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Imagens de um Brasil em movimento

Livro lança luzes na cinematografia de um Brasil que insiste em fechar os olhos para o passado

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A memória cinematográfica brasileira acaba de ganhar um de seus mais expressivos documentos. 'Nova história do cinema brasileiro' (Edições Sesc) reúne, em dois volumes, quase 1,2 mil páginas de artigos que recuperam uma trajetória que já soma 123 anos. A obra lança luzes na cinematografia de um país que insiste em fechar os olhos para tempos passados.

Projeto encabeçado pelo professor titular da Unicamp e coordenador do Centro de Pesquisas em Cinema Documentário da mesma instituição Fernão Pessoa Ramos, e pela professora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade Anhembi Morumbi Sheila Schvarzman, o livro vem atualizar, ampliar e revisar conceitos de uma obra canônica para os estudiosos do cinema nacional.

Esgotado há muitos anos, 'História do cinema brasileiro' (1987), organizado por Fernão Pessoa Ramos (coeditado pela extinta Embrafilme), vinha resistindo no meio acadêmico por meio de cópias xerox. “O livro antigo tinha estudos muito bons, outros nem tanto assim. Sobretudo, havia coisas defasadas. A digitalização trouxe novas formas de ver a história”, comenta Sheila, que foi convidada por Fernão há quatro anos para coorganizar a nova obra.



Sobre a revisão histórica, Sheila chama a atenção para conceitos, então utilizados, que caíram em desuso. Um deles refere-se aos “ciclos regionais”, como foram chamados os períodos de produção fora do eixo Rio/São Paulo durante o cinema silencioso. Quando se falava em ciclos regionais, o foco estava em obras de ficção - e a produção do cinema silencioso abrange também obras do chamado cinema de “cavação”, que reúne imagens, propagandas e documentos que eram exibidos nos antigos cinejornais.

 

“Como a noção de ciclo mudou, nós o tratamos como cinema regional”, afirma Sheila, autora do artigo “O cinema silencioso em Minas Gerais (1907-1930)”. No texto, a produção do cineasta Aristides Junqueira (ainda anterior a Humberto Mauro) ganha uma nova leitura. Filho de um coronel da Guarda Nacional de Ouro Preto que chega a Belo Horizonte na época da construção da nova capital, Junqueira é autor de 'Paes Leme' (1907), considerado “o primeiro registro de uma realização em Minas Gerais”, destaca Sheila no artigo.

No texto ela ainda expõe a dificuldade de se estabelecer uma filmografia definitiva de Junqueira.

“Ele é um dos melhores exemplos desse complexo processo de levantamento e compreensão de uma obra, uma vez que viajou bastante pelo Brasil, e os filmes foram deixados com os responsáveis pelas encomendas.”

A perspectiva temporal e as mudanças tecnológicas refletiram diretamente em uma nova visão histórica. “Hoje, os estudos não estão mais centrados exclusivamente em um filme ou em um diretor. Há toda uma história social por trás, fazendo com que o filme em si perca a centralidade.” A nova edição traz ainda mais de um autor escrevendo sobre determinado período, fazendo com que a obra ganhe diferentes olhares, incluindo questões de gênero e raça.

Para a organizadora, o lançamento coincide ainda com uma expansão dos estudos de cinema. “Hoje, existem pelo menos 40 programas de pós-graduação em atividade no Brasil”, observa.

O primeiro volume reúne a produção em várias regiões do país. A partir do cinema silencioso, a obra acompanha a chegada do cinema sonoro, a chanchada, a produção independente carioca dos anos 1930 a 1950, a criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e a função educativa que o cinema ocupou no governo Vargas.

Já o segundo volume tem início com o fim da Segunda Guerra Mundial.
Há artigos sobre o Cinema Novo, o Cinema Marginal, a Embrafilme (sua criação e extinção), a pornochanchada, a retomada e a produção experimental, documental e ficcional da contemporaneidade.

'Nova história' traz textos inéditos e outros datados da primeira versão do livro que foram revisados pelos próprios autores. Neste último caso estão “A chanchada e o cinema carioca”, de João Luiz Vieira, e “A Vera Cruz e os estúdios paulistas nos anos 1950”, de Afrânio Mendes Catani. “As novidades tecnológicas permitiram que esses autores tivessem acesso a mais filmes e a novas formas de pesquisa”, aponta Sheila.

