Juca Ferreira*
Pensar a cultura de uma cidade e a relação do poder público para com ela exige de nós grandeza, inovação e espírito democrático, exige um exercício constante de leitura e interpretação da realidade e de como nos relacionamos com o meio urbano. A cultura se coloca na centralidade da agenda pública contemporânea ao permear todos os campos da vida social e todas as áreas do conhecimento. É ela, afinal, quem qualifica e dá sentido à experiência humana, agregando valor ao desenvolvimento e abrindo caminho para a inovação.
É na cultura que significamos, é por ela que dizemos quem somos e projetamos nosso futuro. As cidades e os espaços urbanos não são apenas resultado de uma adaptação ao meio físico, são também produto e resultado da cultura de seu povo, recriando e dando vida à maneira singular de lidar com a dimensão material e intelectual ao longo de sua história.
Sendo inúmeras as possibilidades de conformação e adaptação ao lugar e ao território, são muitas as variáveis em jogo. Por exemplo, com o desenvolvimento das tecnologias digitais e suas presenças no cotidiano de todos, parte da vida de uma cidade passou para o campo da virtualidade e a urbs passou a trafegar boa parte do tempo pelas infovias, modificando tudo e a todos em seu território, alterando nossa noção de tempo e espaço. Este caldo de coisas, novas e velhas, esta multiplicidade de determinantes e este tabuleiro social de saberes acabam por estabelecer normas e costumes, e a criar formas de viver.
As cidades, em última instância, refletem estruturas sociais e opções políticas e culturais de uma sociedade. Não temos como delinear outro imaginário urbano sem construir ao mesmo tempo um novo tecido de significados, de valores, de projetos coletivos em que todos os habitantes da urbs possam se reconhecer como agentes e parceiros.
Se pensarmos na história da humanidade, 120 anos para uma cidade correspondem, no máximo, à sua primeira infância. Ainda assim já podemos dizer que temos um passado e que neste curto espaço de tempo esta nossa jovem cidade tem se inventado e reinventado como poucas.
Belo Horizonte tem vivido momentos de grandes transformações e renovações na maneira de nela habitar e se manifestar culturalmente. Embora saibamos que as cidades se reinventam a cada dia, segundo ritmos bem distintos, temos que considerar que BH tem a particularidade de ser uma cidade que nasce sob o signo do novo. Nasce projetando-se para o futuro. Nasce olhando para frente. Assim tem sido sua história.
A modernidade marca seu planejamento, a abertura e o redesenho de suas vias e sua arquitetura. Suas obras de infraestrutura, influenciadas pelo positivismo higienista do fim do século 19, especialmente quanto ao saneamento e canalização de seus rios, bem como a construção da Pampulha – importante referência para a história da arquitetura moderna mundial – e a criação de novos bairros residenciais, a instituição das escolas de arquitetura e de artes e a promoção da Exposição de Arte Moderna de 1944 são bons exemplos do que se diz.
Mas, apesar de tudo isso, somos obrigados a reconhecer que nada disso conseguiu evitar graves problemas de segregação espacial e conurbação urbana.
A arte e a cultura de Belo Horizonte se destacam entre as mais qualificadas, complexas e diversas de nosso país, a cada instante nos presenteando com artistas, escritores e intelectuais da mais alta qualidade, reconhecidos aqui e no mundo. Nas quatro últimas décadas, aqui nasceram e se projetaram grupos de dança e de teatro dos mais significativos do país, temos uma cena hip-hop considerada como uma das melhores do Brasil. A cena musical contemporânea de Belo Horizonte, vibrante e sofisticada, é uma referência internacional. Sem esquecer que boa parte da cultura popular tradicional de Minas Gerais faz parte da riqueza cultural de sua capital.
Como reflexo deste caldeirão cultural e da disposição pela inovação, Belo Horizonte se tornou berço de um grande número de coletivos e grupos. Aqui se realiza um grande número de eventos e festivais promovidos tanto pelo poder público quanto por empreendedores culturais.
Nosso papel, enquanto gestor de políticas públicas culturais, é reforçar e qualificar esse processo e apoiar o que vem sendo feito pelos artistas e produtores culturais da cidade e ampliar as condições para a fruição estética diante da arte e da vida, possibilitando acesso a todos.
A cidade é de todos os cidadãos. Cabe ao poder público criar e garantir as condições e o ambiente favorável para que suas atividades artísticas e culturais prosperem e se desenvolvam, evitando monopólios, exclusões e ações predatórias.
