"Os brasileiros não devem sentir medo, até porque o medo paralisa as pessoas.” É assim, com seu jeito contundente e, ao mesmo tempo, sereno que o escritor Milton Hatoum avalia o país pós-eleições. Apesar de perceber no ar certo temor de parte da população após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), o autor do romance Dois irmãos, adaptado para o formato de minissérie pela Globo, acredita que o sentimento dos cidadãos brasileiros neste momento deve ser precisamente o oposto. “Esse receio é o que eles querem. Subjugar a uma posição pela brutalidade e pelo medo. Assim é o projeto fascista. Esse é o momento de falar as coisas, de se posicionar e de ir para as ruas. Tanto que já têm ocorrido algumas manifestações, protestos.”
Hatoum participa hoje (2) à noite na Casa da Ópera, em Ouro Preto, da mesa “Identidade e território literário”, que terá mediação da jornalista portuguesa Isabel Lucas. O debate faz parte do Fórum das Letras, aberto ontem e que segue até domingo na cidade histórica, tendo como tema “Emergências: literaturas e outras narrativas”.
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Milton Hatoum e João Silvério Trevisan são finalistas do OceanosMilton Hatoum elogia a 'transcrição' televisiva de sua obra, 'Dois irmãos'Cauã Reymond viverá gêmeos em minissérie adaptada da obra de HatoumProfessor alemão compara líderes populistas da 1ª Guerra aos atuais: 'mesmos mecanismos de propaganda'“Olha para você ver a coincidência. Comecei a escrever essa trilogia em 2007. O momento do país era outro. O lugar mais sombrio (nome da trilogia) está aí. O lugar e o tempo.
Nascido no Amazonas, Hatoum morou em Brasília durante a adolescência – período que coincide com o retratado no livro. “Sem minha experiência em Brasília, não poderia ter escrito esse romance. Mas não quis retratar a minha vida. O protagonista e os demais personagens foram construídos e elaborados. Não é um romance político. Ele tem uma coisa que o Mário de Andrade falava, que é a vivência dramática; uma vivência não só do contexto, mas dos impasses do narrador”, explica.
Hatoum acaba de ser indicado como finalista do prêmio de literatura em língua portuguesa Oceanos, com A noite da espera. O resultado do Oceanos será divulgado em 7 de dezembro.
DISCURSO
Assim que Bolsonaro venceu a eleição, no domingo passado, e fez seu primeiro discurso como presidente eleito, Hatoum postou em sua página no Facebook suas impressões. O escritor considerou um “vexame” e de “uma vulgaridade gritante (na forma e no conteúdo)”. Hatoum escreveu: “Antes da fala, o eleito e seus assessores, orando de mãos dadas e olhos fechados, pareciam membros de uma seita religiosa fundamentalista, e não dirigentes políticos de um Estado laico. Não menos vulgares são os assessores e bajuladores que cercam o capitão. Ao ver e ouvir as cenas patéticas da reza e da fala, me lembrei das frases de um conto de Tchekhov: ‘Estou cercado de vulgaridades por todos os lados. (…) Gente enfadonha, vazia… Não há nada mais medonho, mais ultrajante, mais deprimente do que a vulgaridade.
A respeito dessa sua avaliação inicial, o escritor comenta, em entrevista por telefone ao Estado de Minas: “O que critiquei não foi a religião evangélica, mas o fato de você acabar de ser eleito representante de um país e de um Estado laico e começar a orar como se não houvesse pluralidade religiosa no país. Daquela forma, você desrespeita quem é católico, judeu, muçulmano, ateu... O Brasil não tem apenas evangélicos. A religião é algo íntimo. Não se deve fazer uma publicidade em cima disso”.
Hatoum se diz pessimista com relação ao novo governo. Considerando as ideias expressas por Jair Bolsonaro durante a campanha e também sua trajetória política, o autor diz não esperar nada dele. “E menos ainda de seus aliados. Não são poucos os oportunistas de plantão”, lamenta. Com relação à cultura, a descrença é maior. “Eles odeiam cultura.
Apesar do ceticismo em relação ao futuro próximo do Brasil, Milton Hatoum não refez seus planos profissionais. Segue lendo, escrevendo e dando palestras. Está concluindo a trilogia que considera seu projeto de vida. “A literatura não tem o alcance dos artistas populares – músicos, atores e cantores. Mas temos nosso pequeno nicho. A literatura sempre será um espaço de intimidade da inflexão e da imaginação. O que eu puder fazer, mesmo que seja pouco, farei contra qualquer ameaça à democracia e às liberdades.”
FÓRUM DAS LETRAS
Com o tema “Emergências: literaturas e outras narrativas”. Até domingo (4), em Ouro Preto.
Mesa “Identidade e território literário”, com Milton Hatoum e mediação de Isabel Lucas. Hoje (2), às 19h, na Casa da Ópera. Programação gratuita.
Mais informações: www.forumdasletras.com.br..