Desde que Clarice Lispector (1920-1977) apareceu no mundo das letras, com o romance Perto do coração selvagem, em 1943, a literatura brasileira nunca mais foi a mesma. Autora profícua de romances, contos, crônicas e cartas, ao longo de décadas, jornalistas, críticos literários, pesquisadores e profissionais da psicanálise têm se debruçado na obra singular e inesgotável da ucraniana naturalizada brasileira.
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As andanças pelo Rio, sem dúvida, influenciaram os trajetos de suas personagens, a exemplo do conto Amor, da seleta Laços de família (1960), em que a dona de casa Ana tem uma desconcertante experiência epifânica – e próxima à do personagem do livro A náusea (1938), de Jean-Paul Sartre – no Jardim Botânico, um dos locais preferidos da autora. Montero não apenas discorre sobre determinados fatos ocorridos na vida de Clarice no Rio, mas traz um levante de envergadura histórica sobre os locais citados no livro.
O itinerário foi dividido em Tijuca, Centro, Catete, Botafogo, Cosme Velho, Jardim Botânico e Leme e incluem mapas e fotografias de época – do arquivo pessoal da autora e registros históricos dos locais frequentados por ela. É um trabalho primoroso e bem-organizado, que convida os leitores a se inteirarem sobre as andanças cariocas a vida urbana da senhora Lispector.
Em entrevista ao Pensar, a pesquisadora Teresa Montero fala sobre como foi organizar um livro fiel ao roteiro dos locais frequentados pela escritora Clarice Lispector no Rio de Janeiro.
Como surgiu a ideia de escrever um livro traçando um mapa de endereços cariocas onde Clarice circulou durante a vida?
O livro é fruto de um passeio que criei há 10 anos. A ideia nasceu em Itabira, cidade natal de Drummond. Quando conheci os Caminhos Drummondianos, fiquei tão encantada ao percorrer a cidade guiada pelos passos do poeta (aliás, Clarice o adorava, eles eram amigos), que logo imaginei o mesmo no Rio de Janeiro. O livro é também uma oportunidade de se fazer o passeio de uma forma não presencial. Ele inaugura um espaço não explorado pelo mercado editorial brasileiro. É o primeiro guia sobre uma escritora brasileira.
Nos últimos anos, Clarice Lispector tem ganho destaque na mídia nacional e internacional e seu público vem crescendo. Como vê esse fascínio sobre a figura e a obra da escritora?
Vejo em várias etapas condicionadas pelas interferências do contexto sócio-político, econômico e cultural.
Você acha que o livro pode ajudar o leitor a se inserir ao universo clariceano?
Sim. Percorrer os caminhos de Clarice no Rio de Janeiro é mergulhar na sua história, entender em que contexto político, social e cultural ela viveu. Houve surpresas na pesquisa, pois descobri, por exemplo, como era a Rua Lúcio de Mendonça, na Tijuca, onde passou a adolescência nos anos 1930. No Bairro do Leme, como era o seu cotidiano, seus caminhos preferidos.
Muitos analisam Clarice como uma autora bastante autobiográfica. Existe realmente esse pacto autobiográfico da escritora com as suas personagens?
Em alguns aspectos, sim, mas é preciso ter cuidado para não se fazer uma leitura rasa desse pacto entre a escritora e seus personagens.
* Márwio Câmara é escritor, jornalista, crítico literário e professor. Autor de Solidão e outras companhias (Editora Oito e Meio).
O RIO DE CLARICE PASSEIO AFETIVO PELA CIDADE
. De Teresa Montero
. Autêntica
. 192 páginas
. R$ 54,90 e R$ 27,90 (e-book).