Mas há muito material inédito, inclusive artigos que não entraram na edição em papel. O e-book, que será lançado em breve, terá quatro textos extras. Um deles, de Luciano Ramos, é “Massaini, produtor e distribuidor (1935-1992): um lado pouco conhecido do cinema brasileiro”.

Uma das maiores especialistas na produção do cinema silencioso no país, Sheila assina artigo cujo tema foi sugerido por Fernão. Quase uma provocação, por assim dizer. Em “Cinema brasileiro contemporâneo de grande bilheteria (2000-2016)”, a pesquisadora se debruçou sobre as maiores produções comerciais desse período.


“Foi um desafio, porque, em geral, são filmes para os quais a gente torce o nariz”, afirma ela, que, para escrever o artigo, assistiu às 10 maiores bilheterias de cada ano. A produção é dividida por temas: filmes que tratam a “realidade” (como 'Cidade de Deus', de Fernando Meirelles e Kátia Lund, e 'Ônibus 174', de José Padilha); cinebiografias (como '2 filhos de Francisco', de Breno Silveira, e 'Olga', de Jayme Monjardim); filmes religiosos (de 'Chico Xavier', de Daniel Filho, a 'Os dez mandamentos', de Alexandre Avancini); longas para adolescentes e crianças (como 'Tainá', de Tânia Lamarca); outros que tiveram forte interseção com a produção televisiva (como os filmes protagonizados por Xuxa, Os Trapalhões e os humoristas do Casseta e Planeta); e as comédias, “que foram e continuam sendo o gênero cinematográfico que atrai com regularidade o público para o cinema brasileiro”, destaca a autora no texto.

“Em grande medida, as produções reiteram uma série de preconceitos que vão dar no que chamo de golpe, em 2016. Eu me dei conta de que uma parte daquele cinema estava absolutamente antenada com essa perspectiva”, afirma Sheila, exemplificando com a comédia romântica 'SOS Mulheres ao mar' (2014), que teve uma continuação no ano seguinte.

“É um filme que naturaliza a desigualdade social. Por outro lado, você tem os filmes do Fábio Porchat a mesmo um Vai que cola e Minha mãe é uma peça, que mostram como as coisas já estavam mudando. São filmes que não têm aquele arrivismo. Foi muito interessante (assistir a todos os filmes), pois pude ver um retrato do Brasil se formando”, conclui.

- Foto: LelisNOVA HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO

Organização de Fernão Pessoa Ramos e Sheila Schvarzman.
Edições Sesc
528 páginas (volume 1)
600 páginas (volume 2)
R$ 92 (cada volume)





Assim sobrevivem os clássicos
Mesmo com retração do mercado editorial em meio à recessão enfrentada pelo Brasil, edição e índice de leitura de livros clássicos aumenta. Apelo das narrativas universais e menor custo para as editoras explicam fenômeno


Um enérgico professor de geologia e mineralogia na Paris de 1863 decide partir para uma viagem insólita na companhia do sobrinho órfão.
Um jovem que mata o pai para se casar com a mãe. Homem solitário vaga pelas noites de São Petersburgo no século 19 até encontrar uma mulher. Em 1830, um jovem pobre vai viver com a alta sociedade parisiense. Adolescente órfão escapa de instituição para crianças abandonadas e ganha as ruas de Londres. O duelo entre um ladrão de casaca e um detetive inglês. Esses são alguns dos personagens de histórias clássicas da literatura universal que as editoras brasileiras colocaram no mercado nos últimos anos, apesar da crise do mercado editorial. Em um país com os mais baixos índices de leitura do planeta, a crescente publicação de obras clássicas da literatura universal ou de textos secundários de autores renomados chama a atenção e envolve desde editoras maiores até as pequenas e aquelas que surgiram há menos tempo. São obras publicadas e republicadas ao longo de mais de 100 anos, que ganham novas edições em formatos com capa dura, ilustradas, comentadas, de bolso com acabamento de luxo, entre outras características. São edições para atender um público jovem habituado e ávido pela leitura e que aquece a demanda por esse tipo de livro.

