O cinema brasileiro perdeu um de seus grandes entusiastas. Geraldo Veloso (1944-2018) era muitas coisas e fez de tudo relacionado à sétima arte: foi diretor, técnico de som, montador, roteirista, ator, professor, cineclubista, crítico, editor da Revista de cinema, também o responsável pelo programa de TV Cine magazine, da Rede Minas, enfim, simplesmente vivia o cinema com intensidade e entrega raras.
Realizou três longas-metragems – Perdidos e malditos (1970), Homo sapiens (1983) e O circo das qualidades humanas (2000), em parceria com Milton Alencar, Paulo Augusto Gomes e Jorge Moreno. Deixou roteiros inacabados, projetos, centenas de críticas publicadas em jornais e revistas e o livro O cinema através de mim, em que relata, bem ao seu modo, com idas e vindas temporais, associações e digressões em que ele próprio assume: “Sou um narrador selvagem”. Editada pelo Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais, a obra traz casos, ficções e reflexões sobre sua própria vida e revela a visão de mundo impregnada de filmes, atores, amigos e, claro, boa dose de loucura. Ao final, revela claramente sua postura em relação ao livro e à vida: “E aí está. Leiam como puderem e, se for o caso, me corrijam. Me ensinem. O aprendizado é constante e incansável”.
Como Veloso cultivou com generosa entrega as conversas e as amizades, o Pensar convidou amigos e parceiros para registrar (um pouco) a múltipla figura desse “homem do cinema”.
Entrevista
Paulo Augusto Gomes//Diretor e crítico de cinema
Geraldo Veloso participou da realização de mais de 120 filmes e exerceu as mais variadas funções.
Num de seus depoimentos, Veloso disse que, nos últimos 50 anos, não tinha feito outra coisa senão se dedicar ao cinema. É a pura verdade. Dirigiu filmes, escreveu roteiros, montou longas e curtas, fez produção, gravação de som e fotografia. Era completo. Desde quando ele começou, como assistente de direção de Joaquim Pedro em O padre e a moça, de 1965, Veloso mergulhou de cabeça na aventura cinematográfica. Ele foi colega do Henfil no Colégio Estadual e, um dia, disse que estava largando tudo para viver de cinema. Segundo ele me contou, Henfil teria dito: “Você está louco! Vai apostar nisso?”.
Como foi o processo de realização de Perdidos e malditos?
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Naqueles anos de censura pós-AI-5, Perdidos teve distribuição precária, quase sempre em mostras especiais, que atraíam um público restrito. E coincidiu com a saída de Veloso para os Estados Unidos, onde viveu alguns anos, antes de se mudar para Londres (na Inglaterra, conviveu e foi amigo de gente como Caetano, Gil e Maria Gladys). Levou uma cópia do filme e marcou uma exibição numa sexta à meia-noite, em um daqueles cinemas especializados em lançamentos de obras marginais e exóticas, que então proliferavam em Nova York. Para chamar as pessoas, publicou um anúncio no Village Vanguard, no qual Perdidos foi apresentado com seu título americano, Almeida meets Mr. Good Vibes. Nunca perguntei isso a ele, mas tenho a nítida impressão de que foi ele mesmo quem criou esse título. A exibição foi um sucesso e Veloso me contou que o elogio que mais o deixou feliz foi ouvir de um anônimo americano que Perdidos lembrava muito o cinema do mestre Yasujiro Ozu. Hoje, o filme se tornou um clássico do cinema brasileiro. Para mim, um dos 10 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
Homo sapiens é um filme muito pessoal. Como você o avalia na carreira de Veloso?
Homo sapiens nasceu de um projeto de Veloso com o grande Alberto Cavalcanti, para quem ele iria produzir O doutor judeu, que seria o último longa dele.
Como foi o projeto e a feitura de O circo das qualidades humanas, feito em parceria contigo?
O projeto do Circo nasceu por volta de 1998, quando Jorge Moreno, cineasta, trabalhava como diretor da Rede Globo Minas. Fui apresentado a ele por uma prima que trabalhava como sua secretária e Moreno me falou da ideia que tinha de produzir um longa-metragem a ser dirigido por quatro diretores. Ele seria um deles e me convidou para ser outro.