Quem são Cássia e Maria, as protagonistas da série? De onde vem a força que as move?
Cássia e Maria são mulheres contemporâneas, que se veem diante de uma grande perda: o sumiço e morte de Nonato. Cássia, mais madura e com uma história ligada à cidade de sertão, que ela teima em tentar esquecer, acredita que o caminho para que o culpado da morte do filho seja punido é a via da legalidade. Já Maria, mais jovem, explode diante da inércia da polícia e da justiça e escolhe o caminho à margem. Gradativamente, se transforma numa espécie de “cangaceira”. A força que as move é o amor e desejo de viver em um país menos injusto. Mas Maria, cega de ódio, termina por incorrer nos mesmos erros dos algozes do seu irmão. Cássia, embora atormentada pelo presente e pelo passado, decide que é necessário permanecer em Sertão para proteger a filha. Duas mulheres, um único desejo e duas escolhas tão díspares.
Quais as principais diferenças entre Onde nascem os fortes e seus trabalhos anteriores?
Guimarães Rosa, que emprenhou o sertão de crise existencial, diz que o “Sertão é quando menos se espera. (...) Sertão é o sozinho. (...) Sertão: é dentro da gente.” Só isso já é uma alegoria para centenas de novas histórias diferentes. Em Onde nascem os fortes, buscamos avançar nesta narrativa. Há a terra árida e a opressão masculina, mas surgem mulheres – Maria, Cássia, Rosinete, Joana – que põem em xeque essas forças e tomam as rédeas do seu próprio destino. A força das mulheres, embora presente em O canto da sereia, Amores roubados e O Rebu, aqui se acentua ainda mais.
Quais os maiores desafios a serem vencidos por um homem ao escrever tramas protagonizadas por mulheres?
É mudar de ponto de vista, é ser outro, é querer falar sobre algo que me fascina, que é o feminino. Sou absolutamente encantado pelo jeito peculiar que as mulheres veem o mundo e se deslocam nele. Sem as mulheres, o mundo teria muito menos graça.
Como se dá a relação do sertanejo com a fé e como você tentou reproduzi-la em Onde nascem os fortes?
O personagem Samir (Irandhir Santos) tem relação íntima com o histórico de religiosidade da região, mas decidimos construí-lo a partir da negação. Ele não é Antônio Conselheiro, não é Padre Cícero, não é João de Deus, não é Chico Xavier, mas é, de alguma maneira não biográfica, a encarnação mais fiel de todos esses aspectos. É um líder que acredita, em tempos de tanta intolerância, que todo homem merece uma segunda chance.
A trama traz elementos de gêneros estrangeiros, como o faroeste norte-americano e a tragédia grega, mas também contém referências, ainda que indiretas, ao cangaço, que inspirou Glauber Rocha e outros realizadores brasileiros. Assim também é o sertão atual, permeável a influências de outras realidades?
O cinema novo, os filmes de cangaço, Graciliano Ramos e a poesia só lâmina de João Cabral de Melo Neto, que, como ninguém, consegue dizer tanto com poucas palavras. Mas também o cinema de Tarkovsky, Sokurov, Iñárritu, Herzog e tantos outros. O crítico e historiador Paulo Emílio Salles Gomes dizia que “até o pior filme brasileiro nos diz mais que o melhor filme estrangeiro”. Não era uma leitura xenófoba. No fundo, ele dizia que a maneira de nos tornarmos cidadãos do mundo é contando as nossas histórias, aquelas que somente nós podemos contar. Já estivemos no sertão para contar a história da minissérie Amores roubados, agora estamos com os Fortes. Tenho a sensação de que ainda há muitas histórias naquele espaço mítico a serem contadas. Narrativas que tentem dar conta da genealogia da ferocidade, do Brasil que não é cordial.
Por que a escolha do sertão como cenário e como foram incorporadas à trama as transformações sofridas na região nas últimas décadas?
O sertão, assim como o deserto e o oeste, é espaço que traz consigo uma simbologia própria. Nessas geografias há uma ideia recorrente de que tudo está por ser construído, é uma terra de todos e de ninguém. No caso de Onde Nascem Os Fortes, a cidade fictícia de Sertão - onde se passa a trama - é um espelho enviesado do Brasil de hoje. É um lugar onde existe o desejo de ser moderno e a condenação de permanecer arcaico. Essa dualidade é muito rica dramaturgicamente. O cineasta Cacá Diegues disse: “Para entender quem somos, é preciso saber de onde viemos, mesmo que a origem não confirme nossos sonhos”. Quando se escolhe o sertão como personagem de uma trama, estamos nessa busca de tentar nos entender como pessoa e como nação.
Em suas visitas recentes ao sertão, o que causou maior estranheza e o que despertou familiaridade?
A estranheza é notar como um lugar, apesar de nova roupagem mais contemporânea, como a presença de motos, celulares e roupas industriais, pode ainda permanecer tão arcaico em seus valores e na sua permanência de status quo econômico.
“O sertão tem marcas de ferro e fogo. É ruim mas é bom”, diz um de seus personagens. O que o sertão ainda tem que o restante do Brasil já perdeu?
Pureza, humor e uma crença de que o que não tem remédio, remediado está. É uma sabedoria que pode parecer conformismo, mas, na verdade, não é.
Como nasceram os Fortes? Da memória, observação, experiência ou intuição?
De tudo um pouco. Para mim, a ficção é memória e invento que se atritam e se complementam. Claro que, muitas vezes, temos apenas uma intuição do que desejamos tratar ao iniciar o trabalho de escrita. Mas é preciso trabalhar diuturnamente, sempre com um olhar para o horizonte, sabendo que só a miragem nos salvará. É algo que antevemos, mas que, na realidade, não existe, e por isso passa a existir na ficção, território livre da imaginação.
Cássia e Maria são mulheres contemporâneas, que se veem diante de uma grande perda: o sumiço e morte de Nonato. Cássia, mais madura e com uma história ligada à cidade de sertão, que ela teima em tentar esquecer, acredita que o caminho para que o culpado da morte do filho seja punido é a via da legalidade. Já Maria, mais jovem, explode diante da inércia da polícia e da justiça e escolhe o caminho à margem. Gradativamente, se transforma numa espécie de “cangaceira”. A força que as move é o amor e desejo de viver em um país menos injusto. Mas Maria, cega de ódio, termina por incorrer nos mesmos erros dos algozes do seu irmão. Cássia, embora atormentada pelo presente e pelo passado, decide que é necessário permanecer em Sertão para proteger a filha. Duas mulheres, um único desejo e duas escolhas tão díspares.
Quais as principais diferenças entre Onde nascem os fortes e seus trabalhos anteriores?
Guimarães Rosa, que emprenhou o sertão de crise existencial, diz que o “Sertão é quando menos se espera. (...) Sertão é o sozinho. (...) Sertão: é dentro da gente.” Só isso já é uma alegoria para centenas de novas histórias diferentes. Em Onde nascem os fortes, buscamos avançar nesta narrativa. Há a terra árida e a opressão masculina, mas surgem mulheres – Maria, Cássia, Rosinete, Joana – que põem em xeque essas forças e tomam as rédeas do seu próprio destino. A força das mulheres, embora presente em O canto da sereia, Amores roubados e O Rebu, aqui se acentua ainda mais.
Quais os maiores desafios a serem vencidos por um homem ao escrever tramas protagonizadas por mulheres?
É mudar de ponto de vista, é ser outro, é querer falar sobre algo que me fascina, que é o feminino. Sou absolutamente encantado pelo jeito peculiar que as mulheres veem o mundo e se deslocam nele. Sem as mulheres, o mundo teria muito menos graça.
Como se dá a relação do sertanejo com a fé e como você tentou reproduzi-la em Onde nascem os fortes?
O personagem Samir (Irandhir Santos) tem relação íntima com o histórico de religiosidade da região, mas decidimos construí-lo a partir da negação. Ele não é Antônio Conselheiro, não é Padre Cícero, não é João de Deus, não é Chico Xavier, mas é, de alguma maneira não biográfica, a encarnação mais fiel de todos esses aspectos. É um líder que acredita, em tempos de tanta intolerância, que todo homem merece uma segunda chance.
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O cinema novo, os filmes de cangaço, Graciliano Ramos e a poesia só lâmina de João Cabral de Melo Neto, que, como ninguém, consegue dizer tanto com poucas palavras. Mas também o cinema de Tarkovsky, Sokurov, Iñárritu, Herzog e tantos outros. O crítico e historiador Paulo Emílio Salles Gomes dizia que “até o pior filme brasileiro nos diz mais que o melhor filme estrangeiro”. Não era uma leitura xenófoba. No fundo, ele dizia que a maneira de nos tornarmos cidadãos do mundo é contando as nossas histórias, aquelas que somente nós podemos contar. Já estivemos no sertão para contar a história da minissérie Amores roubados, agora estamos com os Fortes. Tenho a sensação de que ainda há muitas histórias naquele espaço mítico a serem contadas. Narrativas que tentem dar conta da genealogia da ferocidade, do Brasil que não é cordial.
Por que a escolha do sertão como cenário e como foram incorporadas à trama as transformações sofridas na região nas últimas décadas?
O sertão, assim como o deserto e o oeste, é espaço que traz consigo uma simbologia própria. Nessas geografias há uma ideia recorrente de que tudo está por ser construído, é uma terra de todos e de ninguém. No caso de Onde Nascem Os Fortes, a cidade fictícia de Sertão - onde se passa a trama - é um espelho enviesado do Brasil de hoje. É um lugar onde existe o desejo de ser moderno e a condenação de permanecer arcaico. Essa dualidade é muito rica dramaturgicamente. O cineasta Cacá Diegues disse: “Para entender quem somos, é preciso saber de onde viemos, mesmo que a origem não confirme nossos sonhos”. Quando se escolhe o sertão como personagem de uma trama, estamos nessa busca de tentar nos entender como pessoa e como nação.
Em suas visitas recentes ao sertão, o que causou maior estranheza e o que despertou familiaridade?
A estranheza é notar como um lugar, apesar de nova roupagem mais contemporânea, como a presença de motos, celulares e roupas industriais, pode ainda permanecer tão arcaico em seus valores e na sua permanência de status quo econômico.
“O sertão tem marcas de ferro e fogo. É ruim mas é bom”, diz um de seus personagens. O que o sertão ainda tem que o restante do Brasil já perdeu?
Pureza, humor e uma crença de que o que não tem remédio, remediado está. É uma sabedoria que pode parecer conformismo, mas, na verdade, não é.
Como nasceram os Fortes? Da memória, observação, experiência ou intuição?
De tudo um pouco. Para mim, a ficção é memória e invento que se atritam e se complementam. Claro que, muitas vezes, temos apenas uma intuição do que desejamos tratar ao iniciar o trabalho de escrita. Mas é preciso trabalhar diuturnamente, sempre com um olhar para o horizonte, sabendo que só a miragem nos salvará. É algo que antevemos, mas que, na realidade, não existe, e por isso passa a existir na ficção, território livre da imaginação.