Na outra ponta desse elo entre livros e leitores, no momento de crise, editoras reduzem custos ao lançar projetos com títulos sem exigência de pagamento de direito autoral. “Muitas dessas obras estão em domínio público e, numa época de crise, isso faz a diferença”, observa o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Luiz Antônio Torelli. “O clássico sempre vende, porque são obras mais conhecidas, muitas vezes adaptadas para o cinema e indicadas por professores nas escolas”, acrescenta Torelli, que trabalha com livros desde 1982.

“É preciso ter cuidado com essa questão de não ter royaltie para o autor, porque a editora paga ao tradutor e há uma concorrência muito grande”, pontua Mariana Zahar, diretora-executiva da editora criada por Jorge Zahar em 1957 para editar, de forma pioneira no país, livros de ciências sociais. “São edições que primam pela qualidade. Você vê editoras novas, como a Ubu e a Carambaia, que têm edições lindas e muito bem cuidadas”, afirma Mariana, que é também vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Torelli reforça que fazer reedições de obras clássicas “é mais barato do que fazer a edição de um livro do zero”.

Com o selo da Zahar, os clássicos surgiram no fim de 1999 e início de 2000. Hoje, passados 18 anos, os títulos da literatura universal respondem por 25% das vendas da editora, que no ano passado somaram R$ 18 milhões. “Nossa proposta é atender o público jovem que existe para os clássicos com edição comentada, contextualizada, com capa dura e ilustrada, que é uma porta de entrada para a leitura” comenta Mariana, ao destacar que é um público com perfil de colecionador, que trata as edições com carinho, amor pelo livro.

Esse amor pelo livro é percebido facilmente nas redes sociais, em blogs e canais do YouTube que destacam e dão dicas de leitura referenciando obras que chegam às livrarias, destacando promoções e eventos envolvendo obras clássicas: os booktubers. “Alguns têm um trabalho sensacional para difundir a leitura”, reconhece o presidente da CBL. “É uma geração que consome tanto e-book quanto o livro impresso e é uma geração que tende a ler mais até pelo uso das redes sociais, que é uma forma de linguagem”, avalia a executiva da terceira geração da família Zahar. Mariana confessa o prazer que sente a cada vez que um jovem ingressa no mundo da leitura. “É nosso papel de formação do leitor.”

Além das questões de custos de edição e de mercado consolidado entre os jovens, os temas das obras também explicam o sucesso das publicações. “Para nós, os clássicos tratam de temas universais, como morte, fome, desejo, que são preocupações do homem ainda hoje”, diz Tiago Augusto Araújo Santos, assistente editoral da Edipro, editora especializada na publicação de livros de direito que em 2013 lançou o selo Via Cultura, para a edição de obras clássicas.

“A coleção dos clássicos da literatura universal não é para nós o carro-chefe. Nosso foco está nas obras de ciências sociais, filosofia e direito”, afirma Tiago Augusto. Ele não esconde, no entanto, os números que mostram o acerto da Edipro em criar o selo Via Cultura. No primeiro trimestre, as vendas da Edipro tiveram crescimento de 81% em exemplares, na comparação com igual período de 2017, enquanto as de livros do Via Leitura tiveram expansão de 333% em igual período. Com isso, os clássicos passaram a responder por 7,34% dos exemplares vendidos pela editora este ano, contra uma fatia de 4,07% no ano passado.

O mesmo caminho de rumar para os clássicos foi traçado por outras editoras nos últimos anos. Em 2010, a Companhia das Letras se associou à britânica Penguin Books, que no ano seguinte adquiriu 45% da editora brasileira. Surgiu então a Penguim Companhia para a edição de obras clássicas no Grupo Companhia das Letras, criado por Luiz e Lilia Schwarcz em 1986 para publicar literatura e ciências humanas.

Na mesma época, a Companhia das Letras lançou, em agosto de 2010, o programa de Clubes da Leitura, que estimulam a leitura e tem nos clássicos um manancial rico para as discussões, troca de informações e interpretações das obras nos encontros dos grupos. Hoje, são 67 clubes de leitura, que se reúnem uma vez por mês em 21 cidades brasileiras, com média de 15 pessoas por grupo.

AS OBRAS

Com mais de uma editora publicando a mesma obra em tempos diferentes, os títulos e autores clássicos se multiplicam nos catálogos das empresas. Dos personagens do início deste texto, o enérgico professor de geologia é Otto Lidenbrack, que, com seu sobrinho Axel, parte em uma 'Viagem ao centro da Terra', clássico do francês Jules lançado no início do ano pela Zahar numa edição de bolso de luxo, com texto integral, breve apresentação, ilustrações originais, capa dura e acabamento de luxo.

