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Organizado por professor da UFMG, livro traz pesquisa inédita do crítico e curador Walter Zanini

Embora a arte contemporânea ainda seja vista com estranheza por boa parte do público, manifestações de vanguarda ou experimentais no Brasil existem desde o início do século 20 e ganharam nova dimensão a partir da década de 1960. Figura central na pesquisa e reflexão sobre a arte contemporânea, seus diversos movimentos e formas de expressão, Walter Zanini (1925-2013) deixou um importante legado: diretor e curador do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) do ano de sua fundação, em 1963, até 1978; curador da Bienal de São Paulo em 1981 e 1983, em que introduziu nomes de referência da produção da época; organizou livros fundamentais e manteve incansável atividade de pesquisa e troca como professor e crítico.

Agora, está sendo publicada outra contribuição essencial para a historiografia da arte brasileira. O livro Walter Zanini – Vanguardas, desmaterialização, tecnologias na arte, organizado pelo pesquisador e professor da UFMG Eduardo de Jesus. Depois de São Paulo, a obra será lançada em Belo Horizonte neste sábado (6), a partir das 11h, na Quixote Livraria e Café. O livro compila a pesquisa de Zanini sobre a imaterialidade na arte, desenvolvida desde o fim da década de 1990. Parte foi publicada em Walter Zanini, escrituras críticas (Annablume, 2013), organizado por Cristina Freire, mas uma reunião mais completa se fazia necessário.

“Recebi cerca de 850 páginas, diversas anotações a mão e um CD com diversos outros arquivos, inclusive uma descrição da pesquisa em um relatório. Era um volume parcialmente estruturado, mas que pouco a pouco foi se expandindo, passando de uma pesquisa acerca da videoarte brasileira para contextos mais amplos e globais”, conta Eduardo de Jesus. A partir desse material, o professor reorganizou os textos, sem interferir na maneira reflexiva de Zanini.
A edição traz apenas comentários em notas complementares para esclarecer determinadas passagens. Dividido em sete capítulos, a abordagem de Zanini é ampla e preciosa por estabelecer relações em épocas distintas, cruzar referências da produção brasileira com o contexto mundial e sedimentar um pensamento crítico sobre arte eletrônica, cinética, videoarte e o uso da tecnologia na arte.

Como percebeu as mudanças do pensamento de Zanini à medida que as tecnologias também se transformavam?

O material que recebi, de dona Neuza Boari, esposa de Zanini, da família e de amigos próximos, deixava claro que Zanini estava muito atento aos contextos artísticos. Ele ativava e experimentava, sobretudo, para associar e mostrar novas conexões, tanto entre as práticas artísticas que ativava quanto nas reflexões que empreendia em torno da história da arte. A expansão da pesquisa se deu em capítulos como nos dedicados à arte cinética e à contribuição do cinema de artista e experimental, entre outros. Ainda em processo, em ambos Zanini tentava traçar rotas e trajetos que pudessem explicar desenvolvimentos da arte atual, como reverberações da desmaterialização do objeto artístico, empreendida nas décadas de 1950 e 1960, levando a uma presença marcante da imagem em movimento e das tecnologias da comunicação. No período em que Zanini trabalhava na pesquisa, ocorria uma mudança no padrão tecnológico. Como historiador, foi em busca das origens em manifestações que, de alguma forma, conseguiam evidenciar as principais linhas de força que passariam a atuar na arte.

A preocupação de Zanini com modelos menos tradicionais e a questão da desmaterialização da arte se mostra já em sua condução como diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP).
Como este projeto do museu se relaciona com as reflexões dele sobre a arte?

Zanini estava entranhado nesse ambiente de passagem entre a arte moderna e seus desdobramentos, nas rupturas e continuidades com a contemporaneidade. No livro, é fácil perceber que as conexões propostas se encaminham e, de certa forma, marcam o pensamento e as atuações de Zanini no circuito da arte, seja no MAC-USP ou nas duas edições da Bienal em que atuou como curador, em 1981 e 1983. O trajeto desenvolvido na pesquisa aponta para uma filiação clara aos processos de desmaterialização, especialmente em relação ao vídeo.