Nas últimas décadas, o setor cultural da cidade amadureceu bastante e foi capaz de inventar e reinventar sua cidade e ressignificar seus espaços. A Praça da Estação e seus arredores, por exemplo, ganharam novos significados como território de afirmação das novas gerações e suas culturas. Essa parte da cidade se tornou um centro político e cultural, assim ungido pelos movimentos políticos, sociais e culturais de BH. Tem sido um palco importante da afirmação da cidadania. Aos poderes públicos – principalmente ao poder público municipal, a quem cabe zelar pela cidade – caberiam redesenhar esse espaço no que for possível para dar todas as condições para tornar-se o que a cidadania já determinou que fosse.
Surgiu em BH um movimento de ocupação de espaços como resposta às restrições de uso do espaço urbano. Esse tema é um dos mais importantes: devolver a cidade aos seus cidadãos e cidadãs, possibilitar a arte e a cultura em seu espaço público. A cidade vai crescer muito se o novo regramento for democrático, respeitoso com todos e faça da arte e da cultura nosso cotidiano comum. O carnaval é uma prova desse amadurecimento da ocupação do espaço público como local de sociabilidade. Uma política pública democrática para a cultura deve sintonizar-se com a cidade, com os movimentos culturais que nos rodeiam, valorizando o que já vem sendo feito, fortalecendo as formas democráticas de convivência, potencializando as manifestações artísticas existentes, fazendo, enfim, chegar suas ações a todos os belo-horizontinos, indistintamente, não apenas àqueles para quem as políticas públicas de cultura já são um fato, mas também àqueles que nunca, ou raramente têm acesso a elas.
Este é nosso compromisso: transformar Belo Horizonte numa referência cidadã da cultura e da arte em nosso país, qualificando a ação do poder público municipal, incorporando toda a população da cidade, democratizando o acesso à cultura na direção de sua universalização.
A cultura é um direito de todos. Precisamente por isso, qualificar e ampliar a ação do poder público revela-se uma agenda de fundamental importância, por fazer crescer a arte e a cultura na vida das pessoas e incluir nesse congraçamento as populações quase sempre distantes destes direitos.
Sociólogo, ex-ministro da cultura, atual secretário de Cultura de Belo Horizonte.
Pensar a cultura de uma cidade e a relação do poder público para com ela exige de nós grandeza, inovação e espírito democrático, exige um exercício constante de leitura e interpretação da realidade e de como nos relacionamos com o meio urbano. A cultura se coloca na centralidade da agenda pública contemporânea ao permear todos os campos da vida social e todas as áreas do conhecimento. É ela, afinal, quem qualifica e dá sentido à experiência humana, agregando valor ao desenvolvimento e abrindo caminho para a inovação.
É na cultura que significamos, é por ela que dizemos quem somos e projetamos nosso futuro. As cidades e os espaços urbanos não são apenas resultado de uma adaptação ao meio físico, são também produto e resultado da cultura de seu povo, recriando e dando vida à maneira singular de lidar com a dimensão material e intelectual ao longo de sua história.
Sendo inúmeras as possibilidades de conformação e adaptação ao lugar e ao território, são muitas as variáveis em jogo. Por exemplo, com o desenvolvimento das tecnologias digitais e suas presenças no cotidiano de todos, parte da vida de uma cidade passou para o campo da virtualidade e a urbs passou a trafegar boa parte do tempo pelas infovias, modificando tudo e a todos em seu território, alterando nossa noção de tempo e espaço. Este caldo de coisas, novas e velhas, esta multiplicidade de determinantes e este tabuleiro social de saberes acabam por estabelecer normas e costumes, e a criar formas de viver.
As cidades, em última instância, refletem estruturas sociais e opções políticas e culturais de uma sociedade. Não temos como delinear outro imaginário urbano sem construir ao mesmo tempo um novo tecido de significados, de valores, de projetos coletivos em que todos os habitantes da urbs possam se reconhecer como agentes e parceiros.
Se pensarmos na história da humanidade, 120 anos para uma cidade correspondem, no máximo, à sua primeira infância. Ainda assim já podemos dizer que temos um passado e que neste curto espaço de tempo esta nossa jovem cidade tem se inventado e reinventado como poucas.
Belo Horizonte tem vivido momentos de grandes transformações e renovações na maneira de nela habitar e se manifestar culturalmente. Embora saibamos que as cidades se reinventam a cada dia, segundo ritmos bem distintos, temos que considerar que BH tem a particularidade de ser uma cidade que nasce sob o signo do novo. Nasce projetando-se para o futuro. Nasce olhando para frente. Assim tem sido sua história.
