À beira-mar
Ana Martins Marques
1º tempo
Como esses índios
de que falava Lévi-Strauss
que, tendo aprendido o futebol,
não o jogavam para vencer
mas para empatar
nós devemos aprender
meu amor
não a ganhar ambos
mas, ambos, a perder:
perder o tempo que nos falta
as cartas que nem trocamos
os beijos que não nos demos
o filho que não tivemos
todo este amor
que te peço.
2º tempo
Mas não:
ao menos neste poema
seria preciso evitar
tornar o futebol
metáfora de tudo
e perder-nos nesses jogos
em que o amor é a partida e nós, o campo
ou em que o amor é o goleiro e nós, a bola
ou em que o amor é o jogador e nós, a partida
ou em que eu sou a bola e você, o gol
ou em que eu sou o campo e você, a bola
seria preciso evitar
todas essas metáforas
e pensar naquele pequeno campo
à beira-mar
que quando a maré abaixa
enche-se de meninos
e turistas
queimados como pedras calcinadas
e quando a maré aumenta
transforma-se
em palco
de um inusitado polo aquático
enquanto
sob as águas
peixes improváveis atravessam o campo
de um lado a outro
indiferentes aos nossos jogos.
Ana Martins Marques
Nasceu em Belo Horizonte, em 1977. Formou-se em letras pela UFMG, é mestre em literatura brasileira e doutora em literatura comparada na mesma instituição. Publicou A vida submarina (Scriptum, 2009), Da arte das armadilhas e O livro das semelhanças (Companhia das Letras, 2011 e 2015). Recebeu vários prêmios importantes no Brasil, como o Prêmio Cidade Belo Horizonte de Literatura (2007 e 2008), Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional (2012) e Prêmio APCA (2015). Este poema foi publicado na plaquete Pelada poética (Scriptum, 2010), e a versão audiovisual integra exposição no Museu do Mineirão. A versão em áudio foi gravada pelo autor, sonorizada por Fabiano Fonseca, sob a direção de Gustavo Cerqueira Guimarães.