A elegância no narrar e a sonoridade poética permanecem como marca de identidade e tornam fluida a leitura de A sociedade dos sonhadores involuntários, mais recente livro de José Eduardo Agualusa. Mas, diferentemente de outras obras do escritor angolano, ao longo do novo romance se observa uma perda no ritmo e também na potência da narrativa. Entropia provocada pelo excesso de tramas apresentadas.
Sobre estranhos modos de sonhar falam personagens que se entrelaçam nas páginas. Eis o resumo: o jornalista Daniel Benchimol sonha com desconhecidos; a artista Moira Fernandes tem o dom de fotografar os próprios sonhos; o neurocirurgião Hélio de Castro é inventor de uma filmadora de sonhos, e o hoteleiro Hossi Kalley invade sonhos alheios. O enredo transcorre entre o discurso em primeira pessoa de Benchimol, personagem importado de Teoria geral do esquecimento, e as páginas do diário de Kalley.
De posse de tema tão fascinante quanto pode ser a matéria do sonhar, Agualusa ainda costura fábula política. A narrativa ambienta-se, em especial, na Angola contemporânea, povoada de poderosos corruptos e opressores. Sociedade dividida, que vê crescer o anseio de parcela da população, a maioria jovem, por um país mais democrático e justo. Desenha-se, então, o maior dos sonhos, porque só realizado com esforço coletivo.
A forma como o autor trata o grupo de rebeldes libertários, chamado “revus”, torna clara a associação da ficção com episódios reais. Em 2015, estudantes foram presos em Luanda enquanto discutiam um livro de teoria política. Agualusa, portanto, continua a satirizar a história e a política, como fizera antes no elogiado Teoria geral do esquecimento, publicado em 2012, romance que lhe deu o Dublin Literary Award agora em 2017.
Se nesse romance anterior o roteiro era mais restrito, concentrado no desaparecimento da personagem Ludo, em A sociedade dos sonhadores involuntários o escritor aglutinou muitos elementos e grande número de personagens, formando caleidoscópio muito grande de situações. Para completar, os quatro personagens referenciais nasceram em locais diferentes e partes da narrativa se desenrolam em Angola, África do Sul, Brasil e Cuba.Tanto deslocamento termina por resultar em cenas descritivas – por exemplo, quando fala do centro histórico de Recife – e, por consequência, enfraquecimento do eixo narrativo.
Quem lê A sociedade dos sonhadores involuntários poderá evocar outra sociedade, a dos poetas mortos, do filme de Peter Weir estrelado por Robin Williams, no desejo impregnado nas páginas de que a sociedade angolana grite e se direcione para práticas antiautoritárias. Talvez também fique com a sensação de que o tema central, os sonhos e seus mistérios, por si só teriam rendido narrativa mais complexa.
*Graça Ramos é jornalista e doutora em história da arte pela Universidade de Barcelona