A crise do sistema político, a falência dos modelos de democracia e a ruptura da representação são fatos facilmente constatáveis. Diante de um cenário caótico e carente de referências, a reflexão sobre o tema se faz urgente. Discutir a política, resgatar conceitos e apontar direções é o objetivo do Ciclo de conferências mutações, que volta a Belo Horizonte, a partir da próxima semana, para abordar o tema A outra margem da política.
Sob a curadoria do filósofo Adauto Novaes, 15 nomes de peso estarão no BDMG Cultural tratando das diversas facetas da política: conceitos históricos e novas abordagens estão entre os temas propostos pelos pensadores. Em entrevista ao Pensar, Adauto Novaes adianta algumas questões.
Como abordar e refletir a respeito da política nos dias atuais?
Vivemos um tempo de desolação e pessimismo em relação à política e daí, inclusive, intrinsecamente, o tema do ciclo de conferências já está apontando a questão. “A outra margem da política” quer dizer que estamos em uma margem e é preciso construir pontes conceituais para chegar à outra margem. Esse ciclo está inserido na ideia de mutações, que já vimos trabalhando há 12 anos. Portanto, vamos abordar a grande mutação pela qual a política passa atualmente a partir de três pontos principais: O primeiro é a mundialização; o segundo é o fim da ideia de Estado-nação, exatamente em função da mundialização; e o terceiro é o grande poder da tecnociência hoje no mundo e, em particular, da própria política.
Como vê a rejeição da sociedade em relação à política?
Existe um declínio dos ideais e uma resignação muito grande em relação à história e à política. Quer dizer, quando eu falo de resignação, quero dizer justamente isso, que a política passou a ser uma coisa quase desnecessária na vida social e política para as pessoas.
Pode-se dizer que a representação política está falida?
A gente tem o domínio do econômico sobre todas as áreas da atividade humana, inclusive da política. Então, a representação passou a ser regida por questões econômicas pura e simplesmente.
Diante dessa crise na representação, como ficam as instituições?
Eu poderia até colocar como epígrafe desse ciclo todo uma frase maravilhosa do Musil quando, fazendo a crítica da política, diz: “Não se deve curar a decadência”. Há um processo de decadência não só da representação, mas da própria política que se instituiu a partir de 1789 e não dá para querer curar essa decadência. O mundo é outro. Quer dizer, diante do grande avanço da tecnociência, das novas mídias, não é possível os partidos políticos e os sindicatos serem os únicos mediadores entre a sociedade e a política de fato. Enfim, há uma mudança radical e é preciso se pensar a política a partir dela e não retomar a partir do que já foi superado.
A própria ideia de democracia não está em xeque?
Uma questão que é muito mais complicada, no meu ponto de vista, é aquilo que se tenta definir como democracia hoje. O (filósofo alemão Martin) Heidegger une a grande transformação pela qual passa o mundo hoje e a questão da ciência quando diz que “o mundo planetário dos tempos modernos transformou-se em uma potência que determina a história”, ou seja, o processo de mundialização determina a história.
Como vê a relação entre a tecnociência e a crise dos valores humanistas?
O que é a tecnociência traz não é o racional, mas o irracional. Esse que é o grande problema, é uma irracionalidade técnica – diferentemente do que alguns teóricos da Escola de Frankfurt falam que é uma racionalidade técnica. O que acaba se estabelecendo hoje pela técnica é o irracionalismo. Perde-se o sentido das coisas. Porque o Estado não permite que o cidadão tenha consciência de sua própria situação.
Na sua opinião, como a comunicação, as redes de informação influem na política?
Há uma multiplicidade muito grande de informação e as pessoas não têm nem tempo para trabalhar essas informações. Esse é um problema, mas acredito que, com o tempo, as pessoas vão buscar instrumentos necessários para se pensar o que estão recebendo. Não vejo isso com muito pessimismo, não. Vejo que é complicada a proliferação de imagens e informação, mas, de alguma maneira, essa saturação vai chegar a um limite e as pessoas vão começar a pensar aquilo que estão vendo. Como diz (o filósofo francês Maurice) Merleau-Ponty, “o que se vê é mais do que se vê”. Agora, estamos no puramente ver, mas as pessoas estão tentando buscar esse mais.
Como é possível mudar a relação entre as pessoas e a política?
Mais uma vez, volto a Valèry que, diante da transformação pela que passava o mundo, depois da Primeira Guerra Mundial, afirma:
“Temo que o espírito esteja se tornando numa coisa supérflua”. Espírito, para Valèry, é a inteligência, a potência de transformação. Essa ideia de inteligência está um pouco baleada hoje e esse espírito de transformação também. Porque o máximo que as pessoas querem é uma volta a como estavam antes e isso não dá certo. Deve-se tentar se pensar realmente o novo e recriar novas ideias de política.
CICLO DE CONFERÊNCIAS MUTAÇÕES – A OUTRA MARGEM DA POLÍTICA
Curadoria: Adauto Novaes. De 3 de maio a 14 de junho de 2018, às 19h. No auditório do BDMG Cultural (Rua Bernardo Guimarães, 1.600, Lourdes). Ingressos para ciclo completo: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia). Inscrições pelo site: www.appa.art.br. Informações: BDMG Cultural: www.bdmgcultural.mg.gov.br
ou (31) 3219-8486..