Desde criança, Graziela Mello Vianna encontrava no rádio uma companhia e gravava programas e músicas. Com o surgimento do aparelho de som portátil com duplo-deck e microfone, se divertia parodiando programas e peças publicitárias. A relação afetiva com os sons e o aprendizado ao editar os elementos que compõem a linguagem radiofônica certamente serviram para orientar várias de suas escolhas.
Formada em comunicação social pela UFMG, trabalhou em estúdios publicitários como engenheira de som e seu interesse se expandiu para as peças de propaganda radiofônica como fonte de compreensão da produção publicitária e dos seus contextos socioculturais. Desenvolveu uma pesquisa acadêmica com base na semiótica, para desvendar como os vários elementos sonoros se combinam para criar sentido e comunicar com os ouvintes. Assim, buscou “ouvir” com atenção as vozes, as músicas, os efeitos sonoros, o silêncio, as interferências do tratamento técnico e sentir as imagens sonoras criadas, os sentidos possivelmente sugeridos”.
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Quais são e como você pensa as formas de articulação do som para produção de sentido?
Pensamos no som como um tipo de linguagem que seria só o que se ouve. Mas ele é como um livro: o texto traz imagens, o leitor imagina coisas, cores, texturas. Com o som é a mesma coisa. Ele é capaz de provocar uma série de referências proporcionadas a partir do imaginário que o ouvinte tem. Os elementos que se usam para que o imaginário seja evocado a partir do som são diversos, desde efeitos sonoros até a performance da voz. Cada texto, no rádio, só ganha corpo com a voz. O texto impresso não existe, ele se materializa a partir da voz. Mesmo o silêncio é importante, nesse sentido. Pensando, por exemplo, em uma rádio que tem uma programação 24 horas, o silêncio inserido sugere algum sentido – mesmo que seja não desejado, como a ideia de que houve uma falha técnica ou algo assim. Uma trilha musical sugere ambiência, ou um clima emocional, um estado para o ouvinte, tristeza, alegria. Tudo isso é possível de ser sugerido apenas com o som. Outra parte importante, que muitas vezes não é posta em discussão, é o tratamento técnico. Fui técnica de som durante muitos anos e, por isso, via os textos se transformarem dentro do estúdio. O som tira o locutor do estúdio e o desloca para outro.
Você aponta relações que sugerem uma certa sinestesia no tratamento do som. Como se ele pudesse misturar sensações. Como trabalhou essa questão?
O pensador francês Roland Barthes (1915-1980) cunha um termo importante, o “grão da voz”. Se você me ouve e já me conhece, é possível imaginar o corpo da voz. A performance é o corpo da voz no rádio. Uma pessoa que não conhece o radialista pode imaginar quem ela quiser. Você sugere um corpo para essa voz a partir desse “grão da voz”, que está no timbre, no jeito de falar, na entonação. O corpo ganha corpo. Desde o início do século, artistas plásticos, já sugeriram imagens multissensoriais – Kandinsky, por exemplo. É curioso que algumas palavras coincidem no vocabulário das artes plásticas e sonoras: tom, altura, textura. Um som muito grave, por exemplo, imediatamente enuncia cores escuras. Sons agudos, ou tons maiores, sugerem brilho, cores mais claras. O poder de evocação do som funciona dessa maneira.
Você trata de uma relação entre recursos musicais – como a notação na partitura, os timbres e a extensão das notas – como forma de conversa com as letras e com as sugestões de sentido. Como funciona?
No estudo, usei um método de análise semiótica – que é quando se pensam as relações de sentido e representação na linguagem, no caso o som. Há uma relação entre o desenho melódico de uma canção, por exemplo, com a sua letra. As diferenças de tom, os saltos melódicos, os prolongamentos das vogais. Tudo isso gera algum sentido e conversa com o que está sendo dito. Em canções passionais, ou ao menos naquelas cujo protagonista está à procura do objeto de desejo, o percurso que ele faz para alcançar seu objetivo segue uma escala de notas muito mais vertical, como se estivesse trilhando um caminho até algo. Em canções temáticas de exaltação do país, por exemplo, há notas e timbres mais fortes. Outro exemplo bom é a música O que é que a baiana tem?. Há uma sugestão de que a baiana tem tudo – e a música caminha para esse sentido. As notas curtas e repetitivas soam como afirmações, reforçando essa ideia.
