O FestCurtasBH se tornou espaço de visibilidade da produção curta-metragista e de discussão sobre o cinema contemporâneo. “Nesta edição, voltamo-nos para o Cinema Negro em consonância com a presença negra, com o debate atual de questões da cultura negra, tanto politica quanto esteticamente”, afirma a curadora Ana Siqueira.
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Mostra Horizonte em Foco exibe cinejornais que documentam expansão de BHOscar terá nova categoria em 2019 para premiar filme mais popularUma das mostras será dedicada à filmografia da cineasta e produtora ganesa-americana Akosua Adoma Owusu. A mostra Tributo a Safi Faye homenageará essa diretora e etnóloga senegalesa.
Heitor lembra que o curta-metragem costuma ser visto como algo menor e, quando é feito o recorte racial nesse formato, a atenção dada a essa filmografia fica aquém da qualidade que eles apresentam. “A mostra permite que possamos assistir, construamos conhecimento em torno desses filmes, incorporemos a estética, a política e as questões propostas. Que saiamos do nosso lugar (cômodo) de espectador”, afirma.
O conjunto coloca uma questão para o espectador: O que estamos vendo e por que estamos vendo?. O curador destaca a importância da reflexão acerca de as razões de certos filmes integrarem um cardápio considerado indispensável. “Os filmes do cinema negro não fazem parte desse cardápio por questão estética, política, econômica, histórica e também racista?”, pergunta.
Como a produção não é pequena, o desafio para Heitor foi selecionar os recortes que comporiam a mostra Cinema Negro: capítulos de uma história fragmentada. “Um desafio foi construir intertextualidade entre os filmes. No processo de seleção, pensei individualmente nos mais variados valores e busquei também as conversas entre os filmes”, avalia.
Democratização
Heitor identificou ciclos, booms e microexplosões dessa produção negra. “Precisamos manter a constância e romper a lógica de interrupções”, diz. Ele identificou, nos últimos anos, aumento exponencial de filmes dirigidos por pessoas negras, principalmente curtas-metragens que são, financeiramente, mais acessíveis. “É resultado da democratização dos meios de produção, com equipamento mais barato, e, sobretudo, por causa da implementação de políticas públicas que transformaram a vida das pessoas negras”, afirma.
“Para continuar celebrando, é necessário que o boom no curta se traduza para o longa. Senão, não vai passar de um ciclo. Tenho mais fé nisso do que expectativa. Não é por conta dos realizadores, que são muito interessantes e múltiplos”, argumenta. A baixa expectativa se deve ao que ele considera como desmonte de políticas públicas, levando ao congelamento do investimento na cultura, na educação e em outras áreas. “Temo o avanço do debate nacional de discurso conservador e refratário ao debate identitário”, avalia.
Ana Siqueira lembra que Heitor Augusto traz à luz manifestos que tentaram intervir no fluxo dessa produção, ensaios e artigos de discussão mais conceitual. “O Heitor fez um trabalho de escavação para mostrar como foi pensado o negro no cinema”, afirma. Ressalta que desafio encontrado pela curadoria se relaciona à dificuldade de preservação dos filmes. “Muitos não foram preservados. Isso é mais agudo no Cinema Negro.
Não há resposta fechada sobre o que é o Cinema Negro. “Não tem uma resposta fixa. É uma resposta em construção. Existem marcadores compartilhados pela maioria dos pesquisadores que fazem parte do campo. O Cinema Negro é feito por pessoas negras, algo da ordem da autoria. Esse é o terreno comum”, diz. A partir desse ponto, há disputas sobre a forma de pensar o Cinema Negro.
O Cinema Negro ainda pode ser considerado algo da ordem da experiência, com filmes que buscam captar a vivência histórica negra. Há corrente que defende que o diretor ou diretora negra são livres para trabalhar com os temas que quiserem, sem que isso represente negação à negritude. “A caracterização de Cinema Negro não é só estética. É uma caracterização política, o desejo de marcar que eu faço Cinema Negro”, diz Heitor. Diante dessas definições, deriva outra pergunta: existe cinema branco?.
Ana Siqueira lembra que, juntamente à questão identitária, o festival debate o que essa produção traz para o cinema formal. “Como tenciona? Como esse cinema faz para trazer outras questões. Olhar para o Cinema Negro é olhar para o cinema”, diz. Ana destaca o quanto a forma é importante no cinema e como a entrada de outros sujeitos que filmam podem tencionar as formas. “Buscamos trabalhos inquietos, com um trabalho formal mais intenso. Nos filmes escolhidos, são indissociáveis forma e conteúdo”, diz.
Um exemplo da inventividade formal do Cinema Negro é o clássico Alma no olho (1974), de Zózimo Bulbul. “Zózimo é pai fundador do Cinema Negro, embora não seja o primeiro realizador. Essa atribuição é dada pela atuação política dele. Alma no olho é um filme absolutamente inventivo em termos formais. É um filme-performance: intervenção em um único espaço cênico e, ao mesmo tempo, é cinema.”
Ana lembra que não se pode cair na armadilha da essencialização na discussão sobre o que é ser mulher, ser negro, mas que, no entanto, esses sujeitos filmam os corpos de outra forma. “Vai mudar como se faz a iluminação. Por exemplo, os diretores de fotografia não sabiam fotografar o corpo negro. Vai afetar a forma como as narrativas são criadas.”
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