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'Torquato Neto: Essencial', antologia organizada por Ítalo Moriconi, resgata as diversas faces do inquieto tropicalista

Quando eu nasci um anjo torto, muito louco, veio ler a minha mão. O poeta é a mãe das artes e das manhas em geral: alô poetas, poesia no país do carnaval. Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder. A coisa mais linda que existe é ter você perto de mim. Vá bicho, desafinar o coro dos contentes, despentear todos os dentes. Let’s play that. Eu sou como sou vidente. E vivo tranquilamente todas as horas do fim.
Autentica/Divulgação - Foto: Capa do livro sobre Torquato Neto
Os versos de Torquato Neto (1944-1972) estão pulverizados nas redes sociais e se tornaram referência fundamental de radicalidade para as novas gerações.

A obra de Torquato se expandiu com as pesquisas sobre textos inéditos reunidos nos livros Torquatália, Juvenílias e O fato e a coisa, organizados por seu primo George Mendes. Mas todos os livros do poeta tropicalista estão esgotados e fora de catálogo. Daí surgiu a ideia de reapresentá-lo para as novas gerações com a antologia Torquato Neto: Essencial, organizada por Ítalo Moriconi e lançado pela Autêntica.

A poesia é a mãe das artes e das manhas em geral, dizia Torquato. E, de fato, as letras que escreveu para o movimento tropicalista resistem à leitura no papel. E passam pelo teste de permanência do tempo, esse terrível crítico literário. Torquato proclamava que um poeta não se faz com versos, mas com o risco. No entanto, ele era um artesão exigente, perfeccionista e minucioso.
As rimas e os cortes cinematográficos de suas letras são precisos.

Autor de Geleia geral e Coisa mais linda que existe, entre outras canções marcantes do Tropicalismo, Torquato se desgarrou cada vez mais rumo a uma radicalidade e a um extremismo que o isolaram dos antigos amigos e companheiros de viagem. Tomou partido do Cinema Marginal na polêmica com Glauber Rocha. Desentendeu-se com antigos parceiros. Mergulhou no álcool e nas experiências lisérgicas.

Escorpiano, sempre invocou a morte em poemas e canções: “Há urubus no telhado e a carne seca é servida/ Um escorpião encravado em sua própria ferida/ Não escapa, só escapo pela porta da saída”. Ele também havia escrito quase como uma advertência a si mesmo: “A morte não é vingança”. Apesar do alerta, em novembro de 1972, Torquato abriu o gás e se suicidou.
O crítico e ensaísta Italo Moriconi - Foto: Reprodução/Youtube
O parceiro da Tropicália Gilberto Gil comentou: “Uma coisa que eu gostaria muito era ter conseguido amadurecer a seu lado. Muitas coisas que eram problemáticas e torturantes para ele, hoje já teriam ficado mais simples”. Ao passar por Teresina, durante uma turnê, sob o impacto do encontro com o pai de Torquato Neto, Caetano Veloso compôs o baião metafísico Cajuína, que revela a origem tão pungentemente nordestina do menino piauiense.

Embora Moriconi tenha evitado enveredar pela biografia de Torquato, ele reconhece que, no caso, vida e obra se tocam de maneira indivisíveis.
Torquato proclamou e viveu uma poética do risco e do perigo.

 

Trecho

Coisa mais linda que existe

Coisa linda neste mundo
É sair por um segundo
E te encontrar por aí
E ficar sem compromisso
Pra fazer festa ou comício
Com você perto de mim
Na cidade em que me perco
Na praça em que me resolvo
Na noite da noite escura
É lindo ter junto ao corpo
Ternura de um corpo manso
Na noite da noite escura
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim (...)


» ENTREVISTA / Ítalo Moriconi


Torquato Neto está envolvido pela aura do mito. Como situar a relevância e o lugar da obra de Torquato Neto na literatura brasileira e também na música brasileira?

Situo neste lugar mitológico e estimulante. É uma referência permanente, quase uma nebulosa, sempre que se busca uma referência da poesia e da arte como insubordinação permanente. Ele é ponto de partida para o trabalho poético e para a criação artística. Todas as obras de Torquato estão esgotadas. Por isso, topei na hora o convite de organizar uma antologia, visando, principalmente, às novas gerações.

É possível afirmar que a internet projetou o nome e o mito Torquato Neto para as novas gerações?

Acho que esse interesse é permanente, sempre esteve presente, mas, muitas vezes, eles nem conhecem o texto completo. É o que ocorre com outros escritores que se tornaram mitos da internet, como é o caso do Veríssimo ou da Clarice Lispector. No caso de poetas que se suicidaram, as obras costumam ser póstumas. Os últimos dias de Paupéria, o primeiro livro de Torquato Neto, é uma obra a quatro mãos, organizada pela viúva e por Waly Salomão. Ao organizar Torquato Neto: Essencial, me senti um coautor.

Ela não tem a pretensão de ser exaustiva e nem de trazer grandes novidades. A intenção é apenas de recolocar a obra de Torquato em circulação. O texto dele se coloca como oficina de experiências. Trabalha com apropriação, paródia, pastiche. É uma caixa de ferramentas para quem quer desenvolver uma linguagem experimental.

A obra de Torquato tem conexão com os tempos em que vivemos?

Talvez. É uma obra inconclusiva de uma vida inconclusa. É adequada para quem vive a inconclusão.

O mito do poeta desaparecido tragicamente influencia a avaliação de Torquato?

Acho que a linguagem do Torquato é muito do momento, para cima na fase tropicalista, e para baixo na fase da contracultura. Estou me tornando especialista em poetas suicidas. Anteriormente, organizei livros de Ana Cristina César e de Caio Fernando de Abreu. O Caio via na Aids uma forma de suicídio.
Mas existem poetas suicidas que não deixam legado nenhum. Não é o caso do Torquato, da Ana ou do Caio. Torquato buscou a radicalidade entre poesia e vida. É uma relação de vida ou morte. É mais sofrida quando ocorre o suicídio. No caso dele, existe uma dimensão não literária da depressão, um mal da saúde. Há um isolamento em relação à primeira geração dos tropicalistas. Mas eu resolvi não entrar nos aspectos da biografia de Torquato.

Se existe um questionamento sobre o poeta de obra inconclusa, que avaliação faz do letrista Torquato Neto?

Como letrista, está no DNA da música popular moderna do Brasil, é top de linha. Selecionei Geléia geral, Pra não dizer adeus, entre outras que se tornaram clássicos absolutos. Pessoalmente, gosto bastante. Eu era um adolescente, tinha 16/17 anos, e para o meu grupo de amigos o Tropicalismo era fundamental. A revista Navilouca parece datada para muita gente, mas eu tenho uma identificação muito grande. O texto de Torquato Neto é universal. É impressionante como ele se tornou uma figura inspiradora para os poetas da nova geração.

 

 

 

TORQUATO NETO: ESSENCIAL

Organização Ítalo Moriconi
Autêntica
235 páginas
R$ 57,90

 

 

 

 

 

 

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