Os brasileiros não devem sentir medo, até porque o medo paralisa as pessoas.” É assim, com seu jeito contundente e, ao mesmo tempo, sereno que o escritor Milton Hatoum avalia o país pós-eleições.
Apesar de perceber no ar certo temor de parte da população após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), o autor do romance Dois irmãos, adaptado para o formato de minissérie pela Globo, acredita que o sentimento dos cidadãos brasileiros neste momento deve ser precisamente o oposto. “Esse receio é o que eles querem. Subjugar a uma posição pela brutalidade e pelo medo. Assim é o projeto fascista. Esse é o momento de falar as coisas, de se posicionar e de ir para as ruas. Tanto que já têm ocorrido algumas manifestações, protestos.”
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Restaurantes de BH apostam na demanda por comida saudávelLoreena Mckennitt lança o disco Lost souls em Belo HorizonteMarcelo Jeneci traz show com pegada intimista a BHProfessor alemão compara líderes populistas da 1ª Guerra aos atuais: 'mesmos mecanismos de propaganda'Além de falar sobre literatura de modo geral, o autor abordará seu processo criativo, a partir da produção de seu mais recente livro, A noite da espera (Companhia das Letras), primeiro volume da trilogia O lugar sombrio.
“Olha para você ver a coincidência. Comecei a escrever essa trilogia em 2007. O momento do país era outro. O lugar mais sombrio (nome da trilogia) está aí.
Nascido no Amazonas, Hatoum morou em Brasília durante a adolescência – período que coincide com o retratado no livro. “Sem minha experiência em Brasília, não poderia ter escrito esse romance. Mas não quis retratar a minha vida. O protagonista e os demais personagens foram construídos e elaborados. Não é um romance político.
Hatoum acaba de ser indicado como finalista do prêmio de literatura em língua portuguesa Oceanos, com A noite da espera. O resultado do Oceanos será divulgado em 7 de dezembro. “Premiação te proporciona dinheiro, ainda mais para quem vive de literatura, e também é uma forma de divulgação. Mas o mais importante é o leitor atento, o leitor talentoso. Esses são os grandes prêmios. Na verdade, é um prêmio mais para o livro do que para o autor. Fico imaginando a recepção desse livro, que é ambientando na ditadura, neste contexto, com toda essa onda conservadora que paira sobre o Brasil”, diz.
DISCURSO
Assim que Bolsonaro venceu a eleição, no domingo passado, e fez seu primeiro discurso como presidente eleito, Hatoum postou em sua página no Facebook suas impressões. O escritor considerou um “vexame” e de “uma vulgaridade gritante (na forma e no conteúdo)”.
Hatoum escreveu: “Antes da fala, o eleito e seus assessores, orando de mãos dadas e olhos fechados, pareciam membros de uma seita religiosa fundamentalista, e não dirigentes políticos de um Estado laico. Não menos vulgares são os assessores e bajuladores que cercam o capitão.
A respeito dessa sua avaliação inicial, o escritor comenta, em entrevista por telefone ao Estado de Minas: “O que critiquei não foi a religião evangélica, mas o fato de você acabar de ser eleito representante de um país e de um Estado laico e começar a orar como se não houvesse pluralidade religiosa no país. Daquela forma, você desrespeita quem é católico, judeu, muçulmano, ateu... O Brasil não tem apenas evangélicos. A religião é algo íntimo. Não se deve fazer uma publicidade em cima disso”.
Hatoum se diz pessimista com relação ao novo governo. Considerando as ideias expressas por Jair Bolsonaro durante a campanha e também sua trajetória política, o autor diz não esperar nada dele. “E menos ainda de seus aliados. Não são poucos os oportunistas de plantão”, lamenta.
Apesar do ceticismo em relação ao futuro próximo do Brasil, Milton Hatoum não refez seus planos profissionais. Segue lendo, escrevendo e dando palestras. Está concluindo a trilogia que considera seu projeto de vida. “A literatura não tem o alcance dos artistas populares – músicos, atores e cantores. Mas temos nosso pequeno nicho. A literatura sempre será um espaço de intimidade da inflexão e da imaginação. O que eu puder fazer, mesmo que seja pouco, farei contra qualquer ameaça à democracia e às liberdades.”
FÓRUM DAS LETRAS
Com o tema “Emergências: literaturas e outras narrativas”.
Até domingo (4), em Ouro Preto.
Mesa “Identidade e território literário”, com Milton Hatoum e mediação de Isabel Lucas.
Hoje (2), às 19h, na Casa da Ópera.
Programação gratuita.
Mais informações: Fórum das Letras
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