Já o rapaz que mata o pai para se casar com a mãe é Édipo, personagem da tragédia grega de Sófocles que chegou às livrarias este ano na edição de bolso de luxo da Zahar, com tradução direta do grego por Mario da Gama Kury, capa dura e acabamento de luxo. A edição da tragédia grega 'Édipo Rei' conta ainda com apresentação de Adriana da Silva Duarte, especialista em literatura grega. Este ano, a Zahar lançou, também em edição comentada e ilustrada, 'Três grandes cavaleiros da Távola Redonda', de Howard Pyle, que recontou as aventuras de sir Lancelot, sir Tristão e sir Percival “no tom e no espírito dos romances de cavalaria antigos”, nas palavras da editora.

É também da Zahar a edição da história do duelo do ladrão de casaca com o detetive inglês, que mostra a disputa entre Arséne Lupin, o mais famoso e admirado ladrão de casaca que o mundo já conheceu, contra Herlock Sholmes. A obra com duas histórias escritas por Maurice Leblanc ganhou edição de bolso de luxo, com capa dura. As edições de bolso, lembra Mariana Zahar, foram lançadas em 2010, como forma de reduzir o valor dos livros e torná-los acessíveis ao público jovem.

E logo no primeiro exemplo, 'Alice no país das maravilhas' e 'Através do espelho', clássico de Lewis Carroll, com ilustrações originais de John Tenniel. “Alice foi um sucesso e vendeu 100 mil exemplares”, conta Mariana, ao lembrar que na coleção Clássicos Zahar as edições têm 5 mil livros, um pouco acima da média do mercado - de 3 mil unidades por edição. Em junho, a editora lançou a edição comentada e ilustrada de Jane Eyre, romance de Charlotte Brontë, e neste mês coloca nas estantes a edição de bolso de luxo de 'Quebra-nozes', com duas versões da história, a original do alemão E.T.A Hoffmann e a do francês Alexandre Dumas. Para fechar o ano, duas edições de Mary Poppins estão programadas.

Com a opção de associar temas clássicos a aspectos contemporâneos, a Via Leitura acaba de lançar 'O retrato de Dorian Gray', de Oscar Wilde. Em tempos de culto à estética perfeita e obsessão pela própria imagem em incontáveis selfies, o selo da Edipro traz para as livrarias a história do personagem excêntrico que busca a juventude eterna e, após um pacto, vê seu retrato a óleo envelhecer, enquanto seu rosto permanece jovem. Este ano, a Via Leitura já lançou oito obras, com o selo chegando a 51 clássicos nacionais ou estrangeiros em catálogo.

Criada para publicar clássicos da literatura universal, a Penguim Companhia lançou este ano oito títulos. Os lançamentos mais recentes são dois livros do russo Fiódor Dostoiévski. O primeiro é o do personagem que caminha solitário pelas noites de São Petersburgo. Em 'Noites brancas', Dostoiévski narra o encontro do narrador solitário com uma mulher, a jovem Nástienka, de quem se aproxima. Mas o envolvimento termina na quarta noite, num desfecho inesperado. Também de Dostoiévski, a Penguim lançou, no fim de agosto, 'O eterno marido'.

Ao longo do ano, a editora do Grupo Companhia das Letras colocou nas prateleiras, sempre com edições em brochura e formato pouco maior do que o de bolso, textos clássicos da literatura estrangeira, como 'O vermelho e o negro', obra-prima de Stendhal que conta a história de Julien Sorel, jovem pobre que deixa para trás sua origem provinciana para conviver nas altas esferas da sociedade parisiense nos tumultuados anos de 1830. 'David Copperfield', de Charles Dickens; Julio Cesar, de William Shakespeare; e 120 dias de Sodoma, do Marquês de Sade, fecham as edições de literatura estrangeira. Completa os lançamentos o clássico da literatura portuguesa 'Helena', de Machado de Assis.