Como você pensa a relação entre a rádio e as novas mídias que tratam do áudio, como o podcast?
Sempre que surgem novos dispositivos de comunicação, tem-se uma visão pessimista do meio mais antigo – “esse meio vai acabar, não se sustenta”. Assim, a fotografia ia matar a pintura, o cinema ia matar a fotografia, a TV ia matar o rádio, a internet ia matar a TV e o rádio. Mas, há um movimento curioso de “mídiamorfose”. Os meios se apropriam das técnicas, da linguagem dos antigos e estes se transformam. É muito legal que essa nova onda do rádio se apropria de uma outra forma dessas novas mídias. As emissoras estão na internet, você tem vídeo ao vivo do estúdio e coisa assim. Um rádio que volta a ter imagem e a requalificar a publicidade. Quando a gente consome pela internet, se você não paga um pacote ou algo assim você vai ouvir publicidade. O que ocorre é que a gente está nesse momento de “radiomorfose”. Ele encontrou outros caminhos, fazendo uso dessas novas mídias.
Como você pensa as adaptações de linguagem que os meios passam quando são confrontados com novas formas de comunicação?
A TV era anunciada como rádio com imagens – inclusive, há propagandas curiosas nas revistas que diziam literalmente isso. E, em termos de linguagem, era realmente um programa de rádio com imagens. Depois de um tempo, a TV desenvolve uma imagem própria. Com a chegada da internet, os pessimistas diziam que o rádio ia acabar de novo. Mas, tem-se que ter em perspectiva que o consumo musical e o de notícias se transformou. Uma rádio “jovem” na década de 1990, por exemplo, era composta basicamente de smúsica e eventuais entradas dos locutores falando sobre as mesmas. Hoje, com o consumo de música muito mais ligado à internet, isso não funciona mais. As rádios jovens voltaram a ser mais faladas, com conteúdos de humor, entrevistas. Essas mudanças não são coisas novas – a implementação das frequências FM no rádio é exemplo disso. Desde a década de 1930, a tecnologia já existia, porém, só foi adotada nos anos 1960. E isso tem a ver com uma mudança na forma de consumo. As gravadoras multinacionais se instalaram no Brasil, a TV começou a ganhar protagonismo como comunicador nacional e a rádio começou a se focar em conteúdo local, portanto usar o FM fazia sentido. Agora ocorre a mesma coisa, o rádio e os novos dispositivos sonoros se adaptam e assumem outra função.
Quais foram, na sua visão, os pontos altos das peças analisadas?
Quando fazemos pesquisa, precisamos de um recorte temporal. Escolhi um determinado ano, um determinado recorte de peças publicitárias veiculadas nas editoras de maior audiência no Sudeste. O mais interessante é que os resultados são atemporais, apesar do recorte. Há alguns achados em relação aos sentidos sugeridos pela voz, o tipo de trilha, a ausência de silêncio, a pouca exploração de muitos recursos, a voz. Em geral, trabalhei com spots dramatizados e jingles. Geralmente, prioriza-se a valorização simbólica do produto em quase todas as peças. É um movimento compreensível, produtos existem vários e eles são bastante parecidos. O que cria diferenças são questões afetivas e simbólicas relacionadas à marca, mais do que o valor prático do produto. Na rádio, é a sugestão de sentido e a forma com que ela se articula que possibilita a produção desse simbólico.
LANÇAMENTO:
Neste sábado (24), a partir das 11h, na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077).
* Estagiário sob a supervisão do editor Pablo Pires Fernandes
IMAGENS SONORAS NO AR – A SUGESTÃO DE SENTIDO NA PUBLICIDADE RADIOFÔNICA
. De Graziela Valadares Gomes de Mello Vianna
. Edusp
. 216 páginas
. R$ 54