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Coleção Editando o editor publica número dedicado ao poeta Guilherme Mansur

Aos poucos vem sendo escrita a história do livro no Brasil. E um dos capítulos centrais dessa narrativa é a complexa figura do editor, capaz de definir padrões, gostos e direções que interferem em profundidade na formação do público leitor. Nesse campo específico, há mais de 20 anos que a coleção Editando o editor, dirigida por Jerusa Pires Ferreira e Plínio Martins Filho e publicada pela Edusp, tem trazido para nosso mercado editorial uma experiência singular e pouco explorada no que se refere a conhecer o que cada convidado pensa do livro e como se tornou editor. Sem conhecer as perguntas, vamos lendo a história de editores importantes como Jacó Guinsburg, Ênio Silveira, Jorge Zahar e Samuel Leon, alguns ainda em atuação no mercado editorial. Uma coleção que prima por um texto por vezes descontraído, inclusive mostrando casos curiosos, que nos levam a pensar que ser editor muitas vezes não é algo que surgiu de forma planejada, mas muito pelo amor que esses autores singulares desenvolveram pelo livro.

A coleção da Edusp chega agora a seu nono volume, e o editor convidado é o ouro-pretano Guilherme Mansur. A escolha é particularmente significativa pela diferença em relação aos outros editores convidados: Guilherme desenvolveu, ao longo de décadas, um trabalho editorial à margem do mercado, não apenas pela opção gráfica adotada, como também pelas reduzidas tiragens e pelos títulos escolhidos. E se dedicou a um campo praticamente marginal nos catálogos das grandes editoras: a poesia. O que “prova” que tamanho não é documento, quantidade não é qualidade.

Com edições primorosas e inusitadas, Guilherme foi constituindo um catálogo de alto valor editorial, objeto de desejo para qualquer bibliófilo.

A variedade, mesmo em um conjunto pequeno de realizações, salta aos olhos. As edições reúnem livros, plaquetes, cartões, cartazes, envelopes, estojos, folhas volantes. Os processos, centralizados na composição em tipos móveis, também fizeram uso de linotipia, clichê e imagens digitais. As letras privilegiadas foram tipos clássicos, como Garamond. Os tamanhos variados dos livros e plaquetes também foram compostos em papéis inesperados ou inovadores, como o emprego de papel artesanal em algumas edições numa época em que ninguém trabalhava assim, ou o papel fantasia para o projeto das Chuvas de Poesia. As edições, por vezes, trouxeram cadernos soltos, em outras, folhas foram grampeadas ou costuradas. O conjunto de textos e autores também deixa clara a orientação editorial de Guilherme: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Paulo Leminski, Josely Vianna Batista, Júlio Castañon Guimarães, Régis Bonvicino, para citar alguns nomes, além de trabalhos do próprio editor.

Todas essas atuações, muito variadas, fazem com que pensemos o quanto a escolha de um editor está também muito próxima de sua biografia.
No caso de Guilherme Mansur, ele cresceu no ambiente de uma gráfica, o que contribuiu de alguma forma para seu gosto e interesse pelo livro, claro; a tipografia, os tipos móveis deram ao menino um amor pelas letras que se vê até hoje em tudo que ele produz. Não à toa, Haroldo de Campos o chamava de tipoeta. É certo que o leitor, ao ler esse novo volume, perceberá que, de fato, o “tipoeta” aparece de forma intimista, em que vida e obra se mesclam nesse tipógrafo-poeta-editor. E que não se limitou ao campo dos livros e plaquetes, ao criar uma ponte entre a tipografia e as artes plásticas com instalações realmente singulares, ou como designer de jornais, como o Suplemento literário de Minas Gerais, sob as editorias de Carlos Ávila e Anelito de Oliveira. Tudo se alinha nas suas falas, cujo roteiro e pesquisa ficaram sob a coordenação da poeta Simone Homem de Mello, que, aliás, organizou de maneira exemplar essa nona edição da coleção.

Os que se interessam pela história dos editores de livros, incluindo aqui livreiros, mas, sobretudo, designers, encontrarão nessa coleção e, em particular, em Guilherme Mansur, uma leitura mais que prazerosa sobre um tipógrafo-poeta que singulariza o passado da tipografia sem, porém, nos dizer que a tecnologia é que vai salvar a tipografia de caixa. Aliás, vale muito apoiar e chamar a atenção das instâncias políticas e da iniciativa privada no sentido de contribuírem para concretizar um dos sonhos de Guilherme: criar em Ouro Preto – cidade tão importante para a história do país – um instituto tipográfico. Fica a sugestão.

*Mário Alex Rosa é professor de literatura, artista visual, poeta, autor de Via férrea (Cosac Naify, 2013)
*Ronald Polito é historiador, tradutor, ensaísta, poeta, autor de Ao abrigo (Scriptum, 2015)
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