ACERVO

Juntas, Zahar e Penguin têm quase 400 títulos de obras e autores da literatura universal em catálogo. Mas o acervo de textos atemporais e que sobrevivem a guerras e crises compõe o catálogo de várias editoras no país. As obras de Charles Dickens, como a história de 'Oliver Twist', o jovem que foge do orfanato e vai para as ruas de Londres onde convive com uma gangue de bandidos até sua redenção, e 'Tempos difíceis', que aborda dilemas da sociedade inglesa do século 19, foram relançados no ano passado pela Amarilys. A editora tem ainda em catálogo, do autor inglês, 'As aventuras de Nicholas Nickleby'.

Com um trabalho gráfico e de acabamento de alta qualidade, editoras novas como Ubu e Carambaia também apostam nos clássicos da literatura. A primeira lançou uma edição crítica de 'Os sertões', de Euclides da Cunha, com capa dura e acabamento fino, e também Macunaíma, o herói sem caráter, clássico de Mário de Andrade publicado pela primeira vez em 1928. Já a segunda lançou 'Memórias de Brás Cubas', de Machado de Assis, e 'A cabana do Pai Tomás - Ou a vida entre os humildes', de Harriet Beecher Stowe.

Certo é que, num mercado que encolheu nos últimos anos, a oferta de obras clássicas da literatura universal se mantém aquecida por um público jovem que se formou lendo livros como 'Harry Porter', da britânica J. R. Rowling, adquirindo assim o hábito de leitura, que é alimentado agora com os relançamentos pelas editoras brasileiras de títulos de referência na literatura brasileira e estrangeira. Nos clássicos, leitores e editores manifestam sua paixão pelos livros.

Desafio de formar novos leitores num país em crise

A maior recessão econômica da história do país imprimiu perdas pesadas para o mercado editorial brasileiro, que viu as vendas de livros despencarem 24% nos últimos três anos, com as editoras deixando de colocar nas prateleiras cerca de 50 milhões de exemplares por ano. “Estou no mercado desde 1982 e nunca vi uma crise como essa”, afirma o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Luiz Antônio Torelli. Além da constatação do impacto nas vendas, Torelli lembra a triste realidade brasileira: o país tem um dos mais baixos índices de leitura do mundo. O mercado esboça reação e busca por novos leitores, mobilizando hoje os envolvidos com a edição de livros no país.

A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, com dados de 2015, revelou que o número de leitores no país cresceu em relação a 2011, passando de 50% para 56% dos entrevistados, que declararam ter lido um livro, integralmente ou em partes, nos últimos três meses. O levantamento, feito pelo Ibope Inteligência para o Instituto Pró-livro, mostra que 104,7 milhões de brasileiros são leitores, enquanto há mais de 80 milhões de não leitores entre a população com mais de cinco anos no país, sendo que entre os 44% de não leitores, 30% disseram nunca ter comprado um livro.

Para mostrar o tamanho do desafio, Torelli lembra que a iniciação ao universo da leitura é feita por indicação, primeiro da mãe e depois do professor, “mas 30% dos professores no Brasil dizem que não leem”. Mesmo entre os que leem, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a média é de apenas 4,96 livros por ano, sendo que 2,43 foram lidos integralmente e 2,53 em partes. Houve avanço em relação a 2011, quando eram 4 livros por ano.

Mesmo diante dessa realidade, Torelli se mostra otimista ao lembrar que a Bienal Internacional do Livro de São Paulo recebeu mais de 700 mil visitantes e teve a participação de 1.500 escolas. “Isso mostra não ser verdade a ideia de que o brasileiro não gosta de ler. A gente (editores e livrarias) é que está deixando de fazer alguma coisa para mudar esse mercado”, afirma o presidente da CBL. Ele informa que a Câmara lançou na Bienal de São Paulo duas cartilhas. Uma para os professores, mostrando como eles podem, mesmo não tendo o hábito da leitura, se valer de filmes do cinema, séries de TV e outras formas de narrativa para incentivar a leitura entre os alunos. A segunda, para os empreendedores que buscam uma opção de negócio próprio e dá orientações sobre como montar uma livraria de rua.

REAÇÃO TÍMIDA

Diante do desafio de ampliar o número de leitores, o mercado editorial brasileiro esboçou reação no primeiro semestre deste ano, com crescimento de 5,24% no volume de livros vendidos e de 9,97% no faturamento em relação aos seis primeiros meses do ano passado. O setor faturou R$ 1,07 bilhão nos primeiros seis meses deste ano, contra R$ 977 milhões em igual período de 2017. Em exemplares, foram vendidos 24,17 milhões de livros, o que representa 1,203 milhão de unidades a mais do que o comercializado de janeiro a junho do ano passado. Os dados são do Painel das Vendas de Livros no Brasil, feito pela Nielsen para o Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel).