Esta obra evidencia a maneira transversal com a qual Zanini resgata movimentos artísticos do passado, desde o século 19, para traçar as relações com o espaço e a materialidade. Como se articulam essas vanguardas com a arte tecnológica?

Ele retoma um certo trajeto de outros historiadores da arte que investigam o período. O que ele enfatiza, no entanto, são as passagens nas quais a tecnologia, os processos de industrialização e, sobretudo, as tecnologias de comunicação, principalmente no hemisfério norte, passam, de certa forma, a redimensionar as práticas artísticas como mais um vetor nos processos de desmaterialização. Zanini faz uma passagem mais rápida pelos antecedentes no século 19 em movimentos – como a Art Nouveau e o Deustscher Werbunk, seguindo ao Futurismo e abrindo para as vanguardas históricas. São projetos artísticos que iniciam diversas aproximações mais radicais com a tecnologia, chegando posteriormente a outros movimentos e artistas já com obras interativas, performances, videoarte e filmes. Zanini parte sempre dos contextos históricos e abre profícuos diálogos teóricos com curadores e historiadores da arte do século 20, como Lucy Lipard, Rosalind Krauss, Pontus Hultén, Germano Celan e Enrico Crispolti, entre outros.

Como se insere a arte brasileira neste contexto internacional da desmaterialização e do uso de tecnologia?

Zanini dedica especial atenção aos contextos brasileiros, especialmente em relação ao vídeo, mas também aos pioneiros da arte tecnológica, como Palatinik, Mary Vieira e Waldemar Cordeiro.
Zanini atuava com conexões internacionais construídas ao longo do tempo em sua atuação no MAC-USP, já que, desde os anos 1960, tinha colaborações em uma série de instituições, a exemplo do International Committee for Museums and Collections of Modern Art (Cimam). Uma passagem importante, que Zanini detalha no livro, é o convite de Suzanne Delehanty, diretora do Instituto de Arte Contemporânea da Universidade da Pensilvânia, em abril de 1974, para a exposição internacional Video art, a ser inaugurada em janeiro de 1975, na Filadélfia. O convite e as interlocuções com a diretora acabaram por acionar uma primeira onda de produções em vídeo tanto no MAC-USP, em São Paulo, como com artistas no Rio de Janeiro em torno do cineasta Jom Tob Azulay.

Como essa produção foi sendo contemplada e aceita em galerias, exposições e bienais no Brasil?


Zanini comenta de passagem algumas galerias importantes no contexto internacional, como a Howard Wise Gallery, de Nova York, no fim da década de 1960, e que, posteriormente, tornou-se a Eletronic Arts Intermix (EAI), entidade sem fins lucrativos de apoio à difusão do vídeo, ainda em plena atividade (www.eai.org). As exposições mais centrais a partir da pesquisa são detalhadas: The machine as seen at the end of the mechanical art, com curadoria de Pontus Hultén (MoMA, 1968), Information, de Kynaston McShine (MoMA, 1968), e a Expoprojeção (São Paulo, 1973), com curadoria de Aracy Amaral, entre outras. Zanini dedicou dois capítulos densos para a história do vídeo, seus antecedentes na arte e desdobramentos no Brasil, especialmente no contexto da Bienal de São Paulo. No tópico “Bienal, tecnologia, videoarte”, Zanini descreve, ancorado por minuciosa pesquisa no arquivo da bienal, os antecedentes entre 1969 e 1971 da entrada conturbada e mais conhecida do vídeo e da videoarte na 12ª Bienal, em 1973.



WALTER ZANINI – VANGUARDAS, DESMATERIALIZAÇÃO, TECNOLOGIAS NA ARTE


. De Eduardo de Jesus (org.)
. WMF Martins Fontes
. 332 páginas
. R$ 50

LANÇAMENTO

Sábado (6), das 11h às 14h.
Na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077)..