A modernidade marca seu planejamento, a abertura e o redesenho de suas vias e sua arquitetura. Suas obras de infraestrutura, influenciadas pelo positivismo higienista do fim do século 19, especialmente quanto ao saneamento e canalização de seus rios, bem como a construção da Pampulha – importante referência para a história da arquitetura moderna mundial – e a criação de novos bairros residenciais, a instituição das escolas de arquitetura e de artes e a promoção da Exposição de Arte Moderna de 1944 são bons exemplos do que se diz.
Mas, apesar de tudo isso, somos obrigados a reconhecer que nada disso conseguiu evitar graves problemas de segregação espacial e conurbação urbana.
A arte e a cultura de Belo Horizonte se destacam entre as mais qualificadas, complexas e diversas de nosso país, a cada instante nos presenteando com artistas, escritores e intelectuais da mais alta qualidade, reconhecidos aqui e no mundo. Nas quatro últimas décadas, aqui nasceram e se projetaram grupos de dança e de teatro dos mais significativos do país, temos uma cena hip-hop considerada como uma das melhores do Brasil. A cena musical contemporânea de Belo Horizonte, vibrante e sofisticada, é uma referência internacional. Sem esquecer que boa parte da cultura popular tradicional de Minas Gerais faz parte da riqueza cultural de sua capital.
Como reflexo deste caldeirão cultural e da disposição pela inovação, Belo Horizonte se tornou berço de um grande número de coletivos e grupos. Aqui se realiza um grande número de eventos e festivais promovidos tanto pelo poder público quanto por empreendedores culturais.
Nosso papel, enquanto gestor de políticas públicas culturais, é reforçar e qualificar esse processo e apoiar o que vem sendo feito pelos artistas e produtores culturais da cidade e ampliar as condições para a fruição estética diante da arte e da vida, possibilitando acesso a todos.
A cidade é de todos os cidadãos. Cabe ao poder público criar e garantir as condições e o ambiente favorável para que suas atividades artísticas e culturais prosperem e se desenvolvam, evitando monopólios, exclusões e ações predatórias.
Nas últimas décadas, o setor cultural da cidade amadureceu bastante e foi capaz de inventar e reinventar sua cidade e ressignificar seus espaços. A Praça da Estação e seus arredores, por exemplo, ganharam novos significados como território de afirmação das novas gerações e suas culturas. Essa parte da cidade se tornou um centro político e cultural, assim ungido pelos movimentos políticos, sociais e culturais de BH. Tem sido um palco importante da afirmação da cidadania. Aos poderes públicos – principalmente ao poder público municipal, a quem cabe zelar pela cidade – caberiam redesenhar esse espaço no que for possível para dar todas as condições para tornar-se o que a cidadania já determinou que fosse.
Surgiu em BH um movimento de ocupação de espaços como resposta às restrições de uso do espaço urbano. Esse tema é um dos mais importantes: devolver a cidade aos seus cidadãos e cidadãs, possibilitar a arte e a cultura em seu espaço público. A cidade vai crescer muito se o novo regramento for democrático, respeitoso com todos e faça da arte e da cultura nosso cotidiano comum. O carnaval é uma prova desse amadurecimento da ocupação do espaço público como local de sociabilidade. Uma política pública democrática para a cultura deve sintonizar-se com a cidade, com os movimentos culturais que nos rodeiam, valorizando o que já vem sendo feito, fortalecendo as formas democráticas de convivência, potencializando as manifestações artísticas existentes, fazendo, enfim, chegar suas ações a todos os belo-horizontinos, indistintamente, não apenas àqueles para quem as políticas públicas de cultura já são um fato, mas também àqueles que nunca, ou raramente têm acesso a elas.
Este é nosso compromisso: transformar Belo Horizonte numa referência cidadã da cultura e da arte em nosso país, qualificando a ação do poder público municipal, incorporando toda a população da cidade, democratizando o acesso à cultura na direção de sua universalização.
A cultura é um direito de todos. Precisamente por isso, qualificar e ampliar a ação do poder público revela-se uma agenda de fundamental importância, por fazer crescer a arte e a cultura na vida das pessoas e incluir nesse congraçamento as populações quase sempre distantes destes direitos.
Sociólogo, ex-ministro da cultura, atual secretário de Cultura de Belo Horizonte.