“A expectativa é fechar o ano no azul, com aumento na casa de 5% no faturamento”, avalia Ismael Borges, gestor de Bookscan da Nielsen Brasil. Ele observa, no entanto, que o setor acumulava alta de 14% no início do ano, mas esse crescimento caiu para 9% com as quedas nas vendas registradas nos últimos dois meses. Em julho, foram vendidos 2,81 milhões de livros, com queda de 9,28% em relação aos 3 milhões de exemplares comercializados no mesmo mês de 2017. Já no faturamento a queda foi de 3,19%, com a receita caindo de R$ 112,79 milhões em julho de 2017 para R$ 109,19 milhões no mês atrasado.

O presidente do Snel e da editora Sextante, Marcos da Veiga Pereira, observa que além da queda nas vendas e no faturamento, houve redução dos registros no cadastro do International Standart Book Number (ISBN),de 128.784 para 127.888 na comparação de julho de 2017 com julho de 2018, o que indica redução do número de lançamentos. “A crise das principais redes de livrarias no Brasil tem feito o mercado se adequar, com a diminuição do número de lançamentos. Evidentemente, isso tem impacto nas vendas, mas precisamos continuar a trabalhar na valorização do livro para reverter este quadro a médio prazo”, diz o editor, que é neto de José Olympio.

IMPACTO

A reação deste ano não deve apagar as marcas que a recessão deixou nas páginas do setor editorial brasileiro. Em 2017, segundo a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para a CBL e o Snel, o faturamento do setor editorial em 2017 teve queda de 1,9% em valores nominais, registrando o quarto ano seguido de retração. Descontada a inflação, a queda chega a 4,8%. As vendas caíram de R$ 5,27 bilhões em 2016 para R$ 5,17 bilhões em 2017.

Enquanto em 2016 o setor vendeu 427,2 milhões de livros, em 2017 foram 393,28 milhões, ou quase 30 milhões a menos. Essa retração no número de exemplares foi puxada pela queda de 12,99% nas vendas para o governo, enquanto as vendas para o mercado cresceram 2,03%.

O levantamento, feito desde 2006, mostra que em 11 anos o faturamento do setor recuou 21%, o que significa uma perda de R$ 1,4 bilhão. Após a expansão registrada entre 2006 e 2011, quando o faturamento anual chegou a R$ 7 bilhões, as editoras viram as vendas caírem aproximadamente 20% nos últimos três anos.

SEMPRE NA MODA
Veja alguns dos clássicos que tiveram novas edições em 2018

Viagem ao centro da Terra
Zahar (Clássicos Zahar)
Jules Verne
Tradução: Jorge Bastos
280 págs.
Formato: 12cm x 17cm
Capa dura
R$ 39,90

O vermelho e o negro
Penguin Companhia
Stendhal
Tradução: Raquel de Almeida Prado
280 págs
Formato: 12cm x 17cm
Capa dura
R$ 54,90

O retrato de Dorian Gray
Edipro (Via Leitura)
Oscar Wilde
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza
224 págs
Formato: 14cm x 21cm
Brochura sem orelha
R$ 31,90

O morro dos ventos uivantes
Zahar (Clássicos Zahar)
Emily Brontë
Tradução: Adriana Lisboa
480 págs
Formato: 12cm x 17cm
Capa dura
R$ 39,90

Júlio César
Penguin Companhia
William Shakespeare
Tradução: José Francisco Botelho
184 págs
Formato: 13cm x 20cm
Brochura
R$ 23,92

Jane Eyre
Zahar (Clássicos Zahar)
Charlotte Brontë
Tradução: Adriana Lisboa
536 págs
Formato: 16cm x 23cm
Capa dura
R$ 79,90

Noites brancas
Penguin Companhia
Fiódor Dostoiévski
Tradução: Rubens Figueiredo
112 págs
Formato: 13cm x 20cm
Brochura sem orelha
R$ 34,90

Édipo Rei
Zahar (Clássicos Zahar)
Sófocles
Tradução: Mário da Gama Cury
128 págs
Formato: 12cm x 17cm
Capa dura
R$ 29,90

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