo voltou atrás e decidiu que o ministro podia delegar essas funções para os comandantes.

Paralelamente, dois fatos merecem ser destacados: a intensificação da utilização das tropas em atividades domésticas e o retorno da ideologia anticomunista. O primeiro ponto foi quando, por meio de uma lei complementar de 2010, foi dada maior amplitude para a atuação das Forças Armadas por meio da Garantia da Lei e Ordem (GLO). Tornou-se cada vez mais comum a utilização das tropas militares para ações voltadas à segurança pública.

SEGURANÇA PÚBLICA
Desta maneira, várias capitais foram tomadas por tropas do Exército, em um processo que segue vivo. No Rio de Janeiro, por exemplo, tornou-se normal a presença desses soldados junto às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), nos calçadões das praias e nas ruas da cidade. Essas ações, por um lado, subvertem a própria finalidade das Forças Armadas e, por outro, ao ensejar um novo formato de atuação, contribuíram para que as tropas mostrassem sua importância mesmo em períodos de vida democrática. Cabe, no entanto, perguntar: em que medida o treinamento militar é condizente com os ditames da cidadania, com a garantia dos direitos dos cidadãos? Tropas para lidar com cidadãos ou com inimigos internos?.

Na visão dos militares, as missões de paz junto à Organização das Nações Unidas (ONU) – sobretudo a missão haitiana (2004-2017) – teriam dado os conhecimentos necessários para essa atuação. Porém, um olhar mais atento aos centros de formação dos militares deixa claro que nenhuma mudança significativa foi feita após 1988, impedindo que valores democráticos adentrassem a caserna. Não choca, assim, que a turma de oficiais formados em 2010 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) tenha selecionado como patrono Garrastazu Médici, considerado um dos mais autoritários presidentes do período militar. Anos antes, na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), fato similar ocorreu: enquanto praticavam treinamentos físicos, alunos entoavam canções a favor de práticas de tortura.

AGITAÇÃO NA CASERNA
A ideologia anticomunista – enfraquecida a partir de 1988 e restrita aos mais radicais durante os governos do ex-presidente Lula – voltou a habitar nas cabeças de muitos militares. Essa retomada está associada a movimentos que, pelo menos desde meados da década de 2000, aprofundam mobilizações antiesquerda no Brasil, como o Instituto Mises e os vários movimentos anticorrupção – para ficar somente com alguns – que levaram multidões às ruas a partir de 2011. Mostrando estar em consonância com eles, as ideias de um suposto “marxismo cultural gramsciano” grassaram para o interior da caserna, não ficando mais restritas às parcelas radicais da corporação.

O livro do general de brigada Sérgio Avelar Coutinho – A revolução gramscista no Ocidente, pode servir de exemplo para o novo avanço do anticomunismo no Exército. Em 2002, ano de sua primeira edição, o livro saiu por uma pequena editora carioca que, entre outros “clássicos”, publicou a obra de um militar argentino que narra as sublevações de grupos de militares insatisfeitos com o fim da ditadura no país. Em 2010, porém, o título pareceu interessar à editora do Exército, responsável pela segunda edição, que teve êxito de tiragens ao longo dos últimos anos.

Essas alterações de rota contribuíram para que o governo de Dilma Rousseuf perdesse apoio nas Forças Armadas. Michel Temer soube aproveitar também essa brecha e não perdeu tempo: buscou aproximação com o general Sérgio Etchegoyen logo no início de 2016. Meses depois, caberia a ele a pasta ministerial do Gabinete de Segurança Institucional. A articulação fica ainda mais nítida quando se nota que, já na primeira semana de governo interino, uma das primeiras ações de Temer foi revogar o Decreto 8.515/15, retirando dos civis a edição de atos relativos ao pessoal militar.

Para contar com o apoio da caserna, os afagos não pararam por aí: além de não incluir os militares no debate acerca da reforma da Previdência, aprovou a Lei 13.491/17, que passa para os tribunais militares o julgamento de crimes cometidos por militares nas missões de segurança pública. Tais medidas surtiram efeito, mesmo que sob o custo alto de alavancar ainda mais o processo de politização dos militares em curso. O ápice, até agora, ficou por conta de uma publicação no Twitter do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no dia em que seria votado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o habeas corpus do ex-presidente Lula. Cabe lembrar, também, que um dos assessores do presidente do STF é um general, o que alarga ainda mais o escopo da presença dos militares nas instituições da República.

DE VOLTA AO PODER
O flerte dos militares com a Terceira República, assim, jogou um balde de água fria em todos que acreditavam que os tempos de militares politizados tinha ficado para trás. Articulada com os movimentos da sociedade, essa nova aproximação nos coloca a pensar na perenidade da tese do cientista político norte-americano Alfred Stepan em seu livro clássico Os militares na política, publicado em português no ano de 1975 pela Editora Artenova, que aponta para o poder moderador como o elo das relações entre militares e civis no Brasil. Para o brasilianista, nesse movimento, a atitude dos civis é tanto ou mais importante que a dos militares. E, segundo pesquisas recentes feitas pelo Instituto Datafolha em novembro de 2018, a aceitação dos militares gira em torno de um terço da população.

O fato se complica com o início do mandato do terceiro presidente militar eleito pelo voto direto: Jair Bolsonaro. A formação dos ministérios está tomada por militares, assim como o segundo escalão do governo. A vice-presidência também não escapa, ocupada pelo general Hamilton Mourão. Mesmo em ministérios que não são ocupados por militares, o auxílio da caserna é bem-vindo, como na pasta da Educação, que o ministro Ricardo Veléz-Rodriguez defendeu que os municípios possam solicitar às Forças Armadas para administrar escolas, fato que pode aumentar significativamente o número de escolas militares pelo país. Os militares, assim, aparecem como um dos alicerces que dão sustentação à coalizão do novo governo. Pouco afeitos aos valores democráticos e resistentes à tutela civil, esse novo flerte pode colocar uma pá de cal na combalida Terceira República.

*Felipe Riccio Schiefler é sociólogo, doutor em ciência política pela UFMG, professor da Universidade Federal de Alfenas. Integrante do Cerbras/UFMG e do Grupo Opinião Pública/UFMG

INDICAÇÕES DE LEITURA

Forças Armadas e política no Brasil, de José Murilo de Carvalho, Zahar Editora
Os militares e a República, Celso Castro, Zahar Editora
O espírito militar, de Celso Castro, Zahar Editora
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