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'Poesias contemporâneas' reúne 25 textos sobre reconfigurações do sensível

Num momento em que o atual governo brasileiro sucateia a educação, e isso em todos os níveis de ensino, é fundamental que professores e pesquisadores continuem resistindo e provando que uma das formas de combate é propor discussões, congressos, ainda que com todas as dificuldades (financeiras), para que a cultura acadêmica não desapareça. Que essas experiências sejam, na medida do possível, transformadas em livro, ganhando assim mais visibilidade, inclusive para outros leitores fora desse ambiente. É o caso do bem-vindo volume Poesia contemporânea: reconfigurações do sensível, organizado por Gustavo Silveira Ribeiro, Tiago Guilherme Pinheiro e Eduardo Horta Nassif Veras.

A coletânea de textos reúne artigos de 25 autores que, em sua maioria, foram apresentados no 15º encontro da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), em 2016, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), instituição que denuncia e luta cotra o descaso com a educação pública no país. É notável e salutar que essa resistência venha da poesia, dos poetas, sobretudo numa época em que o ensino de literatura, que a leitura ou mesmo cursos de letras parecem supérfluos aos olhos de uma sociedade afoita por resultados imediatistas.

Dividida em três seções – O retorno do real, Potências e poéticas do corpo e Novos espaços, outras configurações –, a proposta, para além de suas particularidades, é trazer para o debate contemporâneo o que a poesia e as reflexões sobre ela podem contribuir para repensar o “mundo sensível”, que parece andar adormecido e, pior, intolerante. Vale lembrar que, mais que ideologias, a poesia tem sido desde sempre ferramenta potente para tempos sombrios.

Alfredo Bosi, no ensaio Poesia resistência, nos lembra que “o trabalho poético é às vezes acusado de ignorar ou suspender a práxis. Na verdade, é uma suspensão momentânea e, bem pesadas as coisas, uma suspensão aparente. Projetando na consciência do leitor imagens do mundo e do homem muito mais vivas e reais do que as forjadas pelas ideologias, o poema acende o desejo de uma outra existência, mais livre e mais bela. E aproximando o sujeito do objeto, e o sujeito de si mesmo, o poema exerce a alta função de suprir o intervalo que isola os seres.
Outro alvo não tem na mira a ação mais enérgica e mais ousada. A poesia traz, sob as espécies da figura e do som, aquela realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar”.

Em tempo de ocupações, ocupar o mundo com poesia, com intervenções artísticas, é ocupar o espaço da vida, portanto, também da política. Jacques Rancière, no seu livro A partilha do sensível: estética e política, reforça a indissociabilidade entre arte e política, o que, no horizonte mais próximo, os 24 autores do livro Poesia contemporânea: reconfigurações do sensível – não por acaso em diálogo com o título do livro do filósofo francês –, não deixaram de entrecruzar e apontar semelhanças e diferenças entre a estética e a ética.

A variedade de estudos não se restringe apenas aos interesses teóricos de cada autor, mas pode-se  dizer que, em quase todos, o discurso se impõe em defesa da poesia como lugar de resistência, assim como apontam o papel das pequenas editoras nessa resistência.

ESPAÇO Aliás, não deixa de ser curioso que, dos 25 autores, a maioria optou por estudar poetas publicados por editoras relativamente pequenas. Talvez seja esse o espaço que os poetas contemporâneos têm encontrado como alternativa. Talvez porque a poesia continua sendo para as grandes editoras um biscoito fino que demora a ser digerido. Fato ou não, a poesia resiste!

Se, por um lado, os convidados chamam a atenção para poetas restritos num círculo pequeno de editoras, por outro, ressaltam o valor de autores em franca produção, caso de Tarso de Melo, Ana Martins Marques, Ricardo Aleixo, Marcos Siscar, entre outros. Mas também o leitor encontrará estudos sobre poetas já conhecidos – Haroldo de Campos, Paulo Leminski e Paulo Henriques Britto

O livro traz textos que jogam luzes sobre autores pouco conhecidos.
Um exemplo é a exuberante poeta potiguar Marize Castro, já com longo percurso literário e ênfase no sentimento amoroso, que dialoga com a tradição portuguesa e, no entanto, não é muito conhecida por aqui. No texto “Composto de objetos litigiosos”, o leitor encontrará também poetas de média trajetória. Há uma leitura sobre a poesia de Age de Carvalho. Radicado na Europa há mais de 20 anos, tem diversos livros publicados por aqui e, no entanto, não tem sua devida projeção no Brasil.

Cabe ainda ressaltar os artigos “A perda da terra e a poesia contemporânea brasileira”, “Janela de poesia”, “O signo espesso na poesia de Tarso de Melo”, “O pixo e a invenção da escrita: notas sobre poéticas de muro, página e tela em Belo Horizonte”, entre outros. São fortes exemplos de textos cuja síntese se pode resumir nesse difícil e paradoxal diálogo entre literatura e política na atualidade.


POESIA CONTEMPORÂNEA: RECONFIGURAÇÕES DO SENSÍVEL
• Gustavo Silveira Ribeiro, Tiago Guilherme Pinheiro e Eduardo Horta Nassif Veras (orgs.)
• Quixote %2b Do Editoras Associadas
• 428 páginas
• R$ 52

Mário Alex Rosa é professor de literatura e poeta, artista visual e autor, entre outros, de Via férrea (Cosac Naify, 2013).
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