Moscou – Na noite de 10 de maio, o presidente russo Vladimir Putin entrou no rinque de hóquei no gelo no Domo Bolshoi, em Sochi, efusivamente aplaudido pelo público. De patins, capacete, proteção e uniforme vermelho, o presidente, reeleito com 76% dos votos três dias antes, marcou cinco gols na vitória por 12 a 7 em partida amistosa envolvendo ex-campeões olímpicos, políticos proeminentes e oligarcas.
Seja pela formação física e disciplinar ou como instrumento de propaganda do governo, política e esporte andam de mãos dadas na Rússia, segunda maior potência olímpica da história, atrás apenas dos Estados Unidos, no quadro geral de medalhas. No futebol, esporte mais popular do país, não é diferente. Durante o período soviético, os principais clubes eram ligados a sindicatos de trabalhadores ou diretamente às forças do Estado, como o Dinamo (ligado ao Ministério da Administração Interna, especialmente à polícia secreta NKVD, posteriormente, KGB), o CSKA (iniciais de Casa Central do Exército), Lokomotiv (trabalhadores ferroviários) ou Torpedo (indústria automotiva).
“Os dirigentes soviéticos, desde o princípio, acreditavam que o esporte tinha funções social, cultural e política de extrema importância”, conta Emanuel Júnior, autor de A história do futebol na União Soviética (Ed. Ludopédio, 2005). “Por isso, tanto o esporte como a própria cultura sempre tiveram atenção do Estado.”
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Ao longo do último século, qual foi o papel do futebol na sociedade russa? Ele ocupa um grau de importância semelhante, maior ou menor com o que ocorre no Brasil?
O futebol é o esporte mais popular na Rússia. E a popularidade do futebol no país remonta ao Império Russo, ou seja, é anterior à Revolução de Outubro.
Como o futebol era visto por esses dirigentes?
O futebol era um enorme fenômeno de massas consolidado na sociedade russa, mas era visto como um instrumento de despolitização do proletariado, que poderia representar um desvio da luta de classes.
Vários clubes de futebol surgiram, justamente, desta relação entre o futebol e poder. Por quê?
Na União Soviética, além do Partido Comunista, as organizações de massa eram parte essencial do novo sistema político. Eram como se fossem “correias de transmissão”. Os dirigentes soviéticos, desde o princípio, acreditavam que o esporte tinha uma função de extrema importância na engrenagem social. Além disso, havia a preocupação dos dirigentes com o caráter alienador do futebol. É diante desse contexto que percebemos por que no futebol soviético cada agremiação representava alguma sociedade esportiva, que era operada por instituições do país, como Exército, ministérios, empresas estatais, sindicatos, e, em alguns casos, diretamente pelo poder público municipal ou regional (sem falar de clubes que tinham patronos nas lideranças do partido ou no poder local).
Quais eram esses clubes e quem eles representavam?
Um exemplo de ligação entre clubes e um ministério é o caso dos Dinamo. Em 1923, foi fundada a Sociedade Esportiva Dinamo (SED), ligada ao Ministério da Administração Interna, especialmente à polícia secreta (NKVD, num primeiro momento e, posteriormente, KGB).
E o que ocorreu com esses clubes após o fim da União Soviética?
As reformas implementadas por Gorbachev na economia (perestroika) e a abertura política (glasnost) tiveram repercussão direta nos clubes de futebol, bem como em toda a estrutura esportiva soviética. A ideia era que os clubes se tornassem autossustentáveis, estabelecendo relações de mercado. A questão não passava pela profissionalização dos clubes, pois o amadorismo era uma formalidade. Tratava-se mais de um processo de comercialização. Não haveria mais o apoio direto das instituições estatais, era preciso caminhar para um sistema de esporte privado e comercial.
Pensando, agora, no atual momento político da Rússia.
Os megaeventos esportivos podem ser considerados uma das mais poderosas manifestações contemporâneas da globalização porque têm reflexos nas esferas econômica, social e política da cidade e/ou país que os promove. Em termos econômicos, o sociólogo Giulianotti alude às cifras bilionárias envolvidas nestes torneios e à possibilidade de as cidades e países que sediam os eventos poderem “se vender”. Por essa razão, concordo com autores que dizem que a organização de megaeventos esportivos pode servir como instrumento de soft power, habilidade de influência e atração.
A Copa da Rússia vem depois de outros dois mundiais realizados em membros dos Brics. Por que esse interesse da Fifa nesses mercados?
No livro A história do futebol na União Soviética, abordo essa questão e recordo que todos os parceiros da Rússia nos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) sediaram megaeventos esportivos nos últimos anos. Parece-me se tratar de uma estratégia geopolítica. Uma forma de se afirmar a nível internacional e de projetar outro status perante a